Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
O valor dos salários pagos pelas empresas está diretamente relacionado com a sua dimensão. Isto é, quanto mais trabalhadores tiver, mais altos são os ordenados dos seus trabalhadores. E isso é visível pelos últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em setembro,segundo os quais a média salarial bruta rondava os 1.353 euros – sendo que as empresas até quatro trabalhadores pagam cerca de 968 euros, valor que sobe para os 1,568 euros se tiver entre 100 a 249 trabalhadores.
Mas, se isso é verdade para o setor privado, esta regra não se aplica ao setor público. Segundo os mesmos dados, a administração pública contava em setembro com pouco mais de 731 milhares de trabalhadores e a remuneração bruta ultrapassava os 1.700 euros mensais. Um valor que desce para os 1.281 euros para 3.748 milhares de trabalhadores no privado.
Um cenário reconhecido pelo presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que afirma que «há uma correlação elevada entre a dimensão das empresas e a produtividade nos países da União Europeia». Luís Miguel Ribeiro diz mesmo que, «se Portugal tivesse empresas com maior dimensão média, tal ajudaria a que fossem mais produtivas e que pudessem pagar maiores salários».
Argumento repetido pelo presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP). «Um país com apenas 6.654 médias empresas terá muita dificuldade em crescer. Dificilmente terá grande evolução na sua base exportadora, inovação, produtividade, nível de remunerações, internacionalização e resultados de exploração». Daí José Eduardo Carvalho afirmar que «há muito tempo que defende que a reduzida dimensão das empresas, a par da capitalização, é um dos três principais problemas da estrutura empresarial nacional com efeitos nefastos na economia e no desenvolvimento do país».
Sobre o motivo do tecido empresarial ser dominado por pequenas e médias empresas, o presidente da AEP explica que há um conjunto de fatores que determinam a baixa dimensão média das empresas, «desde logo a reduzida dimensão do mercado nacional, o que requer maiores avanços no processo de internacionalização». Mas não só. «O peso das exportações no PIB (intensidade exportadora), apesar dos avanços recentes, é ainda bastante baixo no contexto europeu, em particular face a países de dimensão comparável». E, por isso, Luís Miguel Ribeiro defende que os estímulos à internacionalização são cruciais.
Já José Eduardo Carvalho considera que este problema confronta-se com uma cultura empresarial refratária a processos de consolidação e à ausência de políticas públicas que os encoraje e dinamize. «Desde 2014 que a AIP preconiza que deveriam existir requisitos de dimensão mínima para se ter acesso a determinadas subvenções ou sistemas de incentivos», acrescenta, adiantando que «esta medida forçaria a celebração de instrumentos de consolidação e de cooperação empresarial».
Por isso mesmo, o presidente da AIP defende que não faz sentido candidaturas individuais de micro ou pequenas empresas em áreas, por exemplo, como a internacionalização e a inovação. E aplaude o facto de o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ter obrigado ao aparecimento de consórcios.
Empresários baixam braços?
Quando questionado sobre se existe alguma tentativa por parte dos empresários em ganharem dimensão, Luís Miguel Ribeiro afirma que é certo que todos o querem, «mas a redução do investimento público condiciona o investimento privado».
O responsável defende que, muitas vezes, as empresas querem investir para crescer mais, no entanto, «os elevados custos de contexto, as dificuldades no financiamento, a par da elevada burocracia no acesso a fundos europeus dificultam muito esse crescimento». Nesse sentido, diz que a situação «exige mecanismos de apoio do Estado a financiamento complementar, nomeadamente por via do Banco Português de Fomento» e que também é importante sublinhar que «as políticas públicas nacionais como que ‘desincentivam’ ao crescimento e aos ganhos de escala empresarial (aspetos fundamentais para penetrar em mercados internacionais mais longínquos), nomeadamente pela maior tributação dos seus lucros», lembrando que Portugal tem a maior taxa máxima de IRC combinada no contexto dos países da OCDE, o que, no seu entender, «denuncia de forma bem visível um enquadramento fiscal pouco amigável».
Já sobre se a aposta no mercado externo não poderia representar uma alternativa no ganho da dimensão das empresas, o presidente da AEP não tem dúvidas de que sim. E explica: «A internacionalização da economia portuguesa é uma das principais chaves para o crescimento e desenvolvimento sustentado». E lembra que já identificou um conjunto alargado de medidas para que, em 2023, Portugal possa alcançar uma intensidade exportadora de 63% do PIB, 10 pontos percentuais acima da meta dos 53% do Governo. «A expansão da indústria (reindustrialização) e a orientação dos fundos europeus para a competitividade e ganhos de escala são os dois grandes catalisadores que a AEP preconiza para essa transformação», acrescenta.
