Para o Governador do Banco de Portugal, «a economia tem surpreendido trimestre após trimestre» e, por isso, está confiante de que a zona euro não vai entrar em recessão técnica. Em Davos, Mário Centeno disse ainda que «talvez sejamos surpreendidos» com um crescimento positivo.
Sobre este assunto, Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, diz que «em boa verdade, os dados macroeconómicos que têm sido divulgados nas últimas semanas mostram uma resiliência das economias europeia, chinesa e norte-americana, corroborando uma perspetiva otimista no curto prazo, talvez a um trimestre de vista». Ainda assim, acrescenta, «a política monetária energicamente restritiva, sendo atualmente o BCE o banco central mais hawkish [forte empenho na alta dos juros] das economias avançadas, ameaça a atual resiliência da economia. Sendo certo que a economia portuguesa, como uma das mais endividadas, é também uma das mais afetadas pelo aumento dos juros».
Ao Nascer do SOL, o economista diz que o que temos observado é uma melhoria da economia «em resultado do impulso do lado da oferta, face às menores dificuldades nas cadeias de abastecimento, mas à medida que a alta dos juro começa gradualmente a penalizar o rendimento disponível das pessoas, não será fácil evitar uma recessão». E defende que existe «uma crescente probabilidade de recessão à medida que as taxas de juro permanecem elevadas por mais tempo».
Questionado sobre se as perspetivas de Centeno são realistas, Mário Martins, analista da ActivTrades, diz que a recente subida dos preços do petróleo, ouro, cobre e a manutenção dos preços do gás natural «bem acima do habitual, será um fator muito negativo para a economia da zona euro, no entanto o Programa de Recuperação e Resiliência deverá servir de contraparte positiva, mas será muito difícil escapar a uma recessão, ainda que leve».
Por sua vez, Henrique Tomé, analista da XTB, acredita que ainda existe a possibilidade de as economias conseguirem recuperar das recentes medidas restritivas adotadas pelos Bancos Centrais «para arrefecer a economia de modo a que a inflação pudesse ser controlada». Mas assinala que existem «alguns sinais, segundo os indicadores económicos, que alertam para o risco de recessão, sobretudo quando olhamos para os dados divulgados pelos índices PMI [Purchasing Manager’s Index, ou Índice de Gestores de Compras, indicador que mede a atividade económica de um país] de serviços que se encontram em território de contração na zona euro».
Por outro lado, o economista diz que o mercado de trabalho «continua resiliente e robusto apesar da deterioração da conjuntura económica e, apesar dos níveis elevados de inflação, espera-se que as principais economias da zona euro continuem a crescer».
No que diz respeito ao caso português, «diria que a situação continua a ser sensível dado que o crescimento do PIB no país tem estado muito abaixo da média europeia e o facto da inflação permanecer elevada é um sinal de risco que pode comprometer ainda mais o crescimento da economia nacional». E acrescenta que o facto de a dívida pública continuar elevada «pode trazer ainda mais pressões sobre a economia portuguesa, principalmente se a atividade económica continuar a abrandar».
E Portugal?
O primeiro-ministro português mostrou-se moderadamente otimista: «Há bons indicadores para 2023. Não vai ser o nosso ano de sonho, mas não vai ser um ano de pesadelo. Vamos poder viver com confiança. Felizmente, os sinais são bons». E António Costa destacou que Portugal foi, no ano passado, o segundo da União Europeia a registar o maior crescimento, lembrando o desemprego «em mínimos históricos» e que a economia nacional «conseguiu resistir» apesar da inflação.
As boas perspetivas do primeiro-ministro para a economia portuguesa já tinham sido declaradas pelo ministro das Finanças, que afastou o cenário de recessão na economia portuguesa a curto prazo. «O cenário que hoje temos para Portugal […] é o de que tenhamos terminado o ano com um último trimestre a crescer e, para já, não temos qualquer indicador de que o primeiro trimestre do ano tenha um resultado diferente», defendeu Fernando Medina.
Paulo Rosa lembra que a economia nacional «regista um forte crescimento em 2022, mas também havia sido das mais penalizadas em 2020, aquando do confinamento geral ditado pela pandemia, não tendo recuperado em 2021 como outras economias», acrescentando que o atraso na retoma da economia nacional «é um dos fatores que pesa positivamente na alta do PIB no ano passado, a par do bom desempenho do setor do turismo e da resiliência da procura interna até ao terceiro trimestre». No entanto, alerta, «as taxas de juro cada vez mais elevadas ameaçam a economia portuguesa, penalizando o rendimento disponível, a procura interna e o investimento das empresas».
O economista defende ainda que a melhoria do lado da oferta «tem permitido um maior crescimento económico e uma descida da inflação», avançando no entanto que «o significativo aumento dos juros ameaça o crescimento económico, comprometendo gradualmente a capacidade de financiar futuros investimentos, penalizando também os financiamentos das famílias e empresas endividadas, à medida que se renovam os empréstimos, agora a taxas de juro muito mais altas».
E antevê que a procura «ainda resiliente, em grande parte devido às poupanças, em resultado da pandemia e do confinamento, poderá ser penalizada nos próximos meses, à medida que a alta dos juros deteriora o rendimento disponível, sendo uma ameaça às vendas das empresas e ao crescimento económico».
Já Henrique Tomé, analista da XTB, diz que Portugal «estará sempre muito exposto ao que poderá acontecer dentro das principais economias europeias», defendendo que «se a conjuntura económica da zona euro começar a deteriorar-se, certamente Portugal irá colocar-se numa posição sensível».
Fernando Medina, pelo contrário, apontou que Portugal foi o país que mais cresceu na zona euro. Os números do ano passado «não refletem a realidade portuguesa nem servem como referência para antecipar uma nova mudança em termos de crescimento no país», comenta Henrique Tomé, acrescentando que o facto da economia portuguesa ter crescido acima da média europeia no ano passado «deve-se pelos efeitos base do ano anterior e também pelo facto de a economia nacional não ter tido tanta exposição ao conflito no leste da Europa em comparação com os restantes países europeus».
Numa análise mais alargada diz que «conseguimos ver que a economia portuguesa pouco cresceu ao longo dos últimos anos e inclusive tem sido ultrapassada pelos países no leste da Europa».
Já Mário Martins nota que este crescimento foi sustentado no turismo. É uma notícia «positiva, mas continua a ser um crescimento sem melhoria significativa nos rendimentos médios».
Recorde-se que os economistas da Católica dizem que a economia portuguesa deverá ter «desempenho frágil» em 2023 e que deverá ter crescido 6,5% em 2022. Já o Fórum para a Competitividade estima um crescimento do PIB entre 0% e 2% em 2023.