Ana Jacinto. “Vamos ter um ano de 2023 difícil, muito desafiante, com muitas incertezas”

A secretária-geral da AHRESP lembra que, “tradicionalmente, janeiro e fevereiro são sempre meses muito maus para o setor”, mas poderá ainda ser pior com o aumento do custo de vida.

O setor ainda estava a recuperar da pandemia quando se confronta com uma guerra e agora com inundações…

Como bem sabemos, e todos os dias temos provas disso, as nossas empresas são muito resilientes, mas têm sofrido e passado por grandes sacrifícios. Chega a um momento em que a corda parte. Precisamos que haja um olhar muito atento para este tecido empresarial e finalmente está a ser reconhecido o que a AHRESP tem vindo a dizer há muito tempo: as empresas da restauração, do alojamento e as restantes empresas da atividade turística são o motor da nossa economia, e já ouvimos o poder político a salientar e a dar ênfase a este motor. No entanto, temos de conseguir aguentar estas empresas para que sejam rentáveis e produzam riqueza para poderem fazer face a todas as suas obrigações, o que está a ser muito difícil. Não bastava a guerra, a inflação – embora em novembro tenha descido ligeiramente, mas há rubricas importantes para estes setores, como é o caso dos produtos alimentares e da energia, que estão em níveis altíssimos e não dão sinais de abrandamento – e a juntar a isto temos agora a questão das intempéries que afetou a Grande Lisboa, mas não só. Há outras zonas do território igualmente afetadas. Tem sido tudo muito difícil e temos sinalizado constantemente junto do Governo a necessidade de apoiar estas empresas.

Em setembro já estavam a pedir medidas urgentes para o setor. Agora ainda é mais urgente?

Sim, a AHRESP vai monitorizando os setores que representa e no final de setembro, principio de outubro, estávamos a fazer um novo inquérito antevendo que iríamos ter meses complicados. Tivemos meses de verão muito simpáticos, tivemos crescimentos e crescimentos ao nível dos proveitos – o que é positivo porque significa que, não tendo ainda atingido o número de dormidas e de hóspedes, já superámos o nível de proveitos – mas o que restou nas empresas é muito pouco, porque com a inflação, com a crise energética, com o aumento das taxas de juro e com impossibilidade de não conseguirem repercutir estes aumentos no preço final ao consumidor fica tudo mais difícil. Recordo que relativamente à inflação global, em outubro tínhamos uma inflação de dois dígitos como já não tínhamos há 30 anos, em que estava nos 10,2% e agora está em 9,9%, a rubrica dos produtos energéticos em outubro estava em 27,6%, depois desceu para 24,8%. Já os produtos alimentares não transformados estavam em 18,9% em outubro e agora baixou ligeiramente para 18,4%, mas se olharmos para a rubrica dos restaurantes, cafés e similares em setembro estávamos com uma variação homóloga de 8,7%, o que significa que estamos longe de acompanhar o peso que estamos a ter nos custos e não conseguimos fazer este aumento de forma proporcional para o consumidor, que também tem um poder de compra cada vez mais diminuído. Portanto, estamos a incorporar isto tudo, sem as empresas conseguirem aumentar os preços. Aumentaram, têm vindo a aumentar, mas não na mesma proporção, com tesourarias completamente estranguladas porque tivemos dois anos de pandemia e os meses de verão não foram suficientes.

Não foi possível recuperar em três meses os dois anos perdidos…

Sem dúvida. E já no final de setembro, principio de outubro estes indicadores vieram ao de cima. O que os nossos empresários já nos estavam a dizer, na altura, é que estavam a sentir consideravelmente os aumentos dos custos, a sentir a escassez de alguns produtos, o que os levou a que fossem à procura de outros produtos e muitos desses produtos alternativos eram mais caros e, por isso, sentiram logo retração a seguir aos meses de verão. E com base nestes dados que recolhemos fizemos um documento com um conjunto de medidas que finalizámos antes do fecho do Orçamento do Estado com a perspetiva de poderem vir a ser acolhidas.

