Os atos de gestão de Christine Ourmières-Widener estão debaixo de fogo. O i sabe que o Ministério de Pedro Nuno Santos terá sido informado sobre as mudanças na administração, nomeadamente a saída de Alexandra Reis – mas não saberá as condições negociadas, uma vez que essas mexidas representam um ato de gestão interna. Também ontem Fernando Medina garantiu que não sabia do valor da indemnização.
A par da saída da ex-administradora da TAP que recebeu 500 mil euros – apesar de ter pedido quase 1,5 milhões de euros – de indemnização, os sindicatos ligados à companhia de aviação arrasam a gestão da CEO e garantem ao i que perderam a confiança. Cortes nos salários e direitos dos trabalhadores acabaram por desencadearam greves que são o principal rosto deste descontentamento mas não só.
O presidente do Sindicato Nacional de Pessoal da Aviação Civil (SNPVAC) fala mesmo em violação do que foi acordado em termos de indemnização previsto no âmbito da reestruturação que tinha como teto máximo 250 mil euros e a partir de 50 mil euros teria de ser pago em tranches. “Primeiro, por que foi pago acima do teto máximo e segundo se recebeu em tranches, porque tecnicamente, nesta altura, não poderia ter já recebido todo o valor”, questiona Ricardo Penarroias. E ao i diz que a demissão da ex-Secretária de Estado do Tesouro não é suficiente. “Se o Governo acha que é suficiente, se a opinião pública acha que é suficiente e se o contribuinte acha que é suficiente então este é um país de uma República das Bananas. Há sempre duas ou três partes envolvidas no processo. Alexandra Reis não é a única culpada, apenas aceitou algo que lhe foi dado e quem negociou também tem de ser responsabilidade. Quem me garante que não há mais Alexandras Reis?”, questiona.
O dirigente sindical chama ainda a atenção para o facto de os trabalhadores estarem a fazer um esforço em nome da recuperação da empresa, mas lembra que esse esforço tem de ser coletivo e sem exceções. “Há uma grande diferença entre receber tudo de uma vez e receber 50 mil em cada momento porque havia um grande risco da empresa entrar em insolvência”.
Também o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) dá cartão vermelho à gestão da TAP, cuja administração tomou posse no verão de 2021, dando outros exemplos ao nível da contratação. “Não foi só contratada a companheira do personal trainer do marido da CEO, Christine trouxe para a empresa várias pessoas que trabalhavam no estrangeiro, nomeadamente da ex-companhia britânica onde trabalhou, a Flybe”, alerta Tiago Faria Lopes que aproveita para questionar a que preço vieram e qual é o valor das indemnizações no caso de se irem embora. “São várias as indemnizações a receber, ou seja, é uma situação muito grave”, diz ao nosso jornal.
O responsável afirma ainda que a atual CEO não tem condições para continuar e justifica as razões. “Não tem condições, quando mente à CMVM – que é uma entidade altamente credenciada em Portugal – então mente a qualquer contribuinte e a qualquer trabalhador. A confiança dos trabalhadores em relação a esta administração não existe”. E garante que só há duas soluções: “Ou Pedro Nuno Santos assume que errou na escolha e não há mal nenhum e demite-a ou Christine tem de sair pelo seu próprio pé. Pessoalmente acho que devemos sermos sempre nós a sair, até por uma questão de currículo. Mas o currículo vale o que vale, pois já faliu duas empresas”.
Ricardo Penarroias diz que a juntar a esta polémica há que contar ainda com outras. Um desses exemplos é a compra de uma frota de automóveis topo de gama. A decisão tinha sido tomada em outubro, mas acabou por haver um recuo por parte da empresa. “A Comissão Executiva da TAP compreende o sentimento geral dos portugueses e, apesar da decisão que tomou quanto à frota automóvel ser a menos onerosa para a Companhia nas atuais condições de mercado, a TAP procurará manter a atual frota durante um período máximo de um ano, enquanto reavalia a política de mobilidade da empresa”, disse, na altura a administração.
A mudança de sede está também longe de ser pacífica. A presidente executiva da TAP já confirmou esta intenção de mudar a empresa para o Parque das Nações, mas ressalvou que os moldes em que tal vai ocorrer ainda estão a ser delineados. “A empresa tem uma rigidez financeira quando toca a solucionar as nossas reivindicações mas depois muda de sede e para um edifício de onde os próprios CTT saíram porque era insustentável economicamente”, chegou a dizer em entrevista ao i Ricardo Penarroias.
Novela de quatro dias A polémica em torno da indemnização rebentou no dia 24 com a notícia avançada pelo Correio da Manhã. No dia seguinte, Marcelo Rebelo de Sousa reagiu dizendo que “há quem pense” que seria “bonito”, na altura, a ainda secretária de Estado do Tesouro prescindir da indemnização da TAP, ainda que a lei permitisse receber essa verba e exercer funções governativas. Mas um a um os partidos foram reagindo e pedindo esclarecimentos, tendo em conta que a TAP é uma empresa intervencionada pelo Estado.
As reações políticas foram subindo de tom na segunda-feira e, no mesmo dia, Alexandra Reis afirmou que o acordo de cessação de funções “como administradora das empresas do universo TAP” e a revogação do seu “contrato de trabalho com a TAP S.A., ambas solicitadas pela companhia, bem como a sua comunicação pública, foi acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais”. Do lado da TAP esteve o escritório de advogados do irmão de Marcelo Rebelo de Sousa, a SRS Legal, e da ex-governante a Morais Leitão.
A polémica foi ganhando maiores proporções e os ministros das Finanças e Infraestruturas e Habitação emitiram um despacho pedindo à administração da TAP “informações sobre o enquadramento jurídico do acordo” celebrado com a secretária de Estado, incluindo acerca da indemnização paga. Uma decisão que levou o Presidente da República a considerar que o esclarecimento sobre o acordo celebrado entre a TAP e a secretária de Estado Alexandra Reis “é importante para todos”, incluindo para os dois ministros.
Só na terça-feira é que António Costa reconheceu que “desconhecia em absoluto os antecedentes” e pediu esclarecimentos sobre a indemnização atribuída pela TAP à secretária de Estado, aguardando a “qualificação jurídica” dos factos. Marcelo Rebelo de Sousa voltou a falar e a garantir que estava “pacientemente à espera”, tal como o primeiro-ministro, ministros e portugueses, de esclarecimentos sobre a indemnização atribuída à secretária de Estado Alexandra Reis.
Só ao final da noite desse dia é que os Ministérios das Finanças e das Infraestruturas e Habitação afirmaram ter recebido o esclarecimento por parte da TAP e que tinha sido remetido à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Nesse esclarecimento, a companhia área revelou que Alexandra Reis tinha pedido inicialmente 1,47 milhões de euros de indemnização no âmbito do seu acordo para cessar funções na companhia, sendo depois fixado “o valor ilíquido a pagar” 500 mil euros.
O documento diz ainda que, na sequência do acordo alcançado, “Alexandra Reis emitiu cartas de renúncia, que suportaram o registo junto da conservatória do registo comercial da cessação de funções de administração, bem como o anúncio feito ao mercado; como parte do acordo, foi consensualizada uma comunicação entre as partes, para fins internos e externos”, acrescentando que as duas partes “submeteram o teor do referido acordo de cessação a um compromisso recíproco de confidencialidade”. Poucas horas depois, Alexandra Reis saia da pasta, a pedido de Fernando Medina.