De adiamento em adiamento até à votação final, a despenalização da morte medicamente assistida obteve luz verde do Parlamento nesta sexta-feira e segue agora, novamente, para Belém. Esta é a terceira vez que a legalização da eutanásia é aprovada pela maioria dos deputados da Assembleia da República, que esperam que , agora, não seja travada pelo Presidente da República.
Após uma semana atribulada, com o PSD a tentar adiar a votação com uma proposta de referendo, o Chega a pedir que essa pretensão fosse rejeitada e o presidente da Assembleia da República a dar razão ao partido de André Ventura, o diploma acabou mesmo a ser votado nesta última sessão plenária, mas não sem alguns percalços pelo caminho. E isto já depois de, na semana passada, a comissão de Assuntos Constitucionais ter decidido adiar a votação na especialidade depois de o PS ter feito uma alteração de última hora ao texto final.
Antes de ter lugar a votação desta sexta-feira, Chega e PSD ainda tentaram novo adiamento. André Ventura apresentou um recurso, alegando que o guião das votações não chegou às mãos da bancada até às 18 horas de quarta-feira, o timing previsto pelo regimento. Do lado dos sociais-democratas, Joaquim Pinto Moreira defendeu que o texto final não deveria ser votado antes de o recurso da decisão do presidente do Parlamento sobre a proposta de referendo ser apreciado em plenário, o que só acontecerá na próxima semana. Contudo, os deputados rejeitaram os pedidos de ambos os partidos e a eutanásia acabou aprovada por 122 votos a favor (do PS, IL, BE, PAN, Livre e seis deputados do PSD), 84 contra (Chega, PCP, 61 deputados do PSD e seis do PS) e quatro abstenções (três do PSD e uma do PS).
O diploma ainda terá acertos de redação final, o que deverá acontecer na próxima semana, e depois seguirá para a apreciação de Marcelo Rebelo de Sousa, que o pode promulgar, vetar ou pedir a fiscalização preventiva do texto ao Tribunal Constitucional.
Horas antes da aprovação da legalização da eutanásia, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho apelou aos partidos que são contra a despenalização desta prática que se comprometam a reverter a lei no futuro, caso venham a ter maioria no Parlamento. O pedido é agora reforçado pelo antigo líder do CDS-PP Manuel Monteiro que ao Nascer do SOL diz que «apesar da batalha que foi travada, nada está perdido». «Muitas batalhas poderão ocorrer no futuro sobre esta matéria, não apenas aquelas de que muito bem fala Pedro Passos Coelho no artigo que foi divulgado. Mesmo que a lei venha a ser promulgada, nada impedirá que outros momentos de batalha se concretizem, nomeadamente a possibilidade de requerer a fiscalização sucessiva e abstrata da constitucionalidade deste diploma», aponta.
Para Manuel Monteiro, só perde quem baixa os braços e, nesta matéria, obviamente aqueles que não concordam com aquilo que foi decidido não poderão baixar os braços. O ex-dirigente do CDS-PP acredita que se vive «um dia negro» na democracia portuguesa porque «assistimos à vitória do liberatarismo contra a liberdade». «Os defensores de uma perspetiva libertária da sociedade triunfaram perante os defensores de uma ideia de liberdade comum que é orientada por valores que em momento algum podem ser postos em causa», sustenta, mostrando-se convicto de que nunca se percebeu tanto a falta do CDS no Parlamento como agora.
«A força de um combate político por convicções nunca é substituível por aqueles que combatem apenas pelo taticismo das opções. Estou convicto de que se o CDS estivesse no Parlamento esta votação, independentemente de acontecer, conduziria objetivamente a um referendo tal qual aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez. Foi a determinação do CDS, que depois foi acompanhada pelo PSD e apoiada pelo então primeiro-ministro António Guterres, que conduziu a que os portugueses se pudessem pronunciar sobre uma matéria desta natureza», acrescenta.
Apontando culpas «à deriva libertária que hoje domina o PS» por esta decisão, também responsabiliza o principal partido da oposição pela condução do processo. «O PSD partiu claramente tarde para esta questão, não fez o suficiente e distraiu-se pelo caminho», critica, argumentando que do mesmo modo que Luís Montenegro na sua tomada de posse fez questão de referir que não haveria regionalização com o PSD porque essa questão não estava em cima da mesa para o seu partido, «poderia ter aproveitado esse mesmo momento para marcar uma clara diferença nesta matéria».
«Isto significa que, do ponto de vista político, o PSD e o sistema democrático necessitam do CDS na Assembleia da República, porque isso ajuda o próprio PSD. O PSD sempre que sentia capacidade de intervenção do CDS no Parlamento, tinha outro tipo de atitudes. Portanto, esta é a razão que me leva convictamente a dizer que o CDS no Parlamento teria obrigatoriamente contribuído para que o PSD tivesse tido outra atitude», continua.
Sobre o facto de a promulgação do diploma estar agora nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, mostra-se confiante de que o Presidente da República «não irá desiludir os portugueses que maioritariamente votaram nele e não deixará que a força das circunstâncias aprisione a força das convicções que possui».