O caso Banif é aquele que carece de maiores explicações e que é visto por Luís Marques Mendes como o «mais explosivo». Foi desta forma que o conselheiro de Estado analisou todos os ‘casos’ que surgem no livro O Governador, de Luís Rosa, sobre os dois mandatos de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal (BdP), sugerindo mesmo a abertura de inquérito por parte do Ministério Público – curiosamente, entre as personalidades presentes no auditório da Fundação Gulbenkian que serviu de palco à apresentação da obra encontrava-se a antiga procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.
Em causa está o processo de venda da instituição financeira ao Santander no final de 2015 por 150 milhões de euros, apesar de a operação ter envolvido um apoio total de 2,4 mil milhões de euros por parte dos cofres do Estado. Na altura, o Banco de Portugal justificou esta venda com as «imposições das instituições europeias e a inviabilização da venda voluntária do Banif que conduziram a que a alienação decidida fosse tomada no contexto de uma medida de resolução», garantindo que «esta solução é também a que melhor protege a estabilidade do sistema financeiro português».
Mas, agora, com a publicação do livro, Marques Mendes diz que nada nesta venda está verdadeiramente esclarecido. «Primeiro, a revelação mais explosiva e a mais promíscua: a resolução do Banif, no final de 2015. Espero bem que o MP possa ler os capítulos do livro sobre o caso Banif. E, se os ler, sendo Portugal um Estado de Direito, tenho a convicção de que não pode deixar de abrir uma investigação criminal. Pelo que está escrito e documentado, este é um caso típico de abuso de poder e de claro favorecimento de uma sociedade, com pessoas em concreto, portuguesas e estrangeiras, a promoverem tal favorecimento. Por muito menos já vi o MP abrir inquéritos e constituir arguidos», disse o antigo líder do PSD na apresentação do livro e reafirmou-o em declarações ao Nascer do SOL.
O comentador político lembra que, no final de 2015, havia oficialmente em curso um processo de venda do banco, estando esta autorizada pelas autoridades e conduzida pela administração da instituição financeira. Um processo que, no seu entender, deu uma reviravolta quando, «de forma surpreendente, confidencial e nas costas de toda a gente, o Governo informou Bruxelas, através de carta, que o Banif estava em processo de resolução. Ou seja: duas estratégias opostas e contraditórias. Uma pública e outra privada». O que o leva a questionar: «Foi mera coincidência ou era mesmo premeditação?».
Marques Mendes chama a atenção para o facto de o Banco de Portugal, entidade a quem caberia decidir a resolução de um banco, não ter tomado qualquer decisão nesse sentido, «mas já entidades e pessoas em Bruxelas, em articulação com o Ministério das Finanças de Portugal, afirmavam abertamente quem devia ser o comprador do Banif, sem concurso, sem consulta ao mercado, mas com nome devidamente explicitado. Pergunta-se: foi favorecimento premeditado, como parece, ou foi só mera negligência? Uma coisa é certa: os três principais intervenientes na história devem explicações às autoridades e ao país».
Em causa está uma ‘recomendação’ por parte de Bruxelas, outra por parte do gabinete de Mário Centeno e ainda uma outra de Vítor Constâncio, que estava no Banco Central Europeu. Todas a indicarem que o Banif deveria ser vendido ao Santander, ou seja, um bem público alvo de injeção capital por parte do Estado que devia ser objeto de mercado, mas que, no seu entender, se traduziu num ‘favorecimento’.
«Em regra, de acordo com a lei, havendo lugar à resolução de um banco, primeiro decreta-se a resolução e depois faz-se a venda . Aqui, pelo que está documentado no livro, sucedeu exatamente o contrário: primeiro, as autoridades decidiram a quem vender o banco, apresentando-o com nome e fotografia; a seguir, ‘mandaram’ fazer a resolução, apenas e só para dar fachada jurídica à combinação promiscua anterior. Pergunta-se: é assim que se age com isenção, imparcialidade e independência? É assim que se garante a legalidade, a transparência e a ética dos comportamentos? Os portugueses têm direito a uma explicação convincente», refere Marques Mendes.
Caso BIC também na berlinda
Outra polémica do livro diz respeito ao caso BIC, em que Carlos Costa admite ter temido pela sua segurança no período mais tenso de diálogo com a filha do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. «Houve movimentações de desagrado da senhora [Isabel dos Santos] junto dos poderes políticos portugueses relativamente à atitude do governador, queixando-se de eu a ter impedido de fazer parte do conselho de administração [do BIC]»,diz o ex-governador que, em abril de 2016, terá informado Isabel dos Santos, a maior acionista do BIC, e Fernando Teles, sócio da filha mais velha do presidente de Angola, com uma participação de 20% no mesmo banco, de que tinham de se afastar do conselho de administração daquela instituição financeira.
A ideia do então governador era passar a imagem ao mercado de que o banco português «nada tinha a ver com o BIC Angola nem estava exposto aos problemas, nomeadamente reputacionais», descreve o livro, sendo intenção do Banco de Portugal que Isabel dos Santos e Fernando Teles fossem substituídos por administradores independentes.
E foi na sequência dessa conversa, que o livro descreve como tendo sido tensa e com avisos do governador à acionista do banco, que a esfera próxima de Isabel dos Santos terá feito queixas ao primeiro-ministro, que acabou por fazer uma chamada telefónica para Carlos Costa.
Um episódio que levou António Costa a afirmar que as declarações do ex-governador do Banco de Portugal «ofensivas» da sua honra, bom nome e consideração. O primeiro-ministro avançou ainda que contactou Carlos Costa e que, uma vez que este «não se retratou» nem «pediu desculpa», constituiu como advogado «Manuel Magalhães e Silva, que adotará os procedimentos adequados contra o doutor Carlos Costa» em sede judicial.
Episódio que se segue
Fernando Teixeira dos Santos – ex-ministro das Finanças de José Sócrates – considerou, por seu lado, que Carlos Costa «foi muito corajoso» no caso BES, acrescentando que este «tem contornos, essencialmente, de polícia, de ocultação de informação e até de falsificação de informação, pelo menos segundo as alegações que foram feitas».
Carlos Costa foi governador do Banco de Portugal entre 2010 e 2020 e o ex-governante destaca que, «pela primeira vez na nossa história, houve um governador que ousou pôr em causa a manutenção de alguém como Ricardo Salgado à frente de um banco importante como era o BES».
Teixeira dos Santos também não faltou à cerimónia de apresentação do livro de carlos Costa. Ele que, curiosamente, foi nomeado CEO da instituição financeira em maio de 2016, por indicação de Isabel dos Santos e de Fernando Teles, então acionistas de referência do BIC, para liderar a mudança de marca do banco para Eurobic.
Recorde-se que o BIC Portugal nasceu em 2008, ligado ao BIC Angola, e em 2012 comprou o BPN por 40 milhões de euros, tendo então ficado com mais de 1.000 trabalhadores do banco nacionalizado em 2008.