Medidas que não foram contempladas…

Algumas acabaram por ser acolhidas, quer no Orçamento, quer no acordo de rendimentos, mas são muito insuficientes face ao cenário e à conjuntura que estas empresas estão a viver, agravado com uma questão que não podemos deixar de sinalizar, que é o acordo de rendimentos, que obriga a um esforço enorme por parte das empresas para fazer atualizações salariais. Tudo tudo isto traça um cenário muito difícil para estas empresas que têm sido muito capazes de ultrapassar todas estas dificuldades que não param de surgir. Mas há um momento em que não é possível continuar se não houver sinais, medidas e soluções muito concretas. Uma das medidas que propusemos e era vital para o setor era a descida do IVA dos serviços de alimentação e bebidas mas, mais uma vez, não conseguimos que o Governo colocasse esta medida no Orçamento. Foram vários os países europeus que durante a pandemia o fizeram com resultados concretos. Houve países que até estenderam a medida. Nós entendemos, mais uma vez, que não era oportuno. Continuamos a dizer que era mais do que oportuno, porque permitia dar tesouraria às empresas e é aquilo que as empresas não têm. Há procura, mas isto não significa que haja crescimento. Há procura, mas a rentabilidade que fica nas empresas é muito pouca. E depois vamos fazer este esforço tremendo ao nível salarial, que na AHRESP nunca contestámos e temos dito sempre que é importante valorizar as nossas profissões e estas não se valorizam apenas com a questão salarial, mas é um ponto importante. Queremos que as nossas pessoas, porque é uma atividade que vive de pessoas para pessoas, sejam bem pagas e bem remuneradas. Julgo que não há nenhuma empresa que não o queira. Agora, temos de ter essa capacidade financeira para acompanhar este esforço. E o acordo de rendimentos supostamente deveria ser equilibrado nesse esforço. É evidente que o acordo teria de ser assinado e foi assinado pelas nossas confederações, já que somos filiados em três das confederações que o subscreveram. Também não podemos deixar de dizer que é importante, até porque privilegia o diálogo social, que é uma coisa que a AHRESP tem sempre em cima da mesa e preconiza, agora era preciso ir um bocadinho mais longe, uma vez que vai ser um esforço muito grande, especificamente no momento em que nos encontramos. Não podemos dissociar estes aumentos salariais face à conjuntura em que estamos. A guerra ainda não acabou. A inflação continua, embora esteja a reduzir ligeiramente, a ser gravíssima. As taxas de juro aumentaram e agora, se tudo isto já não bastasse, ainda temos o mau tempo.

Já solicitaram reuniões junto das autarquias mais afetadas…

Já fizemos os pedidos de audiências, no sentido de encontrarmos soluções e de não termos de esperar muito tempo, embora o Governo tenha dito que é preciso, obviamente, primeiro avaliar e quantificar. No entanto, é preciso que tudo isto seja feito de uma forma muito rápida, porque, como sabemos, os apoios e as medidas reparadoras demoram sempre muito tempo a chegar às empresas. Estamos numa época crítica porque as empresas estavam com os seus stocks no máximo por culpa das festas, o Natal e a passagem de ano são sempre momentos importantes para o setor. Havia empresas com reservas que sofreram danos consideráveis e lastimáveis. Também fizemos um inquérito que está a decorrer junto das nossas empresas para perceber e para ajudar depois a quantificar estes estragos para que rapidamente e de uma forma simples, descomplicada, possam ser ajudadas, pois estamos a falar de um mês que é sempre um balão de oxigénio e bem que precisavam. As empresas precisam de estar a funcionar e não podem estar fechadas, sem matérias-primas para poderem fazer os serviços que estavam comprometidos.

Há câmaras que já avançaram com apoios, por exemplo, a Câmara de Oeiras anunciou 1,5 milhões. A autarquia de Lisboa fala em três milhões. São verbas suficientes?

