Redução da dívida deveria ser feita com ‘reforma séria do setor público’

César das Neves aponta dedo aos sucessivos Governos e diz que ‘se o Estado está a acumular dinheiro para resolver um problema futuro e depois empresta esse dinheiro a si mesmo para o gastar, falsifica o propósito inicial’.

O Governo socialista embandeirou em arco a redução da dívida em 2023 para níveis históricos. É certo que foi a primeira vez, desde 2009, que a dívida ficou abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) ­– situou-se nos 98,7% do PIB: 263 mil milhões e euros, o que representou uma queda de 9,4 mil milhões de euros face ao ano anterior –, mas essa redução foi feita graças ao dinheiro das pensões futuras dos portugueses, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) e da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

Ao Nascer do SOL, João César das Neves não se mostra surpreendido com este ‘truque’. «Trata-se de uma prática que é muito antiga e que é evidentemente perversa. Se o Estado está a acumular dinheiro para resolver um problema futuro e depois empresta esse dinheiro a si mesmo para o gastar, falsifica o propósito inicial».

Como alternativa, diz que a melhor solução para reduzir a dívida pública passaria por fazer uma «reforma séria do setor público, de forma a manter apenas as funções que o país possa pagar». Mas reconhece que «politicamente isso é impossível, como se tem visto».

Também o ex-ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos, apesar de reconhecer que o resultado alcançado tem «o seu quê de extraordinário», lembrou que a composição do excedente orçamental deve-se à Segurança Social, uma vez que o saldo das contas públicas da administração central, local e regional é negativo, referindo que «gastar o excedente da Segurança Social é estar a tirar dinheiro aos pensionistas que vão ver posta em causa a sustentabilidade do sistema de pensões e ameaçada a possibilidade de o sistema pagar as pensões no futuro».

Face a esse cenário, César das Neves afasta a ideia de que as pensões futuras possam estar comprometidas, mas admite que «anula o valor do Fundo como ajuda para os financiamentos futuros, que terão de ser pagos todos por impostos futuros».

Um comportamento que levou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) a alertar para o facto de a redução da dívida pública em 2023 ter sido «artificial» e que «a obrigação de servir a dívida detida por entidades públicas permanece para os contribuintes», referindo queo Conselho das Finanças Públicas (CFP) já tinha apontado o dedo para o risco de concentração excessiva da carteira do FEFSS em dívida pública portuguesa.

Medina chamado a explicar

Segundo a UTAO, o decreto-lei de Execução Orçamental (DLEO) para 2024 estabelece para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) a obrigação de ter no balanço do primeiro trimestre o mesmo valor nominal em instrumentos da dívida pública portuguesa que detinha a 31 de dezembro de 2023. E acrescenta que a lei prevê que o IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública tem a «obrigação de remunerar o melhor possível estas aplicações do FEFSS», admitindo que «haverá casos em que este reforço resultou de meras opções de gestão e casos em que as opções de gestão financeira foram condicionadas por orientações do Governo».

Segundo os dados da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, a CGA passou de uma exposição em títulos de dívida da República de 4,36 mil milhões de euros em 2022 para 8,29 mil milhões de euros no final do ano passado. Esta aumento foi possível com a integração dos mais de 3 mil milhões de euros do fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos no início do ano, verba que se destinava a pagar as responsabilidades futuras do Estado para com os aposentados da CGD.

Perante estas críticas, Fernando Medina vai ser obrigado a explicar no Parlamento esta estratégia. A audição, aprovada pela Comissão de Orçamento e Finanças, foi pedida pelo CDS-PP e contou com votos favoráveis de todos os grupos parlamentares presentes, incluindo do PS.

O líder parlamentar do CDS-PP já tinha anunciado este requerimento no congresso do partido, realizado na semana passada, acusando o Governo anterior de ter feito uma «redução artificial» da dívida com «dinheiro das pensões». De acordo com Paulo Núncio, «em Portugal não pode valer tudo», e, como tal, entende que «o dinheiro das pensões dos portugueses não pode servir para truques políticos dos socialistas».

sonia.pinto@nascerdosol.pt