Se há quem considere que 2023 traz consigo um abrandamento dos preços das casas em Portugal, o presidente da APEMIP não é da mesma opinião. Paulo Caiado diz que os preços vão manter-se elevados e até subir e defende que o Governo deve encontrar soluções habitacionais para quem precisa delas. Deseja as maiores felicidades à nova ministra da Habitação e recorda uma das prioridades da nova governante: ‘Uma das prioridades é atender àquelas pessoas que neste momento têm necessidade absoluta de uma habitação com o mínimo de dignidade’.
O responsável diz ainda que as taxas de juro poderão ser um problema mas mais para quem já tem casa e não para quem pretende comprar, por ver a prestação mensal subir significativamente. E alerta ainda para o incumprimento no que diz respeito ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) por existir um grande problema global de falta de mão de obra, que não acontece só em Portugal. E defende também que o investimento estrangeiro no nosso país vai continuar a crescer e vê essa tendência como um bom sinal para o crescimento da economia.
Quais são as perspetivas para o mercado imobiliário para este ano?
O mercado é caracterizado por uma diversidade muito grande, diversidade dos seus segmentos, dos diferentes aspetos geográficos que têm. De modo geral e um pouco estilizado, aquilo que acreditamos é que vamos assistir a uma continuidade do que recentemente tem acontecido, ou seja, os preços, neste caso, das casas, dos imóveis habitacionais, subirem. Em termos de média generalizada. É claro que esta subida depois não tem a mesma expressão em todo o lado. Acreditamos que nos grandes centros urbanos tem havido alguma tendência de estabilização, mas como as pessoas não conseguem comprar casas em centros urbanos e estão a criar novos fluxos de procura em zonas que até aqui não tinham procura e onde os preços têm partido de um patamar muito inferior, estamos a assistir a uma subida significativa de preço nessas localizações que depois em termos globais, são esses números que temos ouvido e quase diariamente observado.
Mas a Moody’s diz que os booms imobiliários acabaram e antecipa que os preços das casas se vão manter estáveis em 2023, embora admita que o risco de correção está a aumentar…
Achamos que não vai haver nenhuma estabilização dos preços. Os preços vão subir e vão subir com grande significado, exatamente por aquilo que referi. As pessoas não conseguem comprar casa nos grandes centros urbanos, estão a procurar casa em localizações onde conseguem comprar. Portanto estão, aí nessas localizações, a criar novos fluxos de procura, nova pressão que vai ter como consequência a subida dos preços.
Então não poderá existir um risco de contração em termos de procura? Continua a existir também uma quebra na oferta…
O que principalmente constatamos e que tem sido de alguma forma responsável por esta subida de preços está relacionado com esta relação oferta-procura, caracterizada principalmente por uma significativa escassez da oferta.
Falávamos em falta de oferta. Quais são as principais causas para este problema?
Há dois aspetos que são muito relevantes. Um prende-se com o facto de, nos últimos anos, não ter havido políticas que possam incentivar os promotores a edificar casas mais baratas. Muito do que foi edificado esteve direcionado para os segmentos de maior poder de compra. Por outro lado, a burocracia associada à nossa edificação é gigante. Imagine que agora queria tornar-se empreendedora na área da construção. Pedia o dinheiro ao banco, ia comprar um terreno, pedir um licenciamento para poder construir um pequeno edifício com três ou quatro apartamentos para depois os vender. É uma loucura meter-se a fazer isto. Só se fosse louca. Não faz a mínima ideia quando é que tem uma licença para poder começar a construir. E depois de estar construído, não faz a mínima ideia quanto tempo vai ter de estar à espera para lhe ser dada uma licença para posteriormente poder vender essas casas. Ou seja, não tem perspetiva de conseguir ter uma previsibilidade de tempo. Não sabe se são meses ou anos, não faz ideia. Portanto, quem é que o faz? Aqueles que já conhecem, que já sabem mais ou menos como é, mas fazem-no com precaução e muito direcionado para estes segmentos, onde conseguem margens grandes, aquelas casas vão ser vendidas a preços muito caros. Há ali uma margem que pode absorver este risco da incerteza do prazo, esse risco da incerteza do que pode acontecer aos custos de construção e por aí fora. E aquilo que é preocupante é que isso vai agudizar-se.