Neste momento ainda não temos a quantificação de todos os prejuízos. A questão é que isto é mais um problema em cima de todos os outros. É evidente que as intempéries não afetaram todos os estabelecimentos mas é mais um problema, principalmente porque temos vindo a dizer que vamos ter um ano de 2023 difícil, muito desafiante, com muitas incertezas. O que desejaríamos, e para isso é que estamos a trabalhar, é que o Governo fosse proativo e não reativo. Que olhe para este setor, perceba o que se está a passar, porque se quisermos que continue a ser o principal responsável pela nossa economia, a puxar pela economia e pelo país, temos de lhe dar condições. Temos de criar um ambiente favorável. Por isso fizemos 25 propostas, algumas delas aceites, mas poucas, e além da questão do IVA há outra medida muito importante que é aliviar a carga fiscal, especialmente no que diz respeito aos custos laborais. Esta é uma questão que tem de ser avaliada, porque este esforço que as empresas vão fazer no princípio do ano, com esta conjuntura adversa, com estas incertezas todas e ainda ter de suportar um aumento considerável nos custos laborais é insustentável, especialmente no que diz respeito às microempresas. E o tecido empresarial que estamos a falar é composto por microempresas que já estão no limite da sua capacidade de resiliência, que é uma palavra muito usada agora, mas há limites para tudo. Se não tivermos medidas robusta, se não tivermos um Governo pró-ativo, que antecipe, vai ser muito difícil. E o princípio do ano vai ser ainda mais difícil, porque tradicionalmente janeiro e fevereiro são sempre meses muito maus para o setor e este ano antevemos que ainda seja pior, porque as famílias estão a perder poder de compra, estão com encargos adicionais porque também vão ao supermercado e levam com a inflação alimentar, com a inflação dos custos energéticos e com o aumento das taxas de juro. Tudo isto faz com que as famílias tenham cada vez menos dinheiro e vai afetar o princípio do ano. Gostava que assim não fosse, mas tememos que sejam meses muito difíceis. E tal como o primeiro-ministro avançou na quarta-feira com um valor adicional às famílias, devíamos estar a olhar para as empresas porque também têm muitas famílias a seu cargo. É isso que temos vindo a sinalizar e continuaremos a fazer o nosso trabalho de forma persistente, porque estamos ainda muito inebriados com a questão do crescimento da procura e de continuarmos a ter o turismo da moda . É claro que isso é muito importante, mas também é preciso olhar ao que permite às empresas crescerem. Precisamos que as empresas cresçam porque precisamos de produzir riqueza. Do nosso ponto de vista temos muitos desafios, muitos encargos, um ambiente muito difícil, com muitos constrangimentos.

Estamos perante um cenário desolador ou pouco otimista?

Não quero ser pessimista e obviamente não devemos desvalorizar o que já referi e é importante é que o setor, especialmente nos últimos meses de verão, cresceu em número de proveitos, quase atingimos os valores pré-pandemia, no que diz respeito ao número de hóspedes, dormidas. Acredito que agora nas festas, a maior parte dos hotéis e a restauração estão com procura, estão com bons níveis de ocupação e se nada acontecer mais, porque estas intempéries também vieram dificultar a vida, se estas reservas que estão previstas se concretizarem, é bom. Agora o princípio do ano vai ser muito difícil e não estamos a ver medidas concretas que possam mitigar todos estes efeitos. Não querendo ser catastrófica, temos algum receio. O nosso inquérito já falava em empresas que não iam conseguir aguentar, que iriam encerrar portas com os consequentes despedimentos e face a isso deveríamos ter um cuidado redobrado.

O Governo anunciou esta semana apoios de 500 milhões para mitigar os preços da energia e do gás…

É tudo muito insuficiente face ao peso que estes aumentos têm nas nossas empresas. Na semana passada, o secretário de Estado que foi recentemente empossado anunciou no congresso da APAVT medidas para o turismo, numa dotação de cerca de cem milhões de euros, divididos entre duas medidas: 30 milhões e 70 milhões. Os 70 milhões estão relacionados com a medida Apoiar, uma das medidas que a AHRESP sinalizou como necessária e a outra medida representa endividamento. É evidente que tudo quanto seja para apoiar o turismo é bem-vindo, agora é preciso ter noção do que estamos a falar. O programa Apoiar destina-se apenas às empresas que recorreram às medidas do Apoiar anteriores – Apoiar Restauração e Apoiar Mais Simples – as que não recorreram não vão poder recorrer agora. Quanto à medida dos 30 milhões, estamos a falar de endividamento e endividamento as empresas já têm muito, não precisam de mais. Se é positivo? É evidente que é positivo. É melhor do que não haver. Agora não são estas medidas que são suficientes para aquilo que vamos enfrentar em 2023, porque o impacto vai ser grande. Já está a ser grande, mas vai ter um impacto ainda maior, porque nos primeiros meses do ano sabemos que a procura vai ser muito diminuída, como aliás tem sido sempre todos os anos. Só que, nos anos anteriores, tínhamos alguma robustez ao nível das nossas tesourarias que nos permitia acomodar esses meses de pouca procura. Neste momento não temos porque viemos de dois anos de pandemia, as empresas não se restabeleceram e mesmo com um verão positivo confrontam-se com todos estes aumentos de custos.

