Costa forçado a mudar governo

Demissão de Pedro Nuno faz soar alarmes no PS. Somam-se as vozes, no partido mas não só, a reclamar mudanças profundas no Governo. Montenegro foi apanhado de férias no México e Marcelo de partida para o Brasil.

O Presidente da República queria terminar o mandato sem dissolver o Parlamento, mas acabou por tomar essa decisão em dezembro de 2021 perante um bloqueio na governação, na sequência do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022, precipitando o país para eleições antecipadas, que deram ao PS a segunda maioria absoluta da sua história. Um ano volvido, sucessivamente abalado por polémicas, o terceiro Governo de António Costa enfrenta uma nova crise política, desta vez aberta pela demissão do ministro das Infraestruturas e da Habitação.

Esta queda de peso no Executivo fez soar os alarmes nas bases do PS de norte a sul do país. E não só. Dentro e fora do partido vão-se avolumando as vozes que defendem que o primeiro-ministro deve fazer uma reflexão profunda e uma mudança substancial na equipa governativa.

Numa publicação na rede social Facebook, o presidente do PS, Carlos César, aproveitou os votos de ‘Bom Ano’ para recomendar  «mais atenção e proatividade ao Governo». 

Já a ex-ministra Alexandra Leitão, que nos últimos tempos tem sido muito proativa nas críticas à governação, aconselhou o Governo a «olhar para si, sem arrogância e com humildade, e perceber que há algo que é preciso mudar», fazendo-o sem «reduzir todas estas situações a casos e casinhos, mais ou menos artificiais, criados pela bolha mediática», como sugeriu o primeiro-ministro. Com o recado estudado, para a ex-governante, António Costa precisa agora de «olhar e pensar», porque «o primeiro momento para resolver problemas é assumir que eles existem», o que na sua ótica tem faltado neste Governo.

Os avisos vêm também das estruturas socialistas mais próximas das bases. O líder da concelhia de Braga, Pedro Sousa, diz ao Nascer do SOL que o Governo «tem todas as condições para continuar», mas «deve fazer uma reflexão cuidada sobre um conjunto de episódios, de acontecimentos, que lhe tem tirado o foco do essencial». Mas afasta um cenário de eleições antecipadas: «Somar uma crise política, em contexto de grandes dificuldades sociais, de uma brutal crise energética e de inflação galopante, sendo o Governo suportado por uma maioria no Parlamento, não me parece uma solução prudente, nem tão pouco avisada».

Os avisos vêm também das estruturas socialistas mais próximas das bases. O líder da concelhia de Braga, Pedro Sousa, diz ao Nascer do SOL que o Governo «tem todas as condições para continuar», mas «deve fazer uma reflexão cuidada sobre um conjunto de episódios, de acontecimentos, que lhe tem tirado o foco do essencial». Mas afasta um cenário de eleições antecipadas: «Somar uma crise política, em contexto de grandes dificuldades sociais, de uma brutal crise energética e de inflação galopante, sendo o Governo suportado por uma maioria no Parlamento, não me parece uma solução prudente, nem tão pouco avisada».

Enquanto a oposição se debate entre moções de censura, debates de urgência com o primeiro-ministro e pedidos a Marcelo para dissolver o Parlamento, o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, que viu o seu Governo cair após quatro meses, com o então Presidente da República Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições, não é apologista de que a história se repita, ainda para mais porque as condições são diferentes. «A situação política do país exige uma clarificação e não permite que haja agora eleições antecipadas, menos de um ano depois de eleições legislativas que deram maioria absoluta a um partido», refere em declarações ao Nascer do SOL. Para o atual presidente da Câmara da Figueira da Foz, o que se tem passado com o Governo não pode passar em branco e ficar politicamente sem consequências. «A consequência mais lógica é o primeiro-ministro retirar a lição de que este modelo de equipa falhou». 

Santana Lopes considera que a «única  maneira de se sair deste impasse político em que o país está mergulhado» passa pela demissão deste Governo e pelo convite do Presidente da República ao primeiro-ministro para formar um novo Executivo.

