A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) está menos otimista do que o Governo português em relação às metas económicas. De acordo com as mais recentes perspetivas, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer apenas 1% no próximo ano. Uma revisão em baixa de 0,7 pontos face às previsões de junho. Para este ano, os dados são mais animadores e apontam para um crescimento de 6,7%, face aos anteriores 5,4%. Já em 2024, o crescimento poderá ser de 1,4%. Números diferentes dos do Governo que espera uma progressão do PIB de 1,3% para o próximo ano e de 6,5% este ano. A OCDE justifica estas revisões com a guerra na Ucrânia, disrupções ao nível das cadeias de abastecimento, elevados preços de energia e aumentos das taxas de juro.
As previsões do organismo não surpreendem os especialistas contactados pelo i. “Era expectável uma revisão em baixa do crescimento económico de Portugal em 2023”, diz Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, que defende que o crescimento é “penalizado sobretudo pelo gradual aumento da taxa de juro pelo BCE, tentando travar a elevada inflação, que agrava ainda mais o rendimento disponível das famílias, bastante castigado desde o início do ano pelos elevados preços dos bens e serviços”, acrescenta, recordando que o Fundo Monetário Internacional tem uma projeção ainda mais baixa, de 0,7%, divulgada em outubro.
Da mesma opinião é Henrique Tomé, analista da XTB, ao defender que “enquanto a inflação continuar a subir e permanecer elevada, o crescimento económico no país deverá continuar a ser revisto em baixa, uma vez que a atividade económica é afetada”.
Sobre o facto de a economia portuguesa crescer mais que a média da zona euro, como defende o Ministro das Finanças português, Paulo Rosa lembra que a OCDE reduziu o crescimento económico de muitas economias e Portugal não foi exceção. “A previsão do executivo português, inscrita no Orçamento do Estado para este ano, é de uma desaceleração da economia nacional para 1,3% em 2023. Por exemplo, a OCDE diminuiu também a previsão de crescimento para os 1,3% em 2023 da vizinha Espanha, o maior parceiro económico português, também claramente abaixo dos 2,1% esperados pelo governo espanhol, mas não deixa de ser um dos valores mais elevados da Zona Euro e na União Europeia, bem como o desempenho esperado para a economia portuguesa”, explica.
Por sua vez, o analista da XTB defende que “são perspetivas ambiciosas, mas ao mesmo tempo irrealistas”. E justifica que “embora Portugal não seja o país exposto à atual crise energética na Europa, a economia portuguesa mal tem crescido nos últimos cinco anos e este ano é algo atípico uma vez que o crescimento económico resulta de efeitos base”.
Ainda assim, defende que a atual transição das políticas monetárias para travar a subida dos preços, “deverá afetar fortemente a economia portuguesa, uma vez que as famílias deverão ser prejudicadas com as subidas dos juros, sobretudo no que diz respeito ao crédito à habitação”, acrescentando ser importante notar também “que estas medidas não têm efeitos imediatos e em conjunto com as questões sobre a inflação, a atividade económica em Portugal corre sérios riscos de começar a abrandar a um ritmo pouco desejável”.
Avisos que foram, no entanto, também deixados pela OCDE que alertou que “um aumento acentuado das taxas de juro pode comprometer a capacidade das famílias e das empresas para pagar as suas dívidas, conduzindo potencialmente a incumprimentos e falências, e a correções nos preços das casas.”
Preços a subir As previsões apontam ainda para que os preços elevados de energia e alimentos continuem a empurrar a inflação dos preços ao consumidor para 8,3% em 2022, antes de caírem para 6,6% em 2023 e 2,4% em 2024. O economista do Banco Carregosa explica ao i que a elevada inflação “é das variáveis macroeconómicas que mais penaliza o rendimento disponível das famílias”, sendo certo que “menor rendimento é sinónimo de menor consumo e, sobretudo no curto prazo, de menor crescimento económico”.
Opinião partilhada por Henrique Tomé que garante o aumento da inflação “trava certamente o crescimento, dado que tem impacto na atividade económica, uma vez que o consumo tende a abrandar a médio prazo”.
Questionado sobre se considera que a inflação continuará a subir, Paulo Rosa avança que tudo vai depender da evolução da taxa de inflação e das perspetivas relativas a uma recessão. “Caso a inflação se mantenha persistentemente elevada, o Banco Central Europeu irá manter a sua política restritiva de aumento das taxas de juro”. No entanto, se a desaceleração económica em 2023 “culminar numa recessão, sendo cada vez mais provável à medida que os juros sobem, o BCE deverá reverter a sua atual política contracionista e as taxas de juro tenderão a descer novamente”.
No caso extremo de recessão, o economista diz que “certo é que quão mais profunda for essa mesma recessão, mais elevada será a probabilidade de o BCE reverter a sua atual política de alta dos juros”.
Henrique Tomé é mais otimista e acredita que “já estivemos mais longe de atingir o pico na inflação”, defendendo também que “podemos estar perante uma fase de transição a curto prazo, mas que levará algum tempo até que deixemos de observar níveis elevados na taxa de inflação”.
PRR ajuda mas há riscos Para a OCDE é claro que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pode dar um importante impulso à economia através do investimento público. No entanto, diz que “há riscos [de] que os atrasos na sua implementação persistam”, acrescentando que o plano pode desempenhar um papel importante no aumento da eficiência energética e, assim, “garantir a sua total implementação de forma atempada é fundamental para maximizar os seus benefícios”.
Para o economista do Banco Carregosa, é claro que “qualquer atraso no investimento, quer seja estimulado pelo PRR ou por outra via, penaliza o crescimento económico”.
Já Henrique Tomé defende que estes atrasos prejudicam “mais uma vez a atividade económica dentro do setor privado que está dependente das verbas do PRR para desenvolver projetos”, alertando que “estes atrasos poderão também trazer custos acrescidos aos projetos iniciados”.
Alertas nacionais Numa reação aos dados avançados, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou que o próximo ano “vai ser um ano muito difícil” e que “ninguém sabe quão difícil. Depende de a guerra durar muito ou durar pouco, depende dos efeitos da guerra continuarem muito elevados ou não, depende de a inflação começar a descer ou não crescer, depende da resolução dos problemas da energia e do custo da energia”. Por isso, o chefe de Estado avançou: “Está todo o mundo consciente de que vai ser pior que 2022”.