Também para o presidente da AIP, «há experiências internacionais bem sucedidas que devem ser estudadas, trabalhadas e adotadas em Portugal». E não hesita: «Se ganhar escala é o que nos permite inovar em produtos e serviços, porque não há de constituir isso uma prioridade do país? Porque será que somos tão céleres a criar grupos de trabalho, projetos piloto, forçar entendimentos na concertação social, de tendências ainda não consolidadas e adotadas nos mercados nossos concorrentes, como é o caso da semana dos 4 dias, e não nos preocupamos com os problemas sérios da economia e do tecido empresarial do país?».
Mas, apesar dessa aposta, Luís Miguel Ribeiro assegura que o Governo poderia ajudar mais no crescimento da dimensão das empresas. «Além das medidas já referidas (com destaque para o reforço de benefícios fiscais/financeiros para redimensionamento e a orientação dos fundos europeus para a reindustrialização, a competitividade e os ganhos de escala), é urgente a redução da elevada carga (e esforço) fiscal que incide sobre as empresas e os trabalhadores, fatores penalizadores da capacidade de atração e retenção de investimento e de talento. É um custo de contexto transversal, que limita seriamente o crescimento e o desenvolvimento económico em termos gerais, inibindo a capacidade das empresas se expandiram no mercado nacional e internacional», defende.
É certo que há atividades em que é possível ganhar essa maior dimensão face a outras. Apesar de Luís Miguel Ribeiro não querer individualizar setores, diz que «desde logo há uns mais internacionalizáveis do que outros, o que condiciona à partida a capacidade de crescimento dos que estão mais limitados ao mercado doméstico de um país de pequena/média dimensão como Portugal». Ainda assim, acrescenta, mesmo setores ditos não transacionáveis internacionalmente «poderão ser impulsionados pelos setores de bens e serviços transacionáveis dentro de uma estratégia de internacionalização». E diz que, ao nível da reindustrialização, a AEP defende que os serviços conexos à indústria são também fundamentais nesse processo, que é exponenciado pelas tecnologias da indústria 4.0 «e se tornou ainda mais urgente no contexto da pandemia e guerra, pela necessidade de autonomia estratégica da UE num conjunto de bens e setores críticos, de modo a reduzir a sua dependência do exterior».
Peso do salário mínimo
E poderá a subida do salário mínimo nacional pesar mais para as pequenas e médias empresas do que as grandes? «Naturalmente que sim», diz o presidente da AEP. E explica a posição: «Excluindo setores de maior intensidade tecnológica, geralmente, as empresas de menor dimensão têm menor capacidade financeira e tendem, por isso, a empregar uma maior proporção de trabalhadores menos qualificados e a ganharem o salário mínimo, pelo que enfrentam acréscimos de custos superiores, em termos relativos, sempre que há aumentos do salário mínimo».
O responsável acredita que, no geral, «as empresas terão capacidade de pagar salários superiores (nomeadamente as com maior proporção de trabalhadores a ganhar o salário mínimo) se virem melhoradas as condições de competitividade».
Opinião contrária tem José Eduardo Carvalho, para quem o peso do salário mínimo nas tabelas salariais praticadas nas grandes e médias empresas não tem significado. E argumenta: «Quando mais as negociações sociais forem descentralizadas para o seio das empresas, deixando às convenções coletivas de trabalho as matérias que relevam da ordem pública e do direito internacional, mais aumentará o nível das remunerações. Queremos entrar numa economia baseada no conhecimento com um código de trabalho assente nas premissas da 2.ª revolução industrial do século passado».
O que respondem as mais pequenas
«A questão do valor do salário não pode ser aferida só ou sobretudo pela dimensão da empresa», começa por dizer ao Nascer do SOL Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), acrescentando que «será muito mais a natureza da sua atividade a determinar o seu valor». E defende que «pode uma pequena empresa pagar salários elevados e uma grande empresa não conseguir acompanhar esse nível salarial».
O responsável defende que o salário «tem de ser encarado como uma questão social e económica» e que «qualquer empresário que se preze sabe que pagando melhores salários, dando condições de trabalho, aplicando a contratação coletiva do setor, terá melhor rentabilidade laboral». Mas vai mais longe, dizendo que esse mesmo empresário «sabe igualmente que o mercado interno, em que trabalha a imensa maioria das micro e pequenas empresas, está no fundamental suportado pela massa salarial do país. Melhores salários, maior procura, mais atividade das empresas».
Questionado sobre qual o motivo de o tecido empresarial ser dominado por este cenário, Jorge Pisco dá números e defende que é necessário considerar uma análise mais fina desse universo que, em primeiro lugar, é uma realidade universal. «Em segundo, o tecido empresarial português é constituído maioritariamente por micro e pequenas empresas. São 99,6%. As médias juntam mais 0,3 pontos percentuais». Ora, segundo o INE – dados de março de 2022 – existiam: 1.251.564 micro; 41.910 pequenas; 6.479 médias e 1.047 grandes empresas não financeiras. «As micro, pequenas e médias empresas empregam 3.308.000 trabalhadores, 77% do total e geram 60% do volume de negócios», detalha. E defende que «as razões subjacentes a esta realidade serão muitas e diversas. O baixo desenvolvimento económico do país. O pequeno mercado interno pelos baixos rendimentos dos portugueses – trabalhadores, pequenos empresários, reformados», juntando-se «dificuldades no acesso aos mercados externos. Falta de apoio do Estado aos setores produtivos. Uma economia monopolizada por grandes grupos económicos nos serviços essenciais: energia, telecomunicações, crédito e seguros», entre outras.
