A imprevisibilidade da conjuntura poderá provocar uma rasteira às metas do Governo previstas no Orçamento do Estado para 2023, aprovado esta semana, daí o presidente da República ter defendido que o documento deve ser flexível, antecipando uma execução mais difícil do que a de orçamentos anteriores. «Provavelmente a preocupação do parlamento vai ser o ter um Orçamento suficientemente flexível para permitir acompanhar uma situação que é imprevisível», disse Marcelo Rebelo de Sousa.
E acrescentou: «A todo o momento, o Governo vai ser chamado a avaliar – em janeiro, em fevereiro, em março, o tempo que durar a situação que estamos a viver – a execução do Orçamento. É mais difícil a execução do Orçamento do ano que vem do que a execução de qualquer outro Orçamento, porque uma guerra com os efeitos desta é mais imprevisível do que a própria pandemia», deixando em aberto a hipótese que há muitos defende que é a necessidade de avançar com um Orçamento retificativo.
Críticas que não pareceram atingir António Costa que, assim que o documento foi aprovado, recordou apenas o passado e garantiu que Portugal tinha um «bom instrumento» para enfrentar a crise. «Faz hoje exatamente um ano que desta votação na generalidade resultou uma crise. Felizmente um ano depois, desta votação resulta um bom instrumento para enfrentarmos a crise que estamos a viver», disse o primeiro-ministro.
Mas são argumentos que não convencem o Conselho das Finanças Públicas (CPF) ao referir que o défice público em 2023 deverá ser de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB),um valor superior em duas décimas ao previsto pelo ministro das Finanças, Fernando Medina. Já a dívida pública deverá atingir os 111%, também ligeiramente acima do previsto. Mas o conselho liderado por Nazaré da Costa Cabral admite que os objetivos orçamentais poderão ser atingidos por outra via, a das transferências de capital para outros subsetores das Administrações Públicas.
Excedente até setembro
Para já, nos primeiros nove meses do ano, o Estado conseguiu ter um excedente orçamental de 5.253 milhões de euros. Um valor que, segundo o ministério das Finanças, permitiu «pré-financiar o programa Famílias Primeiro e o programa Energia para Avançar, anunciados em setembro e concretizados em larga medida em outubro», lembrando, no entanto, que a despesa com estes programas só será refletida a partir da execução orçamental de outubro, o que antecipa uma degradação do saldo orçamental no próximo mês.
A melhoria deste saldo deve-se a um acréscimo de receita de 15,5% face a 2021, «justificado pelo dinamismo do mercado de trabalho, da economia e pelo efeito da subida de preços» e pelo aumento de despesa de 0,3% face a 2021, o qual é influenciado pela redução de despesas associadas à pandemia (aumento de 11,3% face a 2019).
De acordo com os dados do ministério, a receita fiscal e contributiva aumentou 16,6% face ao mesmo período de 2021 (15,7% face a 2019), sobretudo pelo contributo da receita fiscal (20%), em particular a recuperação do IVA (+20,7%). Face ao mesmo período de 2019, a receita fiscal aumentou 15,2%.
Mas para Eugénio Rosa não há dúvidas. Estes valores recorde são feitos à custa da «redução do poder de compra dos trabalhadores e dos pensionistas, aumento da pobreza, agravamento da situação da escola pública e do SNS, corte drástico no investimento público e aumento enorme das receitas de impostos».
O economista lembra que o défice orçamental, entre 2021 e 2022, passa de 2,9% Produto Interno Bruto (PIB) para -1,9% do PIB e em 2023 para apenas -0,9% PIB. O cenário de queda repete-se na dívida pública que cai de 125,5% do PIB para 115%, entre 2021 e 2022, até chegar aos 110,8%, no próximo ano.
«Estas reduções são transformadas em grandes feitos, em autênticos ‘deuses’, a que o país e os portugueses deviam render-se. Querem ser vistos em Bruxelas como os campeões na União Europeia na redução do défice e da dívida», afirmando que essa queda «tão elevada» é feita «em tempo curto e em plena crise», o que no seu entender, irá ter consequências para o país e para os portugueses.
E dá como exemplo o encaixe dos impostos diretos, que, na sua previsão, deveria rondar os 25 mil milhões de euros, quando na verdade irá ultrapassar os 28 mil milhões. O mesmo cenário repete-se com os impostos indiretos. A ideia seria entrar cerca de 29 mil milhões de euros nos cofres do Estado, mas deverá acabar o ano com mais de 30 mil milhões de euros.