O secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garante que os preços não estão mais altos nos hiper e supermercados porque os retalhistas têm feito um esforço para não repercutir os aumentos dos preços nos valores finais. No entanto, reconhece que nem sempre isso é possível e dá como exemplo o que se verifica com o pescado e que, de acordo com os estudos da DECO, apontam para subidas na ordem dos 40%. Gonçalo Lobo Xavier lembra que, “com a guerra, com o começo da crise, com os níveis de confiança do consumidor a baixar, a partir de maio e junho” começou a existir um padrão muito diferente, “em que tudo mudou drasticamente”, daí os padrões de consumo terem baixado. O responsável lembra ainda a análise que foi feita para o Governo com vista a reduzir o IVA de alguns produtos e diz que, do ponto de vista das organizações, estava tudo preparado para fazer esse esforço, chamando a atenção para o facto de que reduzindo o IVA em determinados bens, esse impacto teria de ser assumido em termos de preço. Um hipótese que não saiu da gaveta, mas por “culpa” do Executivo. “O Governo terá feito as suas contas e terá concluído que o que ia dar a ganhar aos portugueses ia retirar do seu Orçamento. E apesar de o Governo estar com uma receita fiscal como nunca teve não a quis perder. Foi uma opção política”, salientou.
Em relação ao aumento dos assaltos, o secretário-geral da APED garante que “em algumas regiões do país há situações sociais mais complicadas e que acabaram por ter algum impacto nas decisões dos retalhistas relativamente aos sistemas de segurança”, mas que estes sistemas sempre existiram. Ainda assim, reconhece que “é inegável que estamos a viver o período mais crítico do ponto de vista social que tem um impacto nas famílias e normalmente nestes períodos aumentam estes pequenos delitos”, daí também os pedidos da IPSS junto da distribuição terem vindo a aumentar.
Quanto à aplicação do imposto extraordinário sobre lucros excessivos, Gonçalo Lobo Xavier diz apenas que soube, ao mesmo tempo, que o país foi informado, mas questiona o que são lucros excessivos. E acrescenta: “Não há nenhuma empresa que esteja satisfeita ou a lucrar por estarmos com um ambiente inflacionista, de guerra e de instabilidade” e diz estar a aguardar reunião com o Governo.
A taxa de inflação continua a não dar tréguas e mantém-se acima dos 10%. Isso reflete-se nos preços a cobrar aos clientes?
Há duas realidades muito distintas no universo dos associados da APED: o retalho alimentar e o retalho especializado. O retalho alimentar é um negócio de margens muito baixas, na ordem dos 2%/3%, em toda a Europa. É um negócio de volume, mas não é um negócio de margens altas. O crescimento dos custos dos fatores de produção com a energia à cabeça tem contaminado toda a cadeia de valor, desde a produção agrícola até à transformação, à indústria, passando pela logística e pelos transportes. Este aumento dos custos dos fatores de produção tem feito com que os preços naturalmente cresçam. Mas também é verdade que as empresas de distribuição não têm passado para o consumidor ou para o preço de venda final o aumento destes custos na mesma proporção com que têm crescido.
Então aí estaríamos perante um cenário ainda pior?
O negócio da distribuição alimentar é muito concorrencial, com muitos players – num universo de 195 associados da APED temos 60 players no retalho alimentar – e mesmo sendo menos em número representa uma fatia muito grande da faturação, conta com mais de 90 mil trabalhadores, num universo de quase 140 mil que representamos. O retalho alimentar, pela sua própria essência, tem conseguido mitigar um bocadinho mais os preços relativamente à dimensão dos aumentos dos custos, no entanto, isso só se faz esmagando as margens. Está-se a vender mais em volume de negócios, mas também se está a vender em menos quantidades porque as pessoas estão a levar menos mas a um preço igual ou mais alto.
Daí esse aumento em termos de volume? Acha que as pessoas deixaram de fazer tantas refeições fora?
