Comunistas começam processo de sucessão de Jerónimo

Ao fim de quase duas décadas, o percurso de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do Partido Comunista Português está perto do fim. O homem que começou a carreira como operário metalúrgico, assume a necessidade de ‘novos protagonistas e construtores do partido’.

por Lucas J. Botelho
*texto editado por Sónia Peres Pinto

Jerónimo de Sousa deu o pontapé de saída e o PCP_deverá oficializar já no próximo fim de semana, na quarta Conferência Nacional da história do partido, o início do processo de designação de um novo secretário-geral, ao fim de 18 anos de consulado do atual líder.

Em 100 anos de história, o PCP reuniu em Conferência Nacional apenas por três vezes, e sempre num contexto de Governos de maioria absoluta: foram os casos em 2002 e em 2003, durante o Governo PSD-CDS_de Durão Barroso e Paulo Portas, e em 2007, na primeira maioria absoluta do PS, então liderado por José Sócrates.

Desta vez, a Conferência Nacional foi marcada no Comité Central realizado antes do verão, com o propósito anunciado de «contribuir para a análise da situação do país, centrando-se na resposta aos problemas e nas prioridades de intervenção», como justificou na altura o próprio Jerónimo de Sousa. Corroios foi o local escolhido e a data 12 e 13 de novembro de 2022 – a dois anos do próximo Congresso do partido.

Entretanto, no final da semana passada, em entrevista à agência Lusa, Jerónimo de Sousa veio abrir a porta ao início do processo de sucessão na liderança do PCP, assumindo que «ninguém é insubstituível» e que «a lei da vida não perdoa».

Com 75 anos de idade, Jerónimo relembrou e pediu «perdão» aos seus «camaradas» por já não ter «condições físicas e anímicas para continuar a fazer 2000 km num fim de semana».

 

Desastre eleitoral

Em declarações ao Nascer do SOL, o comentador político Luís Marques Mendes acrescentou que, além do extenso período de liderança, fatores como «os resultados nas legislativas de 2022, contribuíram substancialmente para a aceleração deste fenómeno».

Afinal de contas, é necessário recordar que o PCP, nas últimas eleições, conquistou apenas seis assentos parlamentares, metade dos deputados que tinha conseguido nas legislativas anteriores, de 2019.

No rescaldo da derrota eleitoral, em fevereiro, no final de uma audiência no Palácio de Belém, com Marcelo Rebelo de Sousa, Jerónimo de Sousa comentou que a questão de sucessão «não está colocada».

Mas é evidente que, hoje, e como resulta das próprias declarações do líder comunista à agência Lusa, as circunstâncias alteraram-se.

 

Apoio à Rússia não ajudou

Marques Mendes, também não se esqueceu quanto à «posição do PCP na guerra da Ucrânia», que com certeza, que também não amenizou esta transição, com uma provável diminuição dos níveis de popularidade desta força política. Sendo relevante salientar que o PCP foi o único partido, que não condenou inicialmente a invasão militar da Ucrânia pelas tropas russas, a mando do Presidente Vladimir Putin.

Quando começou o conflito, no final de fevereiro, o então líder parlamentar do PCP, João Oliveira, afirmou na Assembleia da República que era necessário falar sobre os «verdadeiros interessados numa nova guerra na Europa» e denunciou os EUA como promotores do conflito «para desviar atenções de problemas internos» e ainda que «o agravamento da situação é indissociável da perigosa estratégia de tensão e confrontação promovida pelos EUA, a NATO_e a União Europeia contra a Rússia».

Além desta retórica, o PCP não condenou a invasão à Ucrânia, tal como reportou a agência Lusa: «O PCP foi o único partido até agora, a recusar condenar o Presidente da Federação Russa».

 

Reforço da direção e rejuvenescimento do partido

A abertura do processo de substituição do líder está, portanto, assumidamente em cima da mesa da Conferência Nacional do próximo fim de semana.

O próprio Jerónimo de Sousa falou do tema de «forma tranquila, mantendo a coesão do partido», não abdicando de participar nesse processo de decisão do coletivo.

