“Se há setor onde há mais trabalho clandestino e com muitos sinais de escravatura é o do construção civil”. O alerta é dado ao i pelo presidente Sindicato da Construção de Portugal, Albano Ribeiro e garante que “ao contrário da agricultura que tem centenas de trabalhadores nessa situação, o da construção tem milhares e é uma situação muito mais grave”.
Em causa estão, de acordo com Albano Ribeiro, trabalhadores que vêm da Índia, do Paquistão, do Brasil , entre outros. E não hesita: “Não há nenhum setor que tenha tanta falta de mão-de-obra como o nosso e a fileira da construção tem cerca de 450 mil trabalhadores, mas depois aparecem estas redes mafiosas a darem cabo do mercado”.
O responsável admite, no entanto, que a falta de inspetores tanto na Polícia Judiciária como na Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) levam a que esta atividade não seja alvo de investigação no terreno. “Penso que não há tantos inspetores para intervir nas obras. Na agricultura trabalham cerca de 60 mil, enquanto na construção são 450 mil. É um universo muito grande, onde quer a PJ, quer a ACT não têm meios para intervir e, por isso é natural, que fiscalizem a agricultura porque é mais fácil e tem menos trabalhadores”, acrescentando, no entanto, o que se assiste nesta atividade “é muito grave, porque sabemos que há muitos trabalhadores que entram no nosso país através destas redes clandestinas que são depois abandonados e se nada se fizer vão continuar a ser”.
Este alerta não é novo. Já no início do ano, Albano Ribeiro tinha justificado o número de mortes que ocorrem durante as obras e que poderiam ter sido evitadas se fossem respeitadas todas as regras de segurança. “Cerca de 70% das mortes que ocorreram em 2021 foi por negligência grosseira. Os trabalhadores não tinham os meios de proteção que deviam ter porque os patrões – e não estamos a falar dos empresários que respeitam as regras e pagam todos os valores a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente o subsídio de férias e de Natal – não têm uma cultura de segurança. Nas grandes obras, os acidentes quase não se fizeram sentir”, disse, na altura, ao nosso jornal.
O dirigente sindical volta novamente a chamar a atenção que a falta de mão-de-obra está a obrigar “muitas obras públicas e privadas a não avançarem” e a originar “situações de trabalho precário, clandestino e à criação de redes de angariadores”.
E foi mais longe: “Um trabalhador estrangeiro é contratado para receber 700 euros e só recebe 300 euros. O restante vai para os angariadores”, acrescentando que há cada vez mais denúncias desta situação a chegar ao sindicato e há casos em que os trabalhadores nem sequer recebem nada. “Chegou-nos um caso a dizer que assinou um contrato com um angariador em cima de um capô de um carro e nunca recebeu nada. Se não se fizer nada vamos entrar numa situação selvática”. No entanto, lembra que um angariador ou uma rede mafiosa traz trabalhadores e em dois dias estão em Portugal, mas se for através das entidades oficiais demoram meio ano a chegar ao nosso país.
Esta situação, de acordo com o presidente do sindicato, ganha novos contornos quando o país tem vindo a anunciar grandes obras públicas. “Para todas as obras que estão a ser anunciadas não há trabalhadores para fazerem o trabalho, seja hospitais, seja ferrovia, habitação social. Por exemplo, o primeiro-ministro anunciou 400 mil novas habitações mas quem é que as vai construir?”, questiona.
Face a este cenário, o Sindicato da Construção de Portugal voltou a pedir uma reunião à ministra do Trabalho para alertar para estas situações e para dar nota de que é preciso dar formação a quem vem de fora, dando, como exemplo, que só engenheiros saíram do país 16 mil. “É mais fácil encontrar uma agulha no palheiro do que um aprendiz, daí a existência desses angariadores. Por isso, voltámos a pedir uma audiência à ministra do Trabalho para alertar para estas situações, neste momento não há ninguém a formar trabalhadores. E à medida que os mais idosos vão-se reformando quem é que os substitui? São os escravos que vêm de fora, mas que não tem qualidade profissional para estarem a trabalhar”. E deixa uma garantia: “Se a ministra não responder rapidamente vamos pedir ao primeiro-ministro uma audição porque a falta de mão-de-obra qualificada é muito grave no setor”.