As mulheres continuam a dominar no Ensino Superior, tanto entre os diplomados como nos doutoramentos. Em 2021, segundo a última atualização dos dados da Pordata, do universo de 93 329 diplomados, quase 55 mil eram mulheres, contra cerca de 38 mil homens. Há mais de 30 anos que esta é a tendência em Portugal.
Contudo, apesar de haver mais mulheres com o título de doutoradas (eram 1 059 em 2021, contra 1 021 homens doutorados), os homens continuam a ocupar o maior número de lugares na docência no Ensino Superior. Os professores do sexo masculino são mais de 20 mil, enquanto as mulheres não chegam sequer às 18 mil. E nos cargos de liderança das Instituições de Ensino Superior (IES) o desequilíbrio é ainda maior.
Segundo dados referentes ao primeiro semestre deste ano, entre os 36 presidentes ou reitores das universidades e politécnicos portugueses, apenas oito são mulheres (Universidade dos Açores, Universidade de Évora, Universidade Aberta, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Instituto Politécnico de Beja, Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Instituto Politécnico de Setúbal, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra). Números que se refletem também nos conselhos de gestão das IES, onde os homens representam 65%.
Esta discrepância nos cargos de topo levou recentemente a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a admitir que a introdução de mecanismos e instrumentos como as quotas de género pode ser uma solução para ajudar a mudar a situação. À margem do 6.º Simpósio Internacional da Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas (AMONET), realizado na Universidade de Évora na semana passada, Elvira Fortunato assinalou que “na área da Ciência e Ensino Superior e até mesmo na das empresas, nota-se que as mulheres, muito embora existam mais nas bases, não conseguem chegar a posições de chefias”, destacando que existem “menos reitoras, menos chefes de laboratórios e menos professoras catedráticas”.
“Portugal é dos países que mais tem progredido nesta matéria. Contudo, estamos a romper as bases, as qualificações, não estamos ainda a romper as lideranças ou, pelo menos, não tanto quanto gostaríamos. E tudo o que a ministra referiu é um grande apoio a novas propostas para se avançar em igualdade, com as quais obviamente só posso concordar. Como disse a ministra, se não fizermos nada demoraremos mais 100 anos e em alguns casos até 300 anos, como apontam as projeções da ONU, para se conquistar a paridade de género, se entretanto não houver novos retrocessos que há sempre em tempos de crise”, corrobora Elza Pais em declarações ao i.
A presidente das Mulheres Socialistas (MS) acredita que o caminho para a paridade de género nas IES passa por dois patamares de intervenção. Por um lado, através de legislação, por outro, a adoção de uma cultura académica mais permeável à igualdade e ao não desperdício. “Se há alguém que sabe bem o que é o desperdício são as academias e as mulheres altamente qualificadas que estão lá. As suas competências são desperdiçadas”, refere.
As quotas de género já existem em algumas situações no Ensino Superior. O regime de representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública, que entrou em vigor em março de 2019, é aplicável ao pessoal dirigente da administração direta e indireta do Estado, incluindo os órgãos de governo e de gestão das instituições de ensino superior públicas. Essa lei obriga a um limiar mínimo de representação de equilíbrio com uma proporção de 40% de pessoas de cada sexo nesses órgãos. Depois, os dois primeiros candidatos não podem ser do mesmo sexo e não pode haver mais de dois candidatos do mesmo sexo seguidos. No entanto, este regime só se aplica aos órgãos colegiais eletivos. Se for uma pessoa, por exemplo um reitor, não se aplica.
É precisamente nestes casos que a introdução de quotas de género pode ajudar a equilibrar a balança, defende a líder das MS: “Há um sistema de desigualdade de oportunidades para as mulheres chegarem às lideranças de topo. As mulheres são capazes, não estão lá por causa dos estereótipos, da cultura, dos preconceitos que as impedem de chegar lá. Isso prejudica as mulheres. A quota é um instrumento jurídico que visa justamente ajudar a ultrapassar o bloqueio que se coloca à igualdade de oportunidades às mulheres”.
Doutorada em Sociologia, a ex-secretária de Estado da Igualdade e antiga presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) acredita que a introdução das quotas de género e a lei da paridade foram “indiscutivelmente” avanços importantes para a representação das mulheres em Portugal. “Por exemplo, no Parlamento temos um equilíbrio de género de 40%. E se não fosse isso não teríamos”.
Quanto aos entraves que ainda existem diz que tem sobretudo a ver com culturas instaladas e lideranças instituídas. “Na lógica do recrutamento de novos crânios, há todo um território que é mais facilitado para o recrutamento das lideranças no masculino do que no feminino, uma vez que há mais homens junto dos lobbies de poder”, aponta Elza Pais.
Reiterando que não é por falta de qualificações que as mulheres não alcançam os lugares de topo, porque representam a maioria dos diplomados e doutorados, refere ainda que outra das razões que contribui para que os cargos de chefia continuem a ser maioritariamente ocupados por homens tem que ver com os preconceitos e estereótipos da cultura do poder do género masculino. “Quem faz o recrutamento pensa logo que uma mulher vai ter filhos, vai fazer conciliações e tem menos disponibilidade. Não são raras as entrevistas a mulheres em que lhes perguntam se pensam ter filhos. Isto é violar a lei, ninguém pode fazer uma pergunta dessas, mas não é por isso que o deixam de fazer. Numa sociedade justa e democrática, ter filhos é uma mais-valia e não nos deveriam tratar como se isso fosse um prejuízo para as nossas vidas”, defende Elza Pais.
As Mulheres Socialistas vão pedir em janeiro uma reunião com a ministra Elvira Fortunato sobre esta e outras matérias, nomeadamente as questões do assédio no Ensino Superior.