Claramente tivemos, ao longo dos últimos 12 meses, um comportamento muito diferente dos consumidores. Quando voltou o canal Horeca – área de atividade económica onde atuam os setores de hotelaria e restauração – e quando a pandemia começou a abrandar, as pessoas começaram a querer ter uma vida normal. Nessa altura, o canal Horeca cresceu bastante e o retalho alimentar reequilibrou-se para níveis mais modestos. Na pandemia, as pessoas em 2020 e em 2021 refugiaram-se em casa, passaram a conviver mais nas suas casas e houve um crescimento do padrão de consumo, mesmo para produtos mais premium, em que valorizaram ainda mais a produção nacional. De repente com a abertura do canal Horeca e com o aligeirar das medidas houve um reequilíbrio e, em 2022, o que sentimos é que ainda havia um certo desafogo do ponto de vista do orçamento familiar, em que as pessoas mantiveram os seus níveis de consumo e isso teve um impacto, mesmo em alguns produtos premium. Notou-se claramente um crescimento das bebidas alcoólicas, como no caso do vinho e dos espumantes. Depois, com a guerra, com o começo da crise, com os níveis de confiança do consumidor a baixar, a partir de maio e junho começámos a ter um padrão muito diferente, em que tudo mudou drasticamente. Repito, drasticamente houve um travão ao consumo a partir de setembro, com as pessoas a pensarem e a fazerem uma gestão mais rigorosa do seu orçamento familiar.
E também coincide com o fim das férias…
Foi um bocadinho o choque do regresso às aulas, o regresso à realidade e o fim de férias. Tudo isto conjugado com a perspetiva de uma inflação que se manteve persistente, que não parou e, ao mesmo tempo, com os sinais de crise, com os aumentos dos preços da energia e com a perspetiva do aumento dos juros, passando a haver uma tomada de consciência muito grande e que teve uma consequência muito direta no consumo. Setembro e outubro são meses – ainda não temos os dados todos de outubro – de travão no consumo, com os consumidores a fazerem escolhas muito racionais e com um crescimento muito significativo das marcas de retalhista, isto é, de marcas próprias. As pessoas passaram a fazer uma escolha muito mais racional à procura de promoções e isto, no limite, levou a que este ambiente concorrencial que sempre se viveu no retalho alimentar tomasse ainda uma outra proporção, em que as pessoas claramente vão ao local onde veem a promoção da carne de porco, do frango e de todos estes produtos mais essenciais e mais básicos. Nota-se uma relativa dispersão, isto é, menos fidelidade a um retalhista e uma maior procura em relação aonde estão as melhores promoções.
Sente que é um déjà vu em relação à troika?
Confesso que na altura da troika vivia outra realidade. Estava na indústria e não tenho tão presente essa comparação. Mas admito que, neste momento, estamos com um nível de confiança no consumidor ao nível das crises de 2008 e 2009 e com um impacto muito grande no consumo. Por outro lado, não posso deixar de dar esta nota, o retalho especializado também continua a viver um clima de alguma incerteza, aquele consumo que víamos por alturas de junho e julho e que tradicionalmente eram meses em que os consumidores compravam os eletrodomésticos grandes, faziam um investimento, porventura com base nos subsídios de férias também se sentiu, este ano, a um abrandamento e essas decisões ficaram por fazer ou foram adiadas. Isto mostra um sentimento de alguma incerteza por parte dos consumidores. O retalho especializado que viveu dias difíceis durante a pandemia ainda tarda em recuperar e em atingir níveis técnicos pré-pandemia, mas não nos podemos esquecer que os meses de outubro, novembro e dezembro são os mais importantes para o retalho especializado. São os meses para as compras de Natal.
Essa época poderá dar algum fôlego?
Sim, especialmente no retalho especializado que olha para estes três meses como meses de recuperação. Mas não estamos a assistir a níveis muito animadores desse ponto de vista. Vamos ver, mas há uma tendência normal de recuperação com o Natal e também com o Campeonato do Mundo de Futebol que leva normalmente a fazer alguns investimentos. Estamos apreensivos, na medida em que procuramos fazer tudo para não passar para o consumidor um aumento dos preços na mesma medida do aumento dos custos e dos fatores de produção, quer no retalho alimentar, quer no retalho especializado. Este clima de incerteza e de guerra leva-nos a ter algumas cautelas, embora estejamos firmes e a apresentar os produtos nas prateleiras. Mas verificamos que as pessoas fazem um investimento mais racional. Portugal continua do Top 5 dos países com venda em promoção. O consumidor habituou-se muito a este mecanismo, a essa ferramenta que é bastante atrativa e a venda em promoção está a atingir níveis de 50%. Isto é, 50% das vendas dos produtos são em promoção. Os consumidores olham para esta ferramenta como algo muito interessante. E a lei dos saldos e de promoções veio estabilizar e dar ainda mais informação ao cliente, com os prazos clarificados e o consumidor já está perfeitamente entrosado com as informações das promoções e à procura dos melhores negócios.
