Em semana de votação final do Orçamento do Estado, António Costa tirou a gravata para pedir «nervos de aço» ao PS, num périplo por oito distritos, por ocasião dos congressos federativos do partido. Uma sucessão de casos e casinhos, que para a oposição demonstram o «desgaste» e a «descoordenação» do Governo e o risco de que a maioria vá pelo cano têm agitado os bastidores socialistas.
Ainda a demissão do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro fazia correr muita tinta nos jornais e já António Costa se via obrigado a gerir outra polémica: a acusação do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa de que o primeiro-ministro tinha feito pressão, em 2016, para não «tratar mal a filha do Presidente de um país amigo» no processo de saída da empresária angolana Isabel dos Santos do banco BIC.
Sendo diferente do caso que levou à demissão de Miguel Alves menos de dois meses depois de ter tomado posse, no caso Costa contra Costa o problema é o mesmo: causa mossa ao Governo e ao primeiro-ministro. A incapacidade da maioria socialista de marcar a agenda política tem deixado o partido e o próprio Executivo nervosos e tem deixado mais espaço aos ‘comentadores’ e ao PSD de Luís Montenegro.
Nesta altura, o ambiente é de frustração e faz com que o PS reclame por uma resposta musculada e blindada à coordenação do Governo, e precisamente à solução falhada que Costa tinha encontrado para suprir os erros de comunicação que vinham a acumular-se num Executivo que iniciou funções há meses.
Além das dúvidas no próprio partido quanto à capacidade de resistência de Costa, quando este vive num constante apagar de fogos e ainda falta todo um mandato pela frente, a agitação também se faz sentir ao nível das estruturas locais. Ao que o Nascer do SOL apurou, há um movimento no PS de líderes concelhios, agora recém-eleitos (no início de outubro), que contesta o facto de a direção nacional estar há vários anos a reter a totalidade das quotas pagas pelos militantes e não estar a cumprir com o regulamento de quotização do partido.
Segundo fontes ouvidas pelo Nascer do SOL, há casos em que estão em causa dezenas de milhares de euros que estão a ser retidos pela direção nacional.
O regulamento socialista prevê que os militantes paguem atualmente uma quota mínima de um euro por mês, ou seja, 12 euros por ano, sendo que esse montante «constitui receita da secção respetiva». Já a quota suplementar até um euro «constitui receita da sede nacional destinada à produção e distribuição do jornal Ação Socialista». Contudo, este movimento alega que até o Ação Socialista passou a ser digital, em formato newsletter, o que na perspetiva destes líderes concelhias deixa de justificar que este montante reverta a favor da sede nacional.
Acresce que os militantes depositam o valor das suas quotas numa conta gerida pela direção do partido, que as deve transferir para as federações e estas para as respetivas concelhias.
E a direcção nacional, ao reter a totalidade dos recursos, tem deixado as concelhias numa «asfixia financeira brutal», tanto que já se verificaram vários casos de encerramento e ameaças de despejo (por falta de pagamento) de sedes de secções pelo país fora, mas também em Lisboa.
«As concelhias estão todas a arder, com sedes a lidar com ameaças de despejo», denuncia um dirigente local socialista ao Nascer do SOL, que acrescenta que a contestação das estruturas base apoia-se noutro agravante: o PS nunca teve tanto dinheiro como hoje. «O partido apresenta receitas como já não apresentava há muito e são receitas do partido, não são da sede nacional», reforça.
O movimento tem vindo a reivindicar um encontro com o secretário-geral do PS, António Costa, ainda que a questão diga respeite sobretudo ao secretário-geral adjunto do partido, João Torres, e a Luís Patrão, responsável pela área financeira. No entanto, fontes socialistas alegam que João Torres, que gere polticamente o partido, por várias vezes se colocou de fora dos assuntos financeiros, passando a ‘batata quente’ ao secretário nacional de administração.
«O que circula nos corredores do Largo do Rato é que deixou de ser cumprido o regulamento de quotização e, desde há cinco ou seis anos, começou a funcionar o ‘regulamento Patrão’», atira outro dirigente local socialista.
