O TC, o Chega e o PCP…

O TC eclipsou-se, apesar das severas e muito discutíveis medidas restritivas durante a pandemia, que suscitaram não poucas dúvidas de constitucionalidade aos especialistas.

Ao contrário do ‘Chega’, cujos estatutos foram ‘chumbados’ pelo Tribunal Constitucional, por favorecerem, alegadamente, a concentração de poder em André Ventura, o PCP não tem razões de queixa e pode escolher o sucessor de Jerónimo de Sousa em ‘petit comitê’, em segredo, surpreendendo até dirigentes e militantes, ungindo, depois, o nome de Paulo Raimundo por unanimidade do Comité Central, algo que, decerto, não levantou dúvidas aos juízes do Palácio Ratton.

Ventura tem muito a aprender com o Partido Comunista, e com os seus métodos de ‘amplo debate interno’, como se verificou, novamente, ao saber-se que um desconhecido ‘operário’ foi eleito secretário geral, num processo que mostrou à evidência como o PCP «é profundamente democrático», na preclara versão de Paula Santos, líder parlamentar do partido, por acidente.

O nome do sucessor foi tão bem guardado, como se orgulhou Jerónimo, que ele próprio por pouco era o último a saber. Por isso, fez constar que a ideia de indicar Paulo Raimundo foi sua, opondo-se aos rumores de que se tratou de uma proposta ‘chave na mão’, gizada por um núcleo restrito de camaradas.

Esta oportuna demonstração de ‘democraticidade estatutária’ do ‘coletivo’ do PCP, não impressionou, felizmente, o coletivo de juízes do Constitucional, embora tenham precisado de um ano para examinar os estatutos aprovados pelo Chega em Viseu, pronunciando-se só agora pela sua falta de transparência.

Nada demais, se atendermos ao facto de o TC ainda não ter conseguido instalar a Entidade da Transparência, há três anos no papel, sem morada certa. É preciso dar tempo ao tempo…

Escreveu-se, entretanto, e, provavelmente, com razão, que o acórdão representa uma ‘mudança de paradigma’ na atuação do TC, que tem adotado, como regra, um princípio de intervenção mínima na vida interna dos partidos.

Ora este ‘novo paradigma’ do TC, visando Ventura, tem, contudo, antecedentes, designadamente nas fases em que o poder foi ocupado pelas direitas.

Que o diga Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro no período da troika. Então, era rara a semana em que ‘não tinha à perna’ os juízes do TC. Foi um período de febril atividade no Palácio Ratton.

Recorde-se que, em agosto de 2014, já o Expresso noticiava que o tribunal tinha ‘chumbado’ nove decisões do Governo, desde o diploma que criava o crime de enriquecimento ilícito, até à Contribuição de Sustentabilidade, só aceitando, parcialmente, a reposição dos cortes salariais de José Sócrates.

Foi a época em que o TC só dava alegrias às oposições de esquerda, mantendo ciosamente resguardados os privilégios dos seus juízes, que escaparam à austeridade, ainda com o invejável estatuto de uma confortável reforma ao fim de 10 anos de serviço.

O que permitiu, por exemplo, que uma jovem constitucionalista, como Assunção Esteves, se tivesse aposentado aos 42 anos de idade, eleita mais tarde como Presidente da Assembleia da República.

Em contrapartida, com a ‘geringonça’ o TC eclipsou-se, apesar das severas e muito discutíveis medidas restritivas durante a pandemia, que suscitaram não poucas dúvidas de constitucionalidade aos especialistas.

Os juízes teriam outras preocupações, como se viu agora, a propósito ainda da Entidade da Transparência, um projeto que, embora adormecido, serviu ao presidente do TC, João Caupers, para ‘chamar à pedra’ os deputados da Iniciativa Liberal, que ousaram questionar o tribunal sobre o destino das dotações orçamentais fixadas no OE para esse efeito.

Foi o bastante para os juízes mostrarem a sua «perplexidade», pela tentativa de «controlos de intendência», como se o TC estivesse à margem de qualquer fiscalização.

A coincidência temporal do acórdão do TC sobre o Chega, quase em cima da escolha do sucessor de Jerónimo de Sousa, teve a sua ironia, porquanto um dos pressupostos da deliberação dos juízes baseou-se naquilo que consideraram ser a restrição à «livre expressão de pensamento», algo que, obviamente, é sagrado e não se aplica nos órgãos internos do PCP…

Claro que num partido centenário – em declínio acelerado e temendo pela mesma sorte que extinguiu os principais congéneres europeus –, poderá sempre haver descontentes e desalinhados, perante as ‘unanimidades’ do Comité Central.

Até o ex-líder da CGTP, Arménio Carlos – por sinal um dos putativos candidatos a herdeiro de Jerónimo – não se conteve e confessou não ter percebido onde foram desencantar o novo secretário geral, um operário padeiro, que se ‘funcionalizou’ cedo ao serviço do partido.

Mistérios que o novo secretário geral não esclareceu. Nem no primeiro discurso, lido sem nervo, nem quando foi à RTP dar a primeira entrevista ‘by the book’. Opaca, banal, no figurino do costume.

Mas é natural que Paulo Raimundo queira salvar um emprego com trinta anos de casa…