Quando diz que a grande distribuição ainda não está no seu pleno a refletir esses aumentos de custos sente que mais cedo ou mais tarde será inevitável repercutir esses custos?
Há uma grande pressão para assistirmos a um crescimento de preços que tem sido de alguma forma evitado, fruto de uma sã concorrência entre todos os retalhistas. Mas tem sido difícil e se os preços continuarem a subir e se os custos continuarem a subir dificilmente se poderá aguentar este amortecimento que tem sido feito pelos retalhistas.
Como vê as análises feitas, nomeadamente pela DECO, que diz que desde o inicio da guerra, o cabaz alimentar de bens essenciais aumentou mais de 27 euros? Em que pescada fresca, por exemplo, subiu 40%?
O pescado e a carne de vaca são bens de primeira necessidade, mas hoje estão com uma pressão de crescimento de preços que são explicáveis. No caso dos animais deve-se ao aumento exponencial das rações e de tudo o que gravita à volta da manutenção da qualidade animal antes de ser abatido para consumo. Portanto, o produtor está-nos a passar este aumento que é fruto da subida da energia e dos preços das rações e dos cereais. No caso do pescado deve-se claramente à subida do preço da energia, dos combustíveis fósseis e de todos os custos da operação que têm crescido, logo os preços também têm aumentado na mesma medida, tornando o bem bastante mais caro. Os retalhistas, por muita eficiência que tenham e por muito boas compras que façam, não estão a conseguir encontrar fornecedores que escondam este aumento de preços e acabam por repercutir isso no valor do bem. E, nestes casos, não temos outro remédio senão passá-lo para o consumidor, em alguns casos com sucesso, na medida em que conseguimos amortizar, mas em alguns casos, como este, em que face a este crescimento dos custos torna-se praticamente impossível não se refletir. E o que dizemos é que com esta pressão em toda a cadeia de valor, por muito esforço que os retalhistas estejam a fazer, não aumentando, ou até mesmo esmagando as margens, há crescimentos de preços que são inevitáveis.
A única forma de contornar é recorrer à venda direta do produtor, como é o caso dos mercados e das feiras?
Mas mesmo mesmo aí, nesse tipo de mercado, os preços estão muito altos. É inevitável e estamos com um ritmo de inflação que vai tardar a resolver-se. Claramente os próximos seis meses ainda vão ser de muita pressão. Fiz algumas declarações em junho e julho dizendo que até ao Natal tínhamos esperança que as coisas estabilizassem, mas todos os indicadores que temos são contrários a isso.
E enquanto continuar a guerra ainda é mais complicado…
Sim, não só pela questão dos cereais, porque como é sabido todos os retalhistas conseguiram mal ou bem ir procurar outras soluções. No entanto, foram soluções mais caras, em mercados mais distantes. Tudo isso tem custos e não temos outra solução, mesmo com muita eficiência e comprando bem, de refletir isso nos preços. É preciso que se diga que com muito esforço dos retalhistas tem-se conseguido muitos bons resultados senão o cenário seria muito pior, quer do ponto de vista da logística de abastecimento de produtos, quer do ponto de vista dos custos.
