por Sónia Peres Pinto e Joana Mourão Carvalho
O livro de Luís Rosa – O Governador – prometia ser mais um episódio de ajuste de contas entre o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o então ministro das Finanças e seu sucessor no cargo, Mário Centeno, mas rapidamente tornou-se numa arma de arremesso entre a esquerda e a direita, mobilizando generais de ambos os lados, e com as baterias e as antiaéreas centradas na figura do então e ainda primeiro-ministro socialista, António Costa.
Desde logo, pela forma violenta como o líder socialista reagiu às primeiras revelações da obra e às acusações atribuídas a Carlos Costa, segundo as quais o primeiro-ministro terá pressionado o governador a manter a antiga acionista de referência do BIC_na administração deste banco, uma vez que se tratava da «filha do Presidente de um país amigo de Portugal». António Costa reagiu prontamente e assumiu publicamente que, tendo conversado com Carlos Costa e não tendo este nem se retratado nem pedido desculpa, deu instruções ao seu advogado para agir judicialmente no sentido de repor a sua honra e o seu bom nome.
E foi neste contexto de tensão aberta entre o primeiro-ministro e o antigo governador que decorreu a cerimónia de lançamento do livro, à qual, desconsiderando a posição do primeiro-ministro, se juntaram os ex-Presidentes da República Ramalho Eanes e Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, vários ministros dos Governos liderados pelos dois últimos, além do presidente do PSD, Luís Montenegro, e do também ex-líder dos sociais-democratas, Luís Marques Mendes, a quem coube a apresentação da obra e o lançamento de mais uma ‘bomba’ para já atiçada fogueira (ver texto nas págs. 8-9).
Ao contrário, e face à posição tomada pelo primeiro-ministro, o presidente do Conselho Económico e Social e destacado militante do PS, Francisco Assis, cancelou à última hora a sua participação na cerimónia.
O friso de apoiantes de centro-direita e da direita na Gulbenkian – onde decorreu o lançamento do livro – tornou evidente a clivagem com o Governo liderado por António Costa e a mobilização para a tentativa de construção de uma alternativa de centro-direita.
«Há um claro desgaste do Governo e de António Costa, ao fim de sete anos no poder, e mesmo existindo uma maioria absoluta do PS_no Parlamento, até parece que estamos em fim de ciclo», apontou um dos destacados sociais-democratas que marcaram presença.
A sucessão de casos polémicos envolvendo vários ministros e secretários de Estado de um Governo ainda com poucos meses de mandato, se mobiliza a oposição, também aumenta a preocupação no seio do próprio partido do Governo. Os socialistas estranham, por exemplo, a demora de António Costa em nomear o sucessor de Miguel Alves, sendo que foi o próprio primeiro-ministro quem disse publicamente que iria apresentar o nome do seu substituto ao Presidente da República. E a número dois do Executivo, Mariana Vieira da Silva – ministra da Presidência e a quem cabe a coordenação política do Governo nos termos da lei órgânica –, foi das primeiras a reconhecer a necessidade da recuperação daquele cargo, na véspera da demissão de Miguel Alves (quando se desconhecia ainda a dedução de acusação pelo Ministério Público contra o ex-presidente da Câmara de Caminha no âmbito de um novo processo).
Segundo fontes próximas de António Costa, o primeiro-ministro já decidiu quem será o seu novo adjunto mas ainda não o divulgou nem aos restantes membros do seu gabinete, mas deverá ter reconhecida autoridade interna, nomeadamente no partido.
Quanto ao facto de António Costa não ter desvalorizado o ataque de Carlos Costa e reduzido as suas acusações à querela antiga com Mário Centeno (no livro, o ex-governador volta a reiterar os motivos que o levaram a não nomear Centeno diretor do Gabinete de Estudos Económicos do Banco de Portugal, considerando que este não tinha qualificação bastante para o cargo – sendo que, não obstante, foi ministro das Finanças dos dois primeiros Governos de António Costa e saiu diretamente para o lugar deixado vago precisamente por Carlos Costa no topo da hierarquia do mesmo Banco de Portugal).
Para o primeiro-ministro, o que estará em causa é um ataque direto à sua pessoa – e não apenas uma ‘révanche’ pessoal de Carlos Costa, mas um ataque orquestrado pela direita mais seguidista de Cavaco Silva, Passos Coelho e Marques Mendes.