Por Pedro Antunes, empresário
“Há programas que nós estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos “Vistos Gold”, que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir e que neste momento não se justifica mais manter”, declarou António Costa durante a sua visita ao Web Summit.
O programa dos “Vistos Gold” já tem qualquer coisa como 10 anos. Durante esse período foram investidos cerca de 600 milhões de euros por ano, totalizando 6 mil milhões de euros e 1000 pessoas. Para António Costa isto cumpre os objetivos do programa de atração de investimento estrangeiro para Portugal. Objetivos esses que foram conhecidos este mês, porque mais ninguém sabia disso. Na mente do nosso primeiro-ministro, Portugal está com uma tal produção de riqueza, e uma capacidade tão fantástica de atração de investimento estrangeiro, que não faz sentido continuar com este programa. Tal é o fastio do excesso de capital vindo de fora, que mais vale acabar com o programa. Fora da discussão da diabetes provocada pelo excesso de capital estrangeiro por cá, ainda há quem alvitre algumas explicações populares.
A primeira narrativa é tipicamente da ala bloquista da sociedade, mas que pela sua simplicidade colhe proponente um pouco por todo o lado. É aquela em que os “Vistos Gold” são grandes responsáveis pelo aumento de preço nas grandes cidades, como Lisboa e Porto. Todos nós já ouvimos falar em investidores que pagavam 500 mil euros por um qualquer T1, que valia pouco mais de 300 mil euros. É um conto comum e é possível que tenha acontecido. Claro que, enquanto argumento, tem vários erros básicos de análise. O primeiro parte do pressuposto que o investidor é parvo e compra o primeiro apartamento que lhe aparece. Dada a quantidade de “remaxes” que existem focadas em “Vistos Gold”, isto parece-me improvável. O segundo presume que o impacto do volume de aquisições no preço das casas é forte. Estamos a falar de 409 milhões de euros em 2021, para 756 “Vistos Gold” por compra de habitação. Dito de outra forma: 1,5% dos 28.1 mil milhões de euros correspondentes à transação de ~170 mil casas no mesmo ano. O terceiro é que o investimento se foca em zonas premium e centrais das cidades de Lisboa e Porto. Claro que, como todos sabemos, desde janeiro deste ano que não se pode investir em habitação em Lisboa e Porto para “Vistos Gold”, eliminando esse efeito no preço das casas. Como se comportou o preço das casas desde então? Da mesma forma.
Conclusão: Se calhar o problema do preço da habitação e o “sobreaquecimento” do mercado não tem origem nos “Vistos Gold”, mas sim na falta de oferta.
A segunda narrativa, esta já mais séria, é a da culpa por associação. É a ideia que algum do capital vem de forma ilegal, que atrai oligarcas, que é usado em grande escala para branqueamento de capitais e que promove corrupção. Bom, isto tem imenso para desempacotar. Primeiro a ideia de que por haver uns quantos (1%? 20%? Alguém sabe?), que abusam de um programa como estes, isso é razão para acabar com o programa, em vez de assumir que é razão para melhorar o processo. Convém não assumir que todos são criminosos. Segundo é especialmente assustador que, num país onde se destruiu injustificadamente a carreira de um ministro, com base em pura especulação, este tipo de argumento não caia em saco-roto. Terceiro, promove a ideia de que não há qualquer controlo sobre a origem do dinheiro, quando o investidor tem de o depositar num banco português, cujos mecanismos de controlo são elevados. Só quem não lida muito com bancos, investimento ou a questão dos “Vistos Gold” é que pode fazer afirmações dessas.
A terceira narrativa é difícil de classificar. Uma espécie de xenofobia do bem, ou racismo latente da elite intelectual. É ouvir pessoas, comentadores do dia-a-dia dos canais portugueses, profissionais da opinião, cuja responsabilidade é andarem informados, serem ponderados e terem noção do impacto das suas palavras, com afirmações a roçar a xenofobia. Parafraseando: “já estou farta de só ouvir francês na Lapa”; ou “por 500 mil euros qualquer oligarca compra a nacionalidade”; ou ainda “aqueles que vêm de países menos recomendados, como a Rússia e China”. Pelos vistos nem sabem que a composição geográfica dos “Vistos Gold” está a mudar para o hemisfério ocidental (EUA, Canada, Brasil). Não fosse isto grave seria cómico. Pela ignorância que demonstra, mas também pela capacidade de compartimentalização de (bem) criticar quem agita sempre com a bandeira anti-imigração, mas não ver a barbaridade xenófoba que debitam para milhares de telespectadores.
É verdade, Portugal precisa de uma revisão das suas políticas de atração de investimento estrangeiro. Não atingimos os objecivos de nenhum programa de captação de investimento estrangeiro. “Vistos Gold”, fiscalidade, benefícios a grandes investimentos. Não temos suficiente capital cá, ao contrário do que parece acreditar Costa. Qualquer revisão deve ser com o fito de atrair mais, e não menos, investimento estrangeiro. Isso significa tornar os mecanismos simples, mais abrangentes e, no caso dos “Vistos Gold”, e se calhar baixar o valor e o tipo de investimento permitido.