Há vários partidos que pediram a eliminação e até mesmo a redução do IVA em alguns produtos. Mas foi uma solução afastada automaticamente pelo Governo…
Não queria muito manifestar se sou pró ou contra esta solução. O que posso dizer é que a APED no final do mês de agosto, princípio de setembro, quando questionada pelo Governo sobre essa eventual possibilidade apresentou toda a informação que foi pedida. Isto é, há um cabaz de preços de bens essenciais que está mais ou menos definido, até pela DECO, que tem um conjunto de bens que são consumidos pelas famílias portuguesas à taxa de 6%. Nas conversações que tivemos apresentámos ao Governo qual era esse cabaz, quais os produtos que têm mais saída e são fundamentais para a alimentação de uma família. Ainda demos sugestões de outros produtos que estão fora da taxa dos 6%, até estão nos 23%, que são produtos processados, mas que também são essenciais e têm um grande peso no consumo. É o caso claro de latas de feijão e das latas do grão de bico, que já fazem parte da alimentação portuguesa, são produtos essenciais, mas sendo transformados, estão taxados a 23%. Fizemos este levantamento, prestámos toda a informação ao Governo e dos exercícios que estávamos a fazer, em que a ideia não era eliminar o IVA, mas baixá-lo para 3%. Do ponto de vista das organizações estávamos preparados para, caso o Governo entendesse, fazer esse esforço. Do ponto de vista de organização, como pode calcular implica fazer alterações nos sistemas informáticos, alterações em todas as lojas, mas dissemos que estávamos disponíveis e interessados em colaborar nesse esforço, se essa fosse a decisão do Governo. O Governo entendeu que não. E nós, aliás, como é evidente, estamos num setor tão concorrencial. Repito, o retalho alimentar é tão concorrencial que todos os retalhistas lutam para terem mais clientes e para conseguirem os preços mais baixos e no fim do dia quem beneficia é o cliente final. Naturalmente que baixando o IVA em 3% nesses bens iríamos assumir essa baixa nos preços e iríamos continuar a fazer o mesmo esforço concorrencial de manter os preços baixos e de baixar na mesma proporção o preço final face a essa redução do IVA. O Governo entendeu que não era uma solução interessante do ponto de vista fiscal e o projeto ficou adiado ou não vai mesmo acontecer.
Isso vê-se no Orçamento do Estado, em que não houve alterações significativas no caso dos impostos…
Não e aparentemente essa solução foi completamente descartada. Do nosso ponto de vista estávamos disponíveis e interessados.
A descer o IVA também teria impacto nas receitas fiscais do Governo….
Naturalmente, o Governo terá feito as suas contas e terá concluído que o que ia dar a ganhar aos portugueses ia retirar do seu Orçamento. E apesar de o Governo estar com uma receita fiscal como nunca teve não a quis perder. Foi uma opção política, claramente.
E medidas de apoio de combate à inflação, como a atribuição de 125 euros ou metade do valor da pensão, poderão dar algum estímulo ao consumo?
Ainda não temos dados significativos sobre esse hipotético impacto nas nossas empresas. Do ponto de vista conceptual são sempre ideias interessantes com vista a aumentar o consumo junto do orçamento familiar das famílias. Mas não me parece que seja também aí a solução e não me parece que tenha um impacto assim tão grande.
Por ser um caso isolado?
Esses valores são facilmente consumidos pelo aumento do custo de vida, nomeadamente dos preços da energia e de todos os aumentos dos preços dos mais serviços que os portugueses utilizam em casa. Não prevejo que tenha um impacto significativo na família.
Sei que não gosta de entrar no campo político. Mas houve um partido que disse que não se podia gastar esse dinheiro, por exemplo, em whisky…
Isso são comentários da chicana política. Não fazemos qualquer nota sobre este tipo de intervenções.
Este aumento do custo de vida também levou a um aumento dos assaltos. Tem-se falado muito dos sistemas de segurança em alguns hipermercados em torno das latas de atum…
Os sistemas de segurança estão previstos e são conhecidos. Há, por exemplo, muitos roubos nas lâminas de barbear, nas pilhas, que são delitos que têm a ver com a própria dimensão do produto e são realmente caros. Mas o que importa dizer é que temos em algumas regiões do país situações sociais mais complicadas e que acabaram por ter algum impacto nas decisões dos retalhistas relativamente aos sistemas de segurança. No entanto, este tipo de situações e de alarmes já existiam há muito tempo. O que aconteceu é que houve um período de setembro, principio de outubro, em que se registaram um aumento significativo de furtos em algumas regiões e os retalhistas optaram por ter este tipo de soluções. É evidente que falando com os seguranças, falando com algumas lojas específicas em zonas muito específicas do país notou-se um crescimento desses roubos e foi nessa medida que explicámos que esses pequenos delitos tinham a ver com a situação social que se está a viver. É inegável que estamos a viver o período mais crítico do ponto de vista social que tem um impacto nas famílias e normalmente nestes períodos aumentam estes pequenos delitos. Não podemos afirmar em 100% que é para as pessoas se alimentarem, mas a verdade é que aumentando uma crise social aumentam-se estes pequenos delitos e foi dada uma visibilidade ao assunto, do nosso ponto de vista exagerado.