Que consequências trarão estes aumentos das taxas de juro? Lagarde já admitiu que vão continuar a subir nos próximos meses…
Vivemos num mundo menos estável, é uma das características do nosso mundo atual. Há três meses, as notícias quase diárias diziam que vinha aí uma grande catástrofe, vinha aí uma coisa terrível. E aquilo que estamos a constatar – e ainda bem – do ponto de vista do mercado imobiliário, é que não, é que, de facto, sem prejuízo da gravidade que as subidas das taxas de juro podem ter em tantas e tantas famílias, o que estamos a assistir é que o mercado continua a funcionar, que as pessoas continuam a recorrer ao crédito e que as pessoas continuam a comprar casas. Repare, a subida das taxas de juro é um problema não para quem está a pensar comprar casa, é para quem já comprou. Quem está a pensar comprar não diz que agora já não compra. Não é isso. Os juros subiram e previsivelmente terão de comprar uma casa que se coadune com aquilo que é a sua capacidade de endividamento.
O Banco de Portugal já reconheceu que as famílias mais vulneráveis vão ser as mais afetadas. Já se sente este impacto?
Mas também assistimos ao governador do Banco Portugal [Mário Centeno] a explicar-nos que parece que a inflação já começou a ter um comportamento contrário no sentido da redução. Isso poderá ter como consequências que não haja a necessidade do lado dos juros de políticas tão agressivas como se pensava porque, de facto, neste momento, os indicadores são positivos. São dados desta semana.
Mas há famílias que podem entrar em incumprimento e colocar as casas no mercado?
Não. Vamos ver o seguinte, isso não acontece dessa forma – ou pelo menos de uma forma imediata – a gerar consequências no mercado. O Banco de Portugal estima em 30 mil o número de famílias que podem vir a estar em situações mais delicadas e para as quais foram agora criados aqueles programas, complementado com o tema do aumento de prazo. Mas para dizer o seguinte: 30 mil famílias vão ter problemas no processo hipotecário. Em Portugal, o Banco de Portugal tem dados que há mais de um milhão de processos de hipotecário a decorrer. Se é grave? É gravíssimo. São 30 mil famílias. É gravíssimo. Se é um número com abrangência suficiente para ter consequências no mercado? Previsivelmente, não. Aquela ideia de que as pessoas quando não conseguem pagar entregam as casas aos bancos e os bancos ficam com as casas não é assim e nunca foi. Não funciona assim.
Voltando ao aumento dos preços das casas nos grandes centros urbanos. Não seria desejável que os preços baixassem nessas zonas?
Acho que seria importante que o nosso Governo, que as políticas associadas à habitação fossem capazes de criar aqui uma linha, uma fronteira que separa dois aspetos que acho que são distintos e devem ser tratados de uma forma distinta. Um é o mercado imobiliário na sua forma livre de mercado. Acho que deve ser aquela que caracteriza o mercado, em vez de funcionar de uma forma completamente livre numa economia de mercado aberta. E, portanto, aquilo que considero necessário é que se dê aos operadores a tranquilidade, a estabilidade legislativa e fiscal para que os investimentos possam ser feitos, para que a economia possa crescer e para todos os portugueses toda a sociedade possam beneficiar disso. Situação distinta são as pessoas que precisam de apoio e, consequentemente, da obrigação do nosso Estado, das autarquias de criarem soluções, programas, regulação que permita que as pessoas que não conseguem acompanhar aquilo que tem sido a evolução do mercado não fiquem privadas do seu direito à habitação com todas as características que deve ter.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística e que dizem respeito a novembro falam de um recorde de avaliação bancária nos 1.449 euros. É expectável que continue a subir?