«Este Governo estando esgotado não está esgotada a legitimidade política do primeiro-ministro para formar novo governo, constituindo nova equipa», argumenta, apontando os precedentes na democracia portuguesa: «Aconteceu com Balsemão que demitiu o Governo depois de contestação interna com o General Eanes a pedir para formar o VIII Governo, Mário Soares também formou um segundo governo constitucional».

A hipótese de eleições antecipadas é também vista como muito remota à direita, até porque não há vislumbre de alternativa. Quase em silêncio durante os últimos dias, tirando uma ou outra publicação nas redes sociais, o líder do maior partido da oposição tem colocado os seus vices (Miguel Pinto Luz e Paulo Rangel) aos comandos das intervenções sobre o caso TAP. Ao que o Nascer do SOL apurou, Luís Montenegro tem estado de férias com a família no México, onde passa o réveillon e convocou a sua Comissão Política para uma reunião na segunda-feira (ver pág. 9). 

A crise no Governo também apanhou o Presidente da República de malas feitas. Marcelo parte para Brasília nesta sexta-feira e só estará de regresso depois de domingo, após assistir à cerimónia de posse de Lula da Silva no primeiro dia de 2023.

Uma baixa de peso
A nota do Ministério das Infraestruturas a dar conta da demissão de Pedro Nuno Santos chegou às redações já depois da meia-noite de quarta-feira, passadas mais de 24 horas de Alexandra Reis ter abandonado o cargo de secretária de Estado do Tesouro a pedido do ministro das Finanças, Fernando Medina, após ter sido conhecido – por notícia do Correio da Manhã – que tinha recebido um cheque de 500 mil euros quando saiu da TAP, empresa intervencionada pelo Estado.

Alexandra Reis, que renunciou ao cargo de vogal e membro do conselho de administração da companhia aérea em fevereiro (num processo negocial de iniciativa da TAP), foi entretanto nomeada por Pedro Nuno Santos para a presidência da NAV em junho. E, apenas meses mais tarde, Fernando Medina convidou-a para o Governo. 

O resto passou-se no espaço de cinco dias, sendo a saída de Pedro Nuno Santos o pináculo de nove meses do Governo a colecionar demissões. Segundo a tese oficial do ministro demissionário, o próprio entendeu assumir as responsabilidades políticas pelo facto de o seu secretário de Estado Hugo Mendes ter dado o aval ao acordo de Alexandra Reis com a TAP.

«A TAP informou o secretário de Estado das Infraestruturas de que os advogados tinham chegado a um acordo que acautelava os interesses da TAP. O secretário de Estado das Infraestruturas, dentro da respetiva delegação de competências, não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada», esclareceu Pedro Nuno Santos, acrescentando que só agora teve conhecimento dos termos do acordo, ou seja, dos valores da compensação, no seguimento das explicações da TAP, o que levou o secretário de Estado das Infraestruturas a apresentar a demissão, ainda antes do ministro, que decidiu seguir os mesmos passos e cuja demissão foi prontamente aceite pelo primeiro-ministro.

Desgastado pelas várias polémicas que o iam cercando – a mais recente envolvia um contrato de uma empresa do seu pai com o Estado e a mais grave foi protagonizada pelo famoso despacho sobre o novo aeroporto –, o caso de Alexandra Reis foi a gota de água que fez transbordar o copo.

Mas Pedro Nuno Santos não quis sair sem deixar uma série de recados nas entrelinhas do comunicado enviado pelo Ministério das Infraestruturas, atingindo o ministro das Finanças, mas também Belém.

Primeiro, pela referência ao envolvimento dos serviços jurídicos da TAP – encabeçados na altura por Stéphanie Sá da Silva, casada com Fernando Medina –, depois mencionando a sociedade de advogados externa contratada para estes serviços, liderada por Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República.

