A crítica e a cultura estão entrelaçadas para o bem e para o mal, lembrava Adorno, adiantando que esta só é verdadeira a partir do momento em que actua, mesmo que implicitamente, como uma forma de crítica, fazendo relevar os aspectos contraditórios que há em si. Vinca ainda que o espírito que disso se esqueça acabará por vingar-se de si mesmo através dos críticos que venha a criar.
Se hoje vemos as manifestações culturais assumir uma função ritual e celebratória que sinaliza, como sempre, a decadência do próprio momento civilizacional no qual nos vemos lançados, se por toda a parte se recolhem exemplos daquela forma de autocomplacência que reclama a supressão da crítica, isto apenas nos diz que mergulhámos nessa falsa emancipação que permite a irrupção das hordas selvagens no campo do espírito, com a relativização de todos os valores éticos e, decorrentemente, também dos estéticos, sendo que isto se manifesta sempre como uma inveja e uma denúncia contra os aspectos da vida cultural que as excluam. Ora, o que hoje se torna ainda mais decisivo na actuação do crítico é esse gesto contundente através do qual manifesta perante os leitores a independência dos seus juízos, esta autonomia que hoje escapa a todos quantos se movem no plano da criação procurando obter o favor dos poderes instituídos ao beneficiar de um certo prestígio simbólico.
Joaquim Manuel Magalhães sempre foi um dos mais exigentes críticos literários, com uma atitude elitista que resvalava por vezes na snobeira, um registo de altanaria próprio de quem deseja ostentar a sua pertença aristocrática, adoptando propositadamente um tom petulante, e exercitando aquele regime da acrimónia de quem assiste de forma impotente, mas enojado, à dissolução do antigo mundo que tanto estimava perante a barbárie que se impôs com o regime da cultura de massas. Sendo um crítico da cultura que se barricou num último reduto face a esses abalos, um aspecto crucial nesta retirada estratégica passa por traçar em volta da poesia um perímetro de exclusão, e estabelecer a partir desse rincão um modelo de resistência, o qual assume entre nós particular preponderância.
Diz ele que “a única das artes que em Portugal tem uma tradição capaz de poder afirmá-la ao nível dos desenvolvimentos internacionais e a única que tem vindo de novo, nestas últimas décadas, a permitir um diálogo sem influências provincianizantes com outras tradições não locais e sem cair na ansiedade menor de procurar reproduzir com anos de atraso o que se faz no lá fora é, digam o que disserem aqueles que vicejam nas universidades, nos jornais de circulação maioritária, nas agremiações e associações de arrivistas e escritores bem comprometidos, a poesia”. Mas esta mesma se vê cada vez mais confrontada com certos abusos, “devido em grande parte ao facto de o verso livre (mais ou menos radical) se ligar cada vez mais a um querer dizer a que todos se julgam com direito só por se pensarem capazes de sentir com certa intensidade”, frisa Magalhães. E logo serve a imagem caricatural que reflecte de forma grotesca o perigo que vê emergir: “Dos gemidos sentimentalóides das pechas de íntimos quotidianos e das invectivas grandiloquentes em nome de ideais de fotocópia estamos muitos cada vez mais fartos, (equivalentes dessa vontade de exprimir-se que dantes se mecanizava na facúndia de sonetos e outros estereótipos que constituíam o hábito hilariante de tantas primícias e términos literários).” Depois exprime a sua convicção de que a poesia não é outra coisa que não o falar que coloca toda a sua urgência num vigor expressivo que se ganha com “uma arte da contensão”, ou seja, um desejo que, para armadilhar o eco mais produtivo, aprende a fazê-lo emergir e esplender dentro de limites, “que voltam a exprimir a árdua inventividade que é a arte a que só alguns podem dar voz”. Trata-se, portanto, de uma disciplina de eleitos, uma vez que “não basta querer escrevê-la, como querê-lo pode ser a forma mais directa de a não conseguir realizar”.