Estes valores correspondem a médias absolutas e, portanto, quando estamos a falar em médias absolutas, temos aquele dado que há pouco referia. Quando pegamos em localizações que não têm tido nenhuma pressão, onde os preços partem de um patamar baixo, onde as pessoas vão procurar casas, os preços sobem com significado. Imagine uma aldeia onde se transacionam imóveis a 800 euros por metro quadrado. E agora as pessoas começam a procurar essa localização e os preços passam de 800 para 1200 euros. Os preços tiveram uma subida vertiginosa. São estes picos de subida nestas localizações que estão a influenciar a média nacional.
Como disse, não conseguindo comprar casa num grande centro urbano, as pessoas voltam-se para outros sítios como o interior do país…
E os preços aí vão aumentar. A deslocação das pessoas dos grandes centros urbanos para zonas que não são propriamente zonas periféricas, mas para uma zona onde encontram casas mais acessíveis, está a acontecer. Foi também acelerada com a pandemia, com aqueles modelos de trabalhar em casa, do trabalho à distância. Foi de alguma forma incrementada e acelerada essa deslocação das pessoas que – muitas, não todas – não precisam de estar diariamente nos seus postos de trabalho. A consequência de tudo isso é que os preços nessas localizações vão subir.
E o investimento estrangeiro? Vai continuar a aumentar?
Acho que sim. O investimento estrangeiro, onde tem tido grande relevo o investimento de cidadãos americanos, com certeza, claro que sim. Mas o investimento é bom para o nosso país. As características do nosso país e tudo aquilo que nos caracteriza tem valor para estrangeiros. Grande parte das condições dos investidores estrangeiros não investem em Portugal na expectativa de fazerem grandes negócios imobiliários. Investem em Portugal porque gostam de Portugal. Isso é a principal motivação que, felizmente, não desapareceu.
É bom para o país?
Claro. O crescimento económico é bom para toda a gente. O tema não é o tema do investimento. Este capitalismo ligado ao imobiliário é fantástico para a nossa economia. O tema é a exclusão, mas a exclusão não se combate eliminando a entrada de capital. A exclusão combate-se com medidas, com o suporte do Estado, das autarquias.
Falava nos cidadão norte-americanos. Que outras nacionalidades investem muito em Portugal?
Diria que, neste momento, norte-americanos e brasileiros são as nacionalidades que seguramente são as mais expressivas.
Tinha dito que cabe ao Estado e às autarquias arranjarem soluções de habitação. Agora temos um Ministério só para habitação. O que acha da separação deste ministério?
Há uma necessidade transversal associada à necessidade de qualquer cidadão português, tal como justiça, tal como educação, tal como tantos outros aspetos nas nossas vidas. Saúde, entre outros. E, portanto, a única coisa que me surpreende é porquê que só agora é que fizeram isso.
Quais devem ser as prioridades deste ministério?
As prioridades, para mim, são muito simples. Uma das prioridades é atender àquelas pessoas que neste momento têm necessidade absoluta de uma habitação com o mínimo de dignidade. Ponto, é isto.
E em relação à escolha de Marina Gonçalves para a pasta?
Desejo as maiores felicidades. Imagino que é uma área onde a vivência, o conhecimento acumulado, as diferentes vivências são seguramente enriquecedoras. O facto de a ministra ter estado como Secretária de Estado e ter tido a possibilidade durante um período de tempo com algum significado, conhecer os desafios, pode ser importante para este percurso que agora tem pela frente.
E o PRR? Uma parte da verba tem como destino a habitação. Já há projetos visíveis? Podem existir atrasos?