O início do ano será ainda marcado pela subida do salário mínimo nacional…

O acordo de rendimentos e o aumento do salário mínimo vai mexer em vários níveis das nossas tabelas salariais. Não é só aumentar a base, temos de aumentar todos os salários proporcionalmente, caso contrário os níveis ficam todos colados. Até porque temos cada vez menos pessoas a receber o salário mínimo, porque não há pessoas para trabalhar. Ainda na quarta-feira tivemos uma reunião de direção, em que todos os nossos vice-presidentes disseram exatamente a mesma coisa: não é possível contratar com salários mínimos, nem é desejável, porque o que queremos é que as pessoas e os talentos se retenham nas empresas, agora isso tem um aumento em cadeia. As empresas querem pagar mais e melhor aos seus colaboradores, precisamos das profissões valorizadas, porque o setor tem um problema de falta de trabalhadores.

Afeta todas as atividades…

É transversal e é um problema grave. Já vinha antes da pandemia, não só não se resolveu na pandemia como se agravou porque muitos foram trabalhar para outros setores, já que estivemos parados muito tempo e procuraram outra estabilidade. Agora não querem voltar. Também temos um problema de contratação de mão-de-obra estrangeira. Apesar de termos feito alguma evolução legislativa, ainda não há resultados concretos, logo precisamos de pagar melhor. Não contestamos isso, nem estamos contra este esforço que deve ser feito, mas para que as empresas tenham essa capacidade temos de ter condições. Por exemplo, uma empresa que paga cerca de mil euros a um trabalhador, ele só leva para casa, em média, cerca de 700 euros, mas para a empresa representa um custo de 1.200 euros. O diferencial entre os 700 e os 1.200 são encargos fiscais com as questões laborais e é isso que é preciso diminuir.

Estamos a falar de uma diferença de 500 euros, quando se diz que é preciso aumentar os salários…

É verdade que o acordo de rendimentos criou algumas medidas, designadamente a majoração em 50% dos custos com a valorização salarial, que é importante, criou incentivos ao regresso ao mercado de trabalho direcionado a desempregados de longa duração e que foi uma medida proposta pela ARESP. Não estou a desvalorizar algumas das medidas que foram criadas para tentar compensar este esforço salarial. Mas volto a dizer que o esforço é tão grande que estas medidas acabam por ser completamente insuficientes face ao esforço das empresas. O Governo anunciou estas medidas para o turismo, quer ao nível do programa Apoiar, quer ao nível de uma outra medida que é uma espécie de endividamento bonificado, com um período de reembolso de seis anos e com alguns benefícios, já que não tem juros associados, mas a verdade é que se trata de endividamento e é dinheiro que tem de ser pago. Não estamos a falar de apoio a fundo perdido ou que uma parte possa ser reconvertida a fundo perdido. E quando chegar a altura tem de ser pago e não é disso que precisamos. Precisamos de criar tesouraria de uma forma direta e ágil e por isso insisto na medida da descida do IVA, que é algo que não está bem explicado. Contratámos uma consultora independente para que nos dissesse qual era o impacto que esta medida teria no Orçamento e ficámos a saber que teria um impacto muito reduzido face aos benefícios que trazia. O impacto seria de cerca de 90 milhões e só para a medida do IVAvoucher foi colocada uma dotação de 200 milhões, que nem sequer foi gasta totalmente. Isto foi uma opção política, tem sido uma opção política, não tem a ver com o custo da medida. Foi uma medida que não foi acolhida e traria efeitos imediatos, rápidos e de uma forma generalizada. Normalmente quando falamos de apoios acabamos por excluir um conjunto generalizado de empresas que, por este motivo ou por aquele motivo, não se encaixam nas questões da elegibilidade e depois o efeito acaba por ser muito diminuto.