O Ministério das Finanças,  que partilha a tutela da TAP, fez questão de sair de cena, com o ministro Fernando Medina a demitir a secretária de Estado do Tesouro que estava há menos de um mês no Governo, para preservar a «autoridade política» e dando garantias de que ninguém no seu gabinete sabia do que tinha sido negociado entre a TAP e Alexandra Reis, deixando Pedro Nuno Santos isolado no Governo.

Contudo, o montante em causa foi acordado com a transportadora aérea quando a mulher de Medina, Stéphanie Sá da Silva, era ainda diretora jurídica da TAP. Mais: se efetivamente não tinha conhecimento da indemnização quando convidou Alexandra Reis para o Governo, a pergunta que fica agora no ar é por que razão não questionou a gestora quanto ao seu passado recente? Ainda para tratando-se da TAP, empresa que está na alçada do Ministério das Finanças e da própria secretária de Estado do Tesouro.

Pedro Nuno de volta às bases
Perante esta novela em que todos os protagonistas diziam nada saber, Marcelo Rebelo de Sousa foi deixando avisos de que «aqueles que querem assumir funções políticas» têm de se mentalizar que estão «crescentemente sujeitos a um escrutínio sobre a sua vida passada», e que o caminho é «aumentar o grau de exigência». Certo é que não vai ser fácil encontrar um substituto para Pedro Nuno Santos, dada a responsabilidade das pastas que tinha a seu encargo. Nos bastidores socialistas vai sendo desenhada a possibilidade de Duarte Cordeiro ser apontado às Infraestruturas, deixando a tutela do Ambiente nas mãos de João Galamba.

Quanto ao futuro imediato de Pedro Nuno Santos, depois de deixar o Governo, irá regressar à bancada do PS no Parlamento, já que foi eleito deputado pelo distrito de Aveiro nas últimas eleições legislativas.

Apontado como principal candidato à sucessão de Costa na liderança do PS, a dúvida que paira agora é se continua a ter condições para vir a disputar o lugar de secretário-geral no imediato ou se tem de voltar ao caminho das pedras. Ao que o Nascer do SOL apurou, Pedro Nuno Santos deverá observar um ‘período de nojo’ nos próximos meses, para depois  partir para o terreno, lançando-se à (re)conquista do apoio que as bases nunca lhe negaram.  Com influência estendida a grande parte do aparelho socialista, já são várias as vozes, incluindo de governantes, que destacam o trabalho desenvolvido pelo ministro demissionário nos sete anos que esteve no Governo, particularmente pelo seu legado nas pastas da ferrovia e da habitação. 

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, defendeu que «há um antes e um depois de Pedro Nuno Santos na área da habitação e da ferrovia». A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, destacou que o ex-ministro fez um trabalho «da maior importância».  A ex-ministra e atual deputada Alexandra Leitão também considerou que o socialista permanece como um «ativo fundamental para PS e para o país», mostrando-se convicta de que Pedro Nuno «ainda terá futuro nessa dimensão». A antiga eurodeputada socialista Ana Gomes foi ainda mais longe e disse mesmo que o ex-ministro sai «a tempo de revigorar o PS».

Nas estruturas do partido mais próximas à ala pedro nunista, a teoria é que esta polémica não mancha o currículo do socialista. Ao Nascer do SOL, Pedro Sousa, líder do PS/Braga, afiança que  as ambições políticas futuras de Pedro Nuno «não saem beliscadas».  «Pedro Nuno Santos é um reformista, um fazedor, um homem de visão e de ação e isso ficou bem patente na forma como conduziu dois dossiers centrais e fundamentais para o país como são o caso da Ferrovia e da Habitação», elogia.

Pedro Sousa não tem dúvidas de que, em tempos de grande exigência, «em que sobram atores políticos cinzentos, sem chama, sem garra e sem capacidade de transformar, Pedro Nuno Santos, pela sua capacidade política, pelo seu conhecimento do país, pela sua força e autenticidade estará sempre na linha da frente quando o tema for a liderança do PS».

O novo ano político promete.