Esse sistema de alertas também já existia em algumas bebidas alcoólicas, em que nas prateleiras as caixas estavam vazias…
Exatamente, isso são tudo soluções que já existiam há muito tempo. Agora houve um pico e uma chamada de atenção exagerada. Mas não escondemos que estamos a sentir esse fenómeno de crise e que se manifesta nas suas mais diversas medidas. Para compensar essa informação, vou dar-lhe outra que me parece bastante mais importante, na mesma medida em que estamos perante um cenário muito complexo para as famílias, que é o aumento de pedidos das IPSS com quem trabalhamos. No universo dos associados da APED trabalhamos com mais de mil IPSS em todo o país e é com elas que trabalhamos a doação de alimentos, os apoios às famílias carenciadas e todos os retalhistas, na sua responsabilidade social, têm assumido a necessidade de doar mais e doar a mais instituições. E esses pedidos têm vindo a aumentar nos últimos meses. Se falar com o Banco Alimentar Contra a Fome são os próprios a dizer que houve um aumento do número de famílias que lhes pedem ajuda. Temos cumprido o nosso papel, assumindo a nossa responsabilidade social, doando mais e a mais instituições. E, por vezes, ultimamente as instituições queixam-se de não conseguirem dar vazão aos pedidos que têm e nós também não conseguimos, digamos assim, dar vazão aos pedidos que recebemos. Até porque doamos alimentos e outro tipo de material, como vestuário, etc. em condições de serem consumidos naturalmente, mas também temos tido uma preocupação em sermos mais eficientes do ponto de vista do combate ao desperdício alimentar. Mesmo os produtores, associações de produção de frutas e hortícolas e frescos têm dito que com a seca, com este tipo de problemas na cadeia de abastecimento têm doado menos, porque lhes sobram menos, há mais eficiência. Há mais medidas de combate ao desperdício alimentar. Temos tido mais cuidado na gestão da logística e no caso dos frescos temos outros mecanismos e não deitamos fora a fruta e a que já não está em condições de ser comercializada aproveita-se para as saladas de frutas, para as sopas, no caso das hortícolas. Quando conseguimos ter uma gestão mais cuidada para não ter desperdício alimentar isso também tem consequências nas nossas doações e fruto destes mecanismos também as doações têm sido mais reduzidas.
Mostra o reflexo do país em termos de carências alimentares…
Sobretudo o que nos preocupa é que estas IPSS também precisam elas próprias de ajuda para serem financiadas e para cumprirem as suas obrigações, porque muitas vezes baseiam-se em voluntariado e mesmo o voluntariado tem descido porque as pessoas estão mais aflitas, têm outro tipo de atividades e também estão preocupadas com o seu próprio orçamento. Portanto, temos sentido aqui alguma dificuldade das instituições em dar resposta às necessidades e ao aumento de tantos pedidos. Muitas vezes têm dificuldade em vir buscar as doações que disponibilizamos. Tem sido um trabalho muito difícil, mas temos de continuar a assumi-lo, embora se note que já há enorme pressão.
