O juiz conselheiro Sénio Alves, responsável pela fase de instrução do caso da Operação Lex, decidiu pronunciar todos os arguidos, que assim irão a julgamento por todos os factos que constam da acusação, soube o Nascer do Sol.
A decisão pela pronúncia foi, entretanto, conhecida, esta sexta-feira, no Supremo Tribunal de Justiça, confirmando o que o Nascer do Sol, já tinha avançado.
Em causa estão crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento.
Recorde-se que no centro deste processo está o antigo desembargador da Relação de Lisboa Rui Rangel, entretanto expulso da carreira pelo Conselho Superior da Magistratura. Rangel é acusado de, durante pelo menos uma década, com a ajuda da mulher – a também desembargadora Fátima Galante – ter montado um esquema para, em proveito de ambos, manipular os mecanismos do sistema judicial. Para não ser apanhado pelas autoridades, utilizou uma marosca de circulação de dinheiro complexo que lhe permitia levar uma vida de luxo.
Segundo a acusação deduzida pelo MP, para levar o empreendimento a bom porto, o magistrado utilizou dois peões: o advogado Santos Martins, que recolhia as “luvas” de clientes a contas com a Justiça a troco de acórdãos favoráveis e fazia o dinheiro girar pelas suas contas ou de familiares.
A segunda peça-chave seria um oficial de justiça, Octávio Correia, do Tribunal da Relação de Lisboa, suspeito de ser um dos intermediários entre o juiz e os angariadores de clientes. Só em 2015, nas contas de Octávio Correia, que juntamente com a esposa tinha um rendimento anual de pouco mais de 20 mil euros, foi depositado em numerário 50 mil euros. Enquanto isso, as contas de Rangel recebiam, no mesmo ano, um aconchego de quase oitenta mil euros, só em dinheiro vivo.
Rendas paralelas
Os 16 arguidos acusados de terem beneficiado do esquema montado pelo juiz faziam chegar as rendas paralelas de Rangel diretamente à esfera de Santos Martins. Este, por sua vez, passava-as em notas ao magistrado ou a pessoas da sua confiança, como as suas ex-companheiras. Ou então eram os próprios arguidos quem lhe pagava as despesas correntes, como a mensalidade da casa, água, luz e outras miudezas.
Fátima Galante, ex-mulher de Rui Rangel mas que nunca formalizou o divórcio, é outra das peças fundamentais neste esquema: juíza numa secção civil do Tribunal da Relação de Lisboa, é acusada de ajudar o magistrado a redigir acórdãos e a dissimular o dinheiro vindo dos ‘clientes’, já que as quantias eram depositadas numa conta conjunta titulada por ambos.
Rangel tinha vários ‘clientes’ a quem garantia absolvição ou aceleração de determinados processos. Um dos mais conhecidos é o empresário José Veiga, que fez pagamentos a Santos Martins. Essas transferências coincidiram com a altura em que Veiga envia a Santos Martins o recurso que ia apresentar na Relação e a absolvição do empresário pelo tribunal superior.
Outro dos principais clientes é Luís Filipe Vieira: quando era presidente do Benfica, terá pedido a Rangel que intercedesse pelo filho, que tinha uma decisão pendente no Tribunal de Sintra, oferecendo-lhe em contrapartida cargos no clube da Luz. Pedro Sousa, ex-assessor do Sporting, e Natércia Pina, dirigente do PSD Oeiras, são outros dois nomes conhecidos que fazem parte da carteira de clientes do magistrado.
900 mil euros em luvas
Mas estas pessoas não pediam ajuda diretamente a Rui Rangel – o papel dos angariadores era precisamente fazer a ponte entre o magistrado e as pessoas que queriam recorrer aos seus serviços e ver os seus processos agilizados. Além de Sousa Martins, o ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol e advogado, João Rodrigues, o dirigente desportivo responsável por fazer a ligação entre Rangel e Luís Filipe Vieira, Fernando Tavares, e o advogado Jorge Barroso são suspeitos de desempenhar o papel de angariadores neste esquema.
Os pagamentos de despesas da esfera doméstica do juiz desembargador através de Santos Martins faziam parte dos expedientes a que a dupla recorria para camuflar a origem criminosa do dinheiro. Segundo apurou o MP, entre 2007 e 2017, Rui Rangel recebeu cerca de 900 mil euros de “clientes” a contas com a Justiça e a quem garantia a absolvição nos respetivos processos.