Falou da falta de mão-de-obra. Chegou a ser apontado que seriam necessários 40 mil trabalhadores. Este número ainda está atualizado?

Julgo que não melhorámos. Antes da pandemia falávamos numa necessidade de 40 mil, mas com a pandemia esse número agravou-se. O próprio Governo falou na necessidade de cerca de 50 mil postos de trabalho e não foi resolvido. Não foi feito nada para resolver este problema. É evidente que, numa época de menor procura, o problema não se adensa tanto, porque estamos numa fase tradicionalmente de época baixa. Mas no que diz respeito a esta fase específica das festas voltámos a ter empresas a dizer que têm dificuldade em reforçar as suas equipas porque há uma maior procura. E quando chegarmos ao próximo verão vamos outra vez ter o problema em cima da mesa. Fizemos várias propostas, pois temos feito reflexões variadíssimas sobre o tema e temos dito sistematicamente de que é preciso fazer uma campanha séria de valorização das nossas profissões. Sabemos que o Governo tem estado a trabalhar nesta medida. Vamos ver se rapidamente se concretiza. Também precisamos de agilizar as alterações que foram recentemente feitas para a entrada de trabalhadores estrangeiros. A legislação foi alterada, no entanto, é preciso que essa agilização depois se traduza nos serviços competentes e até agora não temos resultados nenhuns. Há uma série de questões que devem ser tratadas para que o panorama possa ser alterado e para que possamos preencher as vagas que precisamos.

Na última entrevista admitiu que seria necessário alterar, por exemplo, os horários de trabalho para evitar horários repartidos e que seria uma forma de atrair trabalhadores. Já se sentem essas mudanças?

As empresas, como são microempresas, têm grandes dificuldades. Depois há a questão da capacitação das lideranças e tudo isso dificulta essas mudanças, mas a verdade é que um dos fatores críticos destas atividades não passa tanto pela questão retributiva, mas pela dificuldade e dureza do setor. Temos um setor que trabalha quando todos os outros estão em lazer. É um setor que trabalha sábados, domingos e feriados. E o perfil do trabalhador de hoje mudou e mudou drasticamente depois da pandemia. Temos hoje um perfil de trabalhador que dá muita relevância à conciliação da vida profissional com a vida familiar ou com o lazer ou com os hobbies. Não prescinde deste seu tempo e é cada vez mais difícil encontrar pessoas que estejam disponíveis para trabalhar aos sábados, domingos, feriados, à noite, quando os amigos todos estão na praia ou a fazer aquilo que entendem ou de férias. Esta questão só pode ser resolvida se tivermos empresas, associações de empregadores, associações dos trabalhadores, trabalhadores e Estado a trabalhar em conjunto porque precisamos de melhorar a organização do trabalho e para melhorarmos essa organização de trabalho, as empresas não o podem fazer sozinhas. Temos de encontrar instrumentos e ferramentas ao nível da contratação coletiva, em diálogo com os sindicatos, com os trabalhadores, com o Estado para podermos melhorar essa organização, porque de outra forma vamos ter cada vez mais dificuldades. Claro que as empresas com mais músculo e com mais capacidade já estão a fazer algum trabalho, não diria tanto na organização do tempo de trabalho, mas criando instrumentos para fidelizar o trabalhador à empresa, com benefícios que não tem a ver com a remuneração, mas que o trabalhador valoriza até, muitas vezes, mais do que a própria retribuição. Estou a falar, por exemplo, de empresas que têm procurado aos trabalhadores estrangeiros dar um mês de férias inteiro para que possam ir ao país de origem. Isto parece um detalhe, mas para um trabalhador estrangeiro que está num país que não é o seu para poder ir reencontrar a família, ir ao seu país de origem não pode ter férias repartidas. Tem de ter um mês de férias que lhe permita poder fazer isto. E isto é relevante para este trabalhador. Há empresas que estão a pagar Netflix aos colaboradores, há outras que estão a pagar o ginásio. Acaba por ser retribuição, mas para o trabalhador é valorizado de outra forma. É o tal salário emocional que aproxima o trabalhador da empresa que também precisamos. Precisamos de engajar cada vez mais os trabalhadores à empresa, precisamos que o colaborador se reveja na missão da empresa e que faça sentido estar naquela empresa, porque tem a ver com ele, tem a ver com os princípios que também preconiza. Tudo isto tem muito mais a ver com a parte emocional, não tanto com a parte do salário normal, mas que o trabalhador valoriza cada vez. E já há algumas empresas, onde as lideranças estão mais capacitadas, onde há uma estrutura menos familiar, em que estas coisas já vão acontecendo. Mas isto é um processo que demora o seu tempo. Até porque isto implica que as lideranças, os gestores, os empresários tenham essa capacitação para olhar para estas coisas e para todas estas alterações que ocorreram na sociedade. Umas por via da pandemia, outras porque naturalmente para lá caminharíamos e foram aceleradas. A verdade é que hoje em dia precisamos de olhar para esta relação empresa trabalhadora de uma forma diferente, porque hoje o trabalhador quer outras coisas que não queria há dez ou há 15 anos.