Em relação ao imposto extraordinário sobre a distribuição já disse ao Nascer do SOL que foi apanhado de surpresa e soube ao mesmo tempo que todo o país…
Passados quatro ou cinco dias desse anúncio continuamos sem saber qual é o racional e o que é que está na cabeça do Governo, sobretudo do primeiro-ministro, para ter feito aquela declaração. E continuamos a insistir que não vemos aqui resultados extraordinários. Quando se fala de resultados extraordinários, o próprio termo extraordinário define isso é porque houve qualquer coisa que contribuiu fora do comum para esse resultado. Ora, insistindo, não temos tido resultados extraordinários porque não tem havido nada de extraordinário. Ao contrário, por exemplo, do que se verifica na energia, em que há uma explicação relativamente lógica para isso acontecer. E, por isso, quando a Comissão Europeia faz uma recomendação aos Estados membros para criar o windfall tax para a energia há uma explicação. Pode-se entender ou não, pode-se aceitar ou não, mas aí existe uma explicação. No caso do retalho não há, até pelo contrário, o retalho tem tido um comportamento irrepreensível do ponto de vista do abastecimento das populações para garantir que nada falhe e está a sofrer com a guerra e com a inflação. Ninguém está contente. Não há nenhuma empresa que esteja satisfeita ou a lucrar por estarmos com um ambiente inflacionista, de guerra e de instabilidade. E quando se falam em resultados, não se está a analisar a causa do resultado. Está-se a ir por um caminho de populismo, a dizer que estamos com grandes resultados e que não se está a ver a causa das coisas. Repito um setor que tem margens na ordem dos 2%/ 3% e continua a baixá-las e a não transmitir para o cliente o aumento proporcional dos custos dos fatores de produção é porque tem de ser eficiente e porque está a conseguir até agora amortizar o aumento dos custos de produção, estando num ambiente altamente concorrencial, com as empresas à procura dos seus clientes e a não os querer perder e ter de apresentar os produtos finais com o preço mais razoável. Evidentemente que há um crescimento do resultado por via do aumento dos preços. Mas isso não significa que, primeiro, os lucros tenham sido criados artificialmente ou com base numa alteração concreta de um fator específico que não houve, segundo, significa que estamos a vender com mais valor por via do aumento da inflação e por via do aumento dos custos.
Mas a semana desse anúncio coincidiu com a apresentação de resultados da Jerónimo Martins que apresentou lucros superiores a 400 milhões de euros…
Como dirigente não me posso pronunciar, mas arrisco-me a dizer que, se calhar, se forem analisar os resultados, facilmente se vê que há uma explicação dos mercados internacionais onde estão a operar, que ajuda a explicar grande parte desses bons desempenhos. E, nesse caso específico, não comentando, posso adiantar isso.
Sente que foi uma medida para “calar” a opinião pública?
Acho que temos de ser sérios e o Governo tem que ser sério do ponto de vista de dizer se queremos empresas fortes. Julgo que estamos todos de acordo, no sentido em que queremos empresas sólidas, a criar emprego, a investir em inovação e em formação. Acho que nisso estamos todos de acordo, ir no populismo de criticar empresas pelo seu bom desempenho e querer com isso que as empresas paguem mais é já o que está a acontecer. Até porque a APED fechou um contrato coletivo de trabalho com um dos sindicatos do setor em setembro, em que tivemos um aumento médio de quase 5% na massa salarial e no salário de entrada 9%, com a garantia de que para o ano pagaríamos sempre cinco euros a mais do salário mínimo nacional nos nossos lugares de entrada no setor, quer em 2023, quer em 2024. Se queremos aumentar salários, criar emprego, investir em inovação e em formação é necessário que as empresas tenham resultados sólidos para fazer esse tipo de investimento.
E esse imposto extraordinário será a acumular com o que já pagam com a taxa de segurança alimentar para estabelecimentos com área igual ou superior a dois mil metros quadrados….
Temos a taxa de segurança alimentar, a derrama estadual e temos das cargas fiscais mais altas da Europa. E é por isso que, mesmo nos outros países, quando se discute este tema e tem sido muito discutido, tem-se chegado à conclusão que as empresas já são taxadas nos seus resultados, nos seus lucros e nesses países até têm uma carga fiscal inferior à nossa. Agora querem criar mais um fardo para um conjunto de empresas que têm feito tudo para garantir que a cadeia de abastecimento não é corrompida e que esteja a funcionar. Tudo isto causa-nos alguma surpresa, mas estamos a aguardar o que vai acontecer nos próximos dias.
O encontro irá realizar-se nos próximos dias ou ainda não há datas?
O primeiro-ministro disse que a seguir ao debate ia começar a trabalhar no assunto, deduzo que ainda não tiveram tempo e estamos a aguardar.