O mal-estar nas bases adensa-se também pelo facto de, não tendo sequer dinheiro para manter as sedes, muito menos têm para a atividade política de rotina nos respetivos concelhos, algo que é especialmente imprescindível numa altura em que se começa a preparar o terreno para as autárquicas de 2025, já que são as concelhias que articulam e coordenam a atividade do partido ao nível municipal.
Confrontado pelo Nascer do SOL, Luís Patrão diz estar surpreendido com este tipo de denúncias por parte de líderes locais, uma vez que não chegou à direção nacional «nenhuma menção, nenhuma carta escrita, nenhum protesto verbalizado seja de quem for».
«Acredito perfeitamente que haja concelhias que queiram receber mais recursos do que os que recebem das distritais. Tivemos uma comissão política há quinze dias e ninguém levantou nenhum problema dessa natureza», garante.
Segundo o responsável pela área financeira do partido, no geral, não há contas bancárias nas mais de 300 concelhias do PS. «O dinheiro proveniente das quotas é transferido para contas que existem nos distritos. Ou seja, as federações é que recebem o dinheiro e depois o administram para a atividade política do partido no distrito», começa por explicar. Depois há critérios diferentes de distribuição pelas concelhias. «Há federações que entendem dividi-lo irmamente pelas concelhias de acordo com as quotas cobradas em cada sítio. Outras entendem conservar o dinheiro e depois irem financiando as atividades políticas de acordo com o interesse que reconhecem a cada uma delas. E nós entendemos que isso é uma questão de descentralização, de exercício de atividade descentralizada», justifica, atirando responsabilidades às federações.
A direção nacional do PS precisamente para evitar a concorrência entre as estruturas locais terá decidido não desenvolver qualquer iniciativa de recolha de fundos, como contribuições regulares, junto dos seus eleitos locais. «Deixamos essa capacidade de angariação precisamente às estruturas locais do partido. Esperamos que seja localmente, com os eleitos locais mas também com outras pessoas dos concelhos, que se angariem fundos que possam permitir ao partido desenvolver mais atividades do que aquelas que já desenvolve. Não é só o dinheiro das quotas que financia a atividade do PS.»
Apesar de negar que haja alguma atividade que não tenha sido feita por falta de fundos, reconhece que há casos de concelhias numa situação de aflição financeira. «Há situações que temos acompanhado e resolvido. Estamos a organizar um processo de racionalização do número de sedes. Temos mais de 300 e isso não é do nosso ponto de vista a melhor maneira de gastar as verbas disponíveis do partido. Nesse sentido, temos estado a fazer um esforço de reinstalação, de reaplicação e inclusive de renovação das sedes distritais», argumenta, apontando que a lógica dos anos 70 em que havia uma sede do PS em cada freguesia não pode permanecer.
Luís Patrão defende ainda que quem quer ter a sua sede «tem que arranjar recursos para a manter». «É uma questão de orgulho e de posicionamento local. Não podem estar à espera que sejam outras entidades a cobrir essas despesas. O partido dá o dinheiro às distritais e espera que elas próprias tenham condições de enfrentar as despesas locais», reitera.
Quanto às críticas relativamente ao excedente de receitas do partido, o dirigente socialista adianta que no relatório de contas apresentado em março, respeitante ao ano passado, verificou-se «um resultado líquido positivo, de mais de 300 mil euros». «Mas o partido ainda tem capitais próprios negativos de mais de 7 milhões de euros, portanto, ainda tem uma situação económica bastante difícil. Já conseguiu liquidar cerca de 40% da sua dívida, tendo reduzido todos os anos consistentemente a dívida. Mas ainda falta muito para chegar a um ponto de equilíbrio de contas. E não contamos com o dinheiro das quotas dos militantes para fazer face a essas despesas. Essa é uma receita do partido que é afeta à realização de transferências para as contas distritais do PS», volta a frisar.
O Nascer do SOL sabe que o assunto será debatido na reunião já marcada para a segunda semana de dezembro, entre a direção nacional e as direções das federações distritais.