Valorizam outras questões…

Exato, mas é um trabalho que só se consegue se tivermos todos de mãos dadas: empresas, trabalhadoras e Estado. Precisamos de repartir as responsabilidades para encontrar soluções em conjunto, porque se só está uma das partes estiver a olhar para estes fenómenos, a trabalhar para corrigir e para melhorar não vai conseguir fazer nada. Como tudo na vida, o trabalho em equipa é fundamental e cada vez mais é importante dividir responsabilidades, dividir tarefas. E nem estou a falar de outras questões que impactam com tudo isto que é a nossa questão demográfica, em que temos menos pessoas disponíveis para trabalhar. Temos uma população envelhecida, que não está disponível para trabalhar, porque já não está no ativo.

Tudo isso agrava…

Exatamente. O problema não se resolve apenas com uma solução, mas temos de ir dando pequenos passos porque se não os dermos vamos ficando para trás. E as profissões associadas à indústria da felicidade – como todos dizem – não deviam estar a assistir a esta dificuldade. Devíamos ter muita gente a querer vir para esta indústria, porque não há uma outra indústria igual.

Mas que continua a ser muito pouco atrativa…

Exatamente.

Ainda não está na moda…

Temos profissões que estão na moda e temos de fazer com que todas as outras consigam também estar na moda. Isso é um processo complexo e, do nosso ponto de vista, a campanha de valorização é um grande passo, mas não é o único. Tudo isto de que tenho vindo a falar é importante: melhor organização dos tempos de trabalho, melhores salários, melhor comprometimento do trabalhador com a empresa, porque não conseguimos reter talentos. É um setor que continua a ser muito rotativo. Isto tem custos enormíssimos para as empresas e é algo que todas as partes devem encarar como um objetivo que deve ser trilhado, mas com todos em conjunto. Nem sempre vai ser fácil encontrar consensos, mas naquilo que é possível encontrar consensos temos de tentar melhorar. A AHRESP também está a fazer o seu trabalho de casa. Fizemos as denúncias dos nossos contratos coletivos com os sindicatos afetos às duas estruturas sindicais, CGTP e UGT e estamos neste momento em negociação relativamente ao contrato das cantinas, mas vamos iniciar a negociação para o contrato da restauração e do alojamento. Estamos a fazer esse esforço de cumprir com o acordo de rendimentos, fazendo esta valorização salarial e ajudar as empresas a que consigam fazer essa valorização salarial. Não basta dizer que é por decreto. Temos de permitir às empresas que o consigam fazer. Estamos ao nível da organização e dos tempos de trabalho a criar alguns mecanismos de compensação por mérito. Tudo isto está a ser negociado pela AHRESP com os sindicatos. Estamos a fazer o nosso trabalho, mas não podemos fazer sozinhos. Precisamos da ajuda dos sindicatos para que também percebam que o seu associado mudou. Às vezes há esta dificuldade de perceberem que o trabalhador tem hoje um perfil totalmente diferente. É preciso que nos ajudem a criar condições para que essa atividade seja mais atrativa e que tenha mais trabalhadores do que aquilo que tem tido. E a situação, se nada se fizer, só vai agravar.

Disse no início que esta altura do ano tem registo grande procura. O aumento do custo de vida não prejudicou?