Claro, existe um risco gigante. Não é preciso ser nenhum técnico. Se falar com qualquer entidade na área da construção e lhes perguntar qual é a principal dificuldade com que neste momento estão confrontados, todos lhe vão dar a mesma resposta e vão dizer que é falta de mão-de-obra. E a segunda dificuldade que todos lhe vão dizer é a subida das matérias-primas necessárias à construção. A questão é a seguinte: a questão do PRR para edificação vai precisar de mão-de-obra. Mas ela está onde? Como é que vão fazer? Ok, eventualmente vão ter que fazer com a que existe neste momento em Portugal mas como é que fazem? Vai sair de determinadas empreitadas para transitar para outras? Como é que se vai fazer? Como é que vai haver mão-de-obra em Portugal se à data não existe não havendo PRR nenhum em execução? Havendo um PRR em execução para edificar para o qual estão previstos 2,4 mil milhões, onde é que está a mão-de-obra? Podem dizer que vão buscar lá fora, criar programas para acolher imigrantes. Fantástico, acho que é uma boa ideia. Mas talvez seja interessante não esquecer que Portugal não é o único país da Comunidade Económica Europeia que tem um PRR para executar. França, Espanha, Alemanha, Itália, Bélgica, todos têm PRR e todos vão precisar de mão-de-obra. Talvez fosse interessante não fechar os olhos a esse aspeto.
Como está o mercado do arrendamento? Este travão dos 2% pode retirar casas do mercado?
Considero que é extremamente importante que cada vez mais haja coragem política para que exista, associado ao imobiliário, uma linha muito clara, muito óbvia e conhecida de toda a gente entre o que é o mercado livre e o que são áreas de habitação onde o Estado tem de intervir. O mercado livre, aquilo que precisa é de estabilidade e que o Governo não ande a inventar e, sobretudo, que não pegue num coeficiente que foi criado para que se a inflação subisse e pudesse de alguma forma compensar os senhorios desse facto, e quando a inflação subiu tivemos essa limitação, porque senão isso era complicado. Isto cria, nas pessoas, uma enorme instabilidade, uma enorme insegurança. E tudo aquilo que este mercado livre quer é estabilidade e previsibilidade para que possa crescer. Segundo aspeto: este mercado livre pode criar exclusão. Então, temos o outro lado do trabalho do outro lado da fronteira, que é o lado onde tem de haver coragem de aqui o Estado intervir. Como? Através de subsídios às rendas, através de modelos que possam, de alguma forma, ter uma intervenção do Estado na edificação com o compromisso de que aqueles produtos têm de ser alocados ao mercado em determinadas condições de acessibilidade. E tem que haver um conjunto de projetos associados a um conjunto de oferta direcionada para quem dela precisa. É isto.
Quais são os principais desafios para o setor este ano?
Considero que atender aos casos urgentes que são a grande prioridade para este ano. Acredito que o Governo seja capaz de ter esta linha muito clara em que temos, de um lado o mercado livre e que vai seguramente representar o mercado na sua maior expressão e que tem que ser caracterizado por estabilidade, previsibilidade, crescimento, enriquecimento, capital para a nossa economia e, portanto, de alguma forma, crescimento económico no nosso país. Simultaneamente, do outro lado desta linha, há uma fatia que tem de ser o Estado a assegurar uma responsabilidade constitucional de que este mercado livre não provoque exclusão e de que hajam, nas mais diversas localizações, nos mais diversos segmentos, a possibilidade de as pessoas, através de soluções que estão intervencionadas pelo Estado possam a elas aceder.
A guerra na Ucrânia pode trazer consequências? Ou já está a trazer?
A guerra na Ucrânia mostra-nos uma coisa que é interessante do ponto de vista do pensamento que é a seguinte: muitas pessoas se interrogam porque é que os russos – não quer dizer que os ucranianos não o façam – destroem aqueles aldeias onde não há militares. Claramente estão a destruir as casas. Inclusivamente há destruição de campos agrícolas. Porquê? Atacar as pessoas do ponto de vista económico daquilo que são as economias estruturadas é simples. Congelar uma conta bancária, colocar as pessoas sem dinheiro, é algo que se consegue fazer até por decreto. O Governo decreta que a nossa moeda a partir de amanhã não vale nada porque temos uma nova, como já aconteceu em muitos países. Quando é que se esmaga o povo? Quando se rebenta com o imobiliário porque é a reserva de valor. É lá que está a reserva de valor, está nas casas. A maioria do património dos portugueses todos está nas casas, está no imobiliário. Se um dia nos quisessem destruir como é que faziam? Destruindo o nosso parque imobiliário.