Marcelo Rebelo de Sousa deixou o recado: António Costa escolheu o caminho de “não inovar” e “mexer o mínimo possível” na escolha dos novos ministros. Em causa está a escolha de João Galamba para liderar o Ministério das Infraestruturas e Marina Gonçalves para a Habitação, substituindo assim Pedro Nuno Santos, que apresentou na semana passada a demissão do cargo devido à polémica em torno da indemnização de Alexandra Reis quando saiu da TAP.
“É o primeiro-ministro a escolher e, naturalmente, ao escolher, conforme os resultados, assim será um sucesso ou não. Isso cairá em cima do primeiro-ministro”, avisou Marcelo Rebelo de Sousa, minutos depois de ter aterrado em Lisboa, vindo do Brasil, acrescentando que “o critério é usar a prata da casa para não mexer muito. Se funcionar, é uma boa ideia. Se não funcionar, retiraremos daí as conclusões”, sem detalhar quais poderão ser as consequências.
Este recado não é novo. Já na tradicional mensagem de Ano Novo, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que só o Governo e a sua maioria “podem enfraquecer ou esvaziar” a estabilidade política existente em Portugal, considerando que a maioria absoluta dá ao Executivo “responsabilidade absoluta”. E afirmou que está também ao alcance de Portugal tirar “proveito de fundos europeus que são irrepetíveis e de prazo bem determinado”. E acrescentou: “Tudo isto está ao nosso alcance. E nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que o desbaratássemos”.
É certo que em matéria de fundos o grande foco está na habitação, tanto que é uma das áreas que é alvo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Aliás, o primeiro-ministro justificou a atribuição à Habitação de “Ministério próprio” com o facto de ser “uma preocupação central na sociedade portuguesa”. E defendeu que Marina Gonçalves, “imprimiu uma boa dinâmica à política de habitação, numa fase em que esta política estava relativamente ainda embrionária”, acrescentando que “neste momento, é absolutamente essencial dar execução aos programas destas duas áreas. Estas duas pessoas têm experiência governativas, têm provas dadas no que respeita à sua capacidade de execução, conhecem os trâmites da administração e já estão habituados a práticas burocráticas que são indispensáveis para garantir a boa transparência na execução do investimento público. Por isso, não serão fator de pausa, mas, pelo contrário, será seguramente uma energia renovada na execução do Orçamento do Estado, onde o investimento público aumenta 18% designadamente na área das Infraestruturas”, referiu.
Habitação é o grande foco Ao i, o arquiteto Tiago Mota Saraiva garante que é importante ter um Ministério direcionado apenas para a habitação, chamando a atenção para o facto de a secretária de Estado da Habitação ser a pessoa que está mais a par dos problemas nesta matéria. “É praticamente impossível construir para as necessidades que temos, mas esta secretária de Estado é a pessoa do país inteiro que melhor terá na mão o que poderá acontecer. Se fosse um ministro novo passaria os próximos seis meses a analisar para ter o fio à meada e não temos seis meses para fazer esse trabalho”.
Já em relação ao recado de Marcelo para a necessidade de aproveitar as verbas do PRR, diz apenas que, a par deste programa, Portugal tem também acesso ao Portugal 2030 e com a “vantagem de Portugal ter ultrapassado o preconceito ideológico que existia até 2017, em que o Estado não devia construir mais habitação pública”, referindo que essa ideia já está ultrapassada e que o país já percebeu que vai ter de continuar a construir e que essa tarefa terá de ser executada a seguir ao PRR. “Há muito território para reabilitar e há que investir sobretudo em programas de reabilitação”. No entanto, reconhece que estas apostas que só serão visíveis no Governo seguinte. “Um Governo que determina construir 26 mil casas só vê os seus efeitos daqui a seis ou oito anos, já que as políticas de habitação normalmente não têm efeito numa legislatura, demoram tempo”.
Mas o responsável reconhece que a prioridade não é só construir habitação, defendendo que “é importante ter uma linha forte de investimento de apoios públicos, nomeadamente o cooperativismo e todo o setor não especulativo, ou seja, a construção de casa sem fins lucrativos”. Tiago Mota Saraiva reconhece que são estas duas áreas que conseguem criar condições para produzir habitações para a maioria da população. “Sem esta articulação muito oleada não vamos conseguir dar respostas por mais construção pública que haja”, refere ao nosso jornal.
Uma opinião que vai ao encontro do que ainda ontem foi defendido por Marcelo Rebelo de Sousa. “A habitação é um problema social grave em Portugal, e haver um Ministério para a habitação autónomo é uma abertura de caminho que esperemos que tenha consequência”, recordando as declarações do primeiro-ministro de que “a razão fundamental da divisão em dois Ministérios era óbvia: dar maior importância à habitação”.
Também Luís Mira Amaral entende que o grande foco do PRRem relação aos dois novos Ministérios está na habitação, defendendo que João Galamba tem dois dossiês mais complexos, como é o caso do novo aeroporto e da TAP. E quanto ao ministro das Infraestruturas admite que a grande dúvida está no seu comportamento. “Não está a par dos grandes dossiês, mas pode ficar a par. O problema são as suas características comportamentais, que são muito perigosas para um ministro. João Galamba já teve comportamentos inadmissíveis”, diz ao i.