No inquérito que fizemos no final de setembro, princípio de outubro, as empresas davam nota de uma retração face aos meses anteriores, isto é, ao pico do verão. No início de outubro, a maioria das empresas estava a sentir uma retração na ordem dos 20%, quer no alojamento, quer na restauração. Contudo, relativamente às reservas para o Natal e para a passagem de ano, o que foram dando como nota é que estavam a aumentar, que a procura estava a aumentar. As unidades hoteleiras, especialmente nas zonas mais turísticas, estavam com uma excelente taxa de ocupação e a concretizarem-se essas reservas – é mais fácil avaliar no alojamento do que propriamente na restauração, porque essa avaliação é feita mais tarde – as perspetivas estavam a ser boas. Vamos ver se essas reservas sempre se concretizam e vamos ver o que é que fica para as empresas. Volto a repetir, o problema neste momento não está a ser a procura, por enquanto, não quer dizer que em janeiro e em fevereiro, o cenário não mude drasticamente, porque as pessoas já estão a sofrer este impacto da inflação, estão a sofrer o impacto das taxas de juro. Mas a verdade é que receberam o subsídio de Natal e ainda não perceberam, muitas delas, qual o impacto que está a ter no seio da família.

Em janeiro caem na realidade…

Sem dúvida.

Na altura da troika uma das primeiras consequências foi a redução dos almoços e dos jantares. Chegou mesmo a moda das lancheiras…

Hoje já temos mais pessoas outra vez de lancheira. Basta olhar para os centros comerciais e perceber que há espaços que estão a ser ocupados por pessoas que trazem lancheiras. Já se percebe que há essa transição, até porque também foi feito um estudo recentemente para perceber onde é que as pessoas iriam cortar face ao aumento do custo de vida e voltámos a ter as pessoas a dizer que, numa primeira fase, cortam logo na alimentação fora de casa, no lazer, nas viagens. São as atividades onde as pessoas acabam por cortar porque há custos que não podem deixar de pagar, não podem deixar de pagar a escola dos filhos, não podem deixar de pagar a luz e a água, não podem deixar de pagar a renda da casa.

O dinheiro não chega para tudo e é preciso fazer escolhas…

Exatamente e, por isso, volto a dizer que precisamos de proatividade, precisamos de antecipar aquilo que aí vem e, embora haja muitas incertezas, a verdade é que aquilo que nos dizem as empresas – e a nossa missão é auscultar as empresas, percebermos o que se está a passar, partilhar com quem tem o poder de governar e de decidir – é chamar a atenção para que deveríamos estar neste momento a ser muito mais robustos nas medidas. Tudo o que tem vindo a ser anunciado é muito curto, percebemos as boas intenções. Aliás, o novo secretário de Estado, Nuno Fazenda, no primeiro ato público foi estar presente no congresso da APAVT a anunciar estes apoios ao turismo, mas são extremamente insuficientes. Não são apoios que consigam marcar a diferença nestas dificuldades que as empresas vão enfrentar. São medidas muito pontuais, muito insuficientes e são para dizer que temos medidas. Mas o impacto que têm no setor é praticamente nulo. Não é por falta de insistência da AHRESP na apresentação de propostas, continuaremos sempre disponíveis para o diálogo, mas têm de fazer mais.

E como vê a mudança de pastas na secretaria de Estado do Turismo?

Compete ao Governo tomar essas decisões, fazer essas escolhas. Estamos disponíveis, como também já o referimos, para trabalhar com o novo secretário de Estado, de forma muito próxima e muito proativa. E faremos o nosso trabalho. A anterior secretária de Estado desempenhou um papel muito importante e, ainda por cima, esteve numa altura crítica, porque apanhou a fase da pandemia. O trabalho foi sempre feito com muita lealdade e com muita proximidade. E o que queremos é que com o novo secretário de Estado este trabalho continue e acreditamos que vai continuar. Não comentamos a alteração porque isso compete ao Governo e é ele que saberá as decisões que tem de tomar. Também conhecemos bem o secretário de Estado e acreditamos que o trabalho vai continuar e vamos insistir com aquilo que entendemos que deve ser feito, que ainda não está a ser feito, mas que tem de ser rapidamente equacionado, sob pena de estas microempresas, no princípio do ano, já não terem mais capacidade de resiliência.