Assim, e tal como assumiu o próprio secretário-geral, a Conferência Nacional deverá mandatar o Comité Central para «reforçar as estruturas de direção» e promover um «rejuvenescimento» e a abertura a novos «protagonistas e construtores do partido’.

Também Marques Mendes, não querendo prognosticar se o processo demorará «semanas ou meses», considera estar a aproximar-se rapidamente uma sucessão natural.

Tal como sucedeu com Álvaro Cunhal – o carismático e histórico líder dos comunistas que mais tempo esteve à frente do partido e cuja substituição (em 1992) passou pela prévia nomeação de Carlos Carvalhas como secretário-geral adjunto –, também agora o mais natural é que o partido escolha um ou mais secretários-gerais adjuntos de Jerónimo de Sousa, sendo que um deles deverá assumir a liderança o mais tardar no próximo Congresso do partido, no final de 2024.

 

Contextualização Histórica

Em mais de 100 anos de história do PCP, houve apenas cinco secretários-gerais.

José Carlos Rates, jornalista de profissão e considerado o «intelectual do partido», foi nomeado como líder em 1921, mas acabou por ser expulso em 1925. Bento Gonçalves foi eleito secretário-geral em 1929, mas foi preso entre 1930 a 1933. Após o cumprimento da pena, atuou na clandestinidade, que o levou a ser preso novamente, acabando por morrer em 1942 no Tarrafal. Com a sua morte, o PCP continuou a executar as mesmas políticas secretamente e foi controlado por uma direção coletiva, por um período de 25 anos, até 1961, quando Álvaro Cunhal foi eleito e veio a ter a governação mais longa do partido (31 anos). Foi uma das figuras mais carismáticas da organização e chegou a ser ministro sem pasta nos Governos provisórios do pós-revolução de 74.

Carlos Carvalhas, economista de formação, foi o seu sucessor, denominado como secretário-geral em 1992. Anteriormente, e já como adjunto de Cunhal, candidatou-se com o apoio do PCP à Presidência da República em 1991, onde obteve 13% dos votos. O seu mandato como secretário-geral foi dos mais tumultuosos, com as crises internas dos chamados renovadores, que abandonaram o partido ou acabaram expulsos, e passou também por uma clara perda de influência eleitoral.

Em 2004, Jerónimo de Sousa, um operário metalúrgico de profissão, que tinha sido deputado na Assembleia Constituinte e que continuou no Parlamento em mandatos sucessivos até 1992, assumiu a liderança do partido comunista em 2004, sendo visto como um membro de uma fação mais conservadora (marxista-leninista). Em 2015, Jerónimo apadrinhou a ‘geringonça’ com o PS, após as eleições legislativas, que tinham dado vitória ao PSD de Passos Coelho e ao CDS_de Paulo Portas.

 

Os jovens na calha

Há vários nomes falados como possíveis adjuntos e, como assim, eventuais sucessores na chefia do partido. Do inevitável João Ferreira, que ganhou destaque pelas candidaturas, através da CDU, à Câmara de Lisboa e ao Parlamento Europeu e também foi ele quem protagonizou uma candidatura apoiada pelo PCP_nas últimas presidenciais (em 2021).

João Oliveira é outro desses nomes. Foi líder parlamentar do PCP de 2013 até 2022 (até ser substituído por Paula Santos).

Bem como Bernardino Soares, que foi antecessor de Oliveira na liderança da bancada e foi presidente da Câmara de Loures de 2013 a 2021, quando perdeu para o PS e encerrou 8 anos de mandato.

Mas há mais, como o próprio Jerónimo de Sousa apontou à CNN Portugal em dezembro de 2021, quando contrariou as tentativas de afunilamento da sucessão em João Ferreira e ele próprio avançou, além de nomes como João Oliveira e Bernardino Soares, o nome de João Frazão – um membro da comissão política e do comité central com reconhecida capacidade de trabalho.

Como há ainda outras figuras. Miguel Tiago, ex-deputado e um dos comentadores a quem o partido concede liberdade de opinião em programas de comentário político nas televisões e meios de comunicação social portugueses.

Com «um conjunto de quadros, tão bom, o partido vai ter dificuldade em encontrar solução», disse na altura Jerónimo.

Já esteve mais longe.