Mas há alguma tentativa por parte dos empresários em ganharem dimensão? Qual é o entrave? Jorge Pisco é claro: «Achamos que esse é um objetivo que qualquer empresário ambiciona» que é, no fundo «ver a sua empresa prosperar, crescer, ganhar dimensão, ser reconhecida».
Só que, diz o responsável, «nem sempre, ou melhor, na sua maioria, os desejos se tornam realidade. E perguntar-se-á porquê? Criar uma empresa é muito fácil, os problemas começam é no minuto seguinte à sua constituição». E acrescenta que «a teia enorme de burocracia em que se vê envolvida, os custos dos fatores de produção, da energia, do crédito, da justiça, os impostos, os atrasos de pagamento, etc., são ‘dores de cabeça’ e ‘noites sem dormir’, que levam muitos dos empresários a pensar e repensar se devem dar o passo e subir degraus».
Jorge Pisco defende que a aposta no mercado externo poderia representar uma alternativa no ganho dessa dimensão e até, defende, há bons exemplos a seguir. Só que, para que isso aconteça, é preciso «que a nível interno existam os apoios necessários para que as empresas tenham recursos e estabilidade económica. Que consigam ganhar ‘massa crítica’ no mercado interno para se puderem ‘aventurar’ num mercado extraordinariamente competitivo e muitas vezes desregrado, onde temos de enfrentar concorrentes muito mais apoiados pelos seus governos». E deixa alertas: «Basta ver o que aconteceu durante a covid e com a subida brutal da energia! Somos sempre das empresas menos apoiadas da UE. Compare-se com os apoios dados aos nossos vizinhos espanhóis».
Então o Governo pode ajudar as empresas? «Pode, não! Tem o dever de o fazer», defende Jorge Pisco. Como? «Criando uma política de crédito com instrumentos financeiros e condições (garantias, spreads, comissões) para capitalização, investimento, tesouraria e financiamento da componente própria das candidaturas aos fundos comunitários das MPME». Mas não só. O Governo devia ainda, na opinião do presidente da CPPME, garantir «uma política de energia com preços semelhantes aos dos nossos concorrentes da Europa e programas específicos no PRR de acesso aos fundos do Plano de Recuperação para as micro e pequenas empresas, do qual estão completamente arredadas». Junta-se, nas propostas, a garantia de acesso prioritário e simplificado aos Fundos do Portugal 2030, fixando para as MPME um mínimo de 50% do valor destinado a todas as empresas.
Numa altura em que o salário mínimo nacional voltou a subir, o responsável defende ser «muito provável» que pese mais para as pequenas e médias empresas do que para as grandes. E atira: «Mas, como sempre temos afirmado, é necessário que os salários sejam mais altos. Se houver melhores salários, todos ganham. Haverá melhores condições de vida, haverá mais atividade económica».
Será, defende, «um círculo virtuoso em que todos podem beneficiar e não só alguns. A questão é que o Estado crie as condições para que as margens que precisamos de ter na nossa atividade não esteja suportada por baixos salários, mas por uma significativa redução de todos os outros custos operacionais e administrativos».
Jorge Pisco defende ainda que «certamente» que existem atividades em que é possível ganhar maior dimensão. «E até poderá ser vantajoso, desde que essa dimensão não seja construída/feita à custa de uma aglutinação nefasta das micro e pequenas empresas, nomeadamente resultante da sua eliminação e falência como aconteceu na distribuição retalhista comercial».
Mas, para isso, seria necessário a intervenção «eficaz e atempada das autoridades contra práticas violadoras da concorrência (práticas restritivas de comércio, nomeadamente) e abusos de posição dominante e/ou de dependência económica pelos grupos económicos». Mas diz que tem acontecido «perante a incapacidade ou impotência da Autoridade da Concorrência de travar e pôr fim a esses abusos».
Portugal na cauda da Europa
Os mais recentes dados do Eurostat – divulgados pela primeira vez – mostram que o salário médio anual das pessoas empregadas na União Europeia (UE) a tempo inteiro foi de 33.500 euros brutos em 2021. Um valor que, conforme mostram os números, é bem mais elevado face ao que é registado em Portugal: 19.301 euros. Com este valor anual em 2021, o país encontra-se no 17.º lugar da tabela.
O ranking é liderado pelo Luxemburgo, com um valor muito acima da média: o rendimento médio anual per capita é de 72.247 euros. Os seguintes lugares são ocupados pela Dinamarca e Irlanda, com vencimentos de 63.261 e 50.347 euros, respetivamente.
Já no fim da tabela está a Bulgária, onde se aufere em média 10.345 euros por ano.