Xi Jinping soube expandir o seu controlo sobre a sociedade chinesa com a sua tolerância zero à covid-19. Mas o regime não só enfrenta protestos massivos contra isso, desde o fim de semana, como não conseguiu criar uma rota de saída que não envolva surtos e perda de vidas. Dado que escaparam ao pior da pandemia com duros confinamentos, os níveis de imunidade natural da população ao vírus são baixos. Há dúvidas quanto à eficácia das vacinas chinesas face a novas variantes – Pequim recusou comprar vacinas produzidas em países ocidentais – e pouco mais de 40% dos idosos tomaram três doses.
Os protestos despoletados por um incêndio em Ürümqi, esta sexta-feira, no qual dez pessoas morreram, havendo acusações que foram impedidas de fugir pelo confinamento, deixa o regime de Xi encurralado. Por um lado, ver gente sair às ruas em mais de quinze cidades – desde Ürümqi a Xangai, Pequim, Chengu, Wuhan ou Cantão – deixou claro que há uma raiva notória entre a população, que não aguenta muito mais a “tolerância zero” à covid-19. Por outro lado, o regime não quer dar parte de fraco. O que poderia mostrar aos chineses que protestar funciona.
Aliás, o aparato de repressão chinês tem mostrado a habitual eficácia e mão dura, havendo relatos que vários dos manifestantes que participaram nos protestos deste fim de semana já foram identificados e contactados pelas autoridades.
“Todos estamos desesperadamente a tentar apagar o históricos das nossas conversas”, contou um manifestante de Pequim à Reuters, após um polícia lhe ligar a exigir que se apresentasse numa esquadra para entregar um registo por escrito de onde esteve no domingo. Terça-feira de manhã, já se viam agentes em praças da capital ou de Xangai onde os manifestantes tinham planeado reunir-se, em conversas privadas de Telegram, segundo a BBC. Enquanto outros polícias paravam pessoas na rua, exigindo ver os seus telemóveis para verificar se tinham instalado esta aplicação, proibida na China, Twitter ou um VPN, avançou a France Press.
No entanto, além do pau, o regime chinês também sabe oferecer uma cenoura, como diz o ditado popular. Prometendo tornar os confinamentos mais toleráveis e “controlar os impactos negativos para o sustento e a vida das pessoas”, garantiu Mi Feng, porta-voz da Comissão Nacional de Saúde, numa conferência de imprensa, admitindo que o Governo deve “responder e resolver exigências razoáveis das massas”.
Enquanto isso, Pequim garantia que não vai acabar com a “tolerância zero” de momento, mas anunciou que vai acelerar o programa para vacinação dos mais idosos. Identificando-os e convocando-os através dos seus dados da segurança social, explicou o South China Morning Post.
Sem saída à vista Concretizar isso será mais complicado. As políticas draconianas da China perante a covid-19 inicialmente contaram com um certo apoio popular, de gente disposta a que uma minoria azarada fosse trancada nas suas casas ou escritórios para que o resto da gigantesca China pudesse viver a sua vida como costume. Contudo, face a variantes muito mais contagiosas, os confinamentos deixaram de ser uma exceção, passaram a ser regra. Já não era uma minoria que sofria.
É algo que se nota particularmente agora, com os números de novos casos diários chineses a bater recordes, por mais duras que sejam as medidas. O problema é que quanto mais os chineses sofrem com o confinamento, talvez mais duro seja aceitarem calmante as perdas causadas pela reabertura.
“A única coisa a fazer é aceitar que haverá um certo nível de doença”, apontou Julian Tang, virologista da Universidade de Leicester, em declarações à Associated Press. “Não há nenhum final de jogo para o covid zero”.