Por aqui vemos já como esta prosa ensaística fica a dever o seu poder a uma voluptuosidade retórica, à capacidade de se articular entre as anfractuosidades e os balanços da língua, entre aquele prazer que o ouvido tem de percorrer um caminho incerto entre tantos ecos, e, assim, com aquele rigor que exige dos versos, Magalhães vai desvelando de forma ora serena ora tumultuosa, essa sua compreensão de que “a própria poesia funciona como limite da sua escrita”, uma vez que, de “cada vez que se tenta, há o peso infindável de tudo o que foi escrito a impedir a repetição. Cada vez que se busca, há a resistência das palavras a dizer o que se pretende.” Fala-nos dessa “inúmera prisão” que é o processo pelo qual esta arte se confronta não apenas com a tradição, mas igualmente com “os modos da época, as convenções, o estado da linguagem, a corrente da sensibilidade, a disponibilidade do ser. Há, no poeta, essa adesão aos seus limites, de tal modo que se torna um leitor do seu próprio destino: “Não conseguirei ter o direito de escrever um poema como devo ter o direito de aprender, de votar, de escolher a minha forma de vida.”
Como escreveu Pierre Bettencourt, “respeita-se a lei na rua, um pouco menos no quarto e no sentimento. Ah! Dêem-me uma prisão, e nela, bem isolado dos outros, perigoso só para mim, à rédea solta me hei-de dedicar à raiva de ser eu mesmo”. Por sua vez, e a propósito desse sentido de integridade que o autor busca escapando do fascínio de influências demasiado próximas, e procurando provar a sua distância face ao seu entorno imediato, JMM defende que, na poesia, “somente conta o irredutível elemento do desigual, a solidão com que ninguém deve interferir”. E isto deve levar-nos a pensar no porquê de ser esta arte discursiva essa margem para que não se perca inteiramente aquele sentido do risco e do desafio frente ao regime implacável de tudo aquilo que a sociedade hoje nos impõe. Seria útil aqui considerar como a resistência da poesia em desaparecer, apesar dos contínuos avisos de morte próxima que se repetem desde há muito, pode explicar precisamente como ali vigora uma espécie de lei da excepção, “uma mistura de lucidez destrutiva e de culto pelos sentimentos mais efémeros”, como nos diz Juan Luis Panero, num de uma série de sublinhados que JMM fez a partir de ensaios daquele escritos a propósito de outros autores. “Quem sabe se nesta longa agonia, que já dura tanto quanto o nosso mundo e a nossa civilização, não está a chave da sua existência e do interesse que alguns poetas despertam”, adianta Panero.
A par do alcance das suas intuições, que se organizam por um processo de leitura que vai rente aos versos de outros, a atenção aqui ganha balanço e vêmo-la ser espicaçada, uma vez que os textos não se lançam numa correria destemperada para segurar alguma tese, antes detêm-se, mergulham e colaboram, fazem da sua compreensão uma radiância, um regime de conexão e sentido, informando o leitor, esclarecendo sobre aspectos cercantes que permitem interpretar mais fundo e até mesmo desenvolver certos tópicos. São textos exemplares daquele regime de “comedida emoção e desmesurada compreensão” (Juan Luis Panero) que há a esperar da crítica mais empenhada. Nos momentos mais pregnantes, assiste-se a uma forma de contemplação carinhosa, acompanhada, tão gozosa como uma boa conversa perdendo a noção do tempo, ao mover-se deliciada pelo voraz sentimento da vida e por essa veloz prática dos cruzamentos entre tão dispersas referências culturais no confronto mais directo possível com algumas formas da realidade. Como nos diz às tantas a propósito de um dos poetas que mais colhe a sua estima (José Miguel Silva): “ele junta o tempo ao coração, o desamor ao enamoramento, a exercitação no funesto à infatigável surpresa por alguns traços de alegria, prazer e até beleza que a vida, por via da poesia, por via da vida, lhe auguram”.
JMM diz-nos no prefácio à antologia de Panero, e em tantos outros momentos da sua actividade enquanto crítico, entender que “um dos melhores locais para um autor se nos revelar (fora do campo memorialístico) pode muito bem ser nos textos que ele próprio tenha escrito ainda que sobre a actividade criativa de outros, se esses textos tiverem a qualidade de inteligência, sentimento e sabedoria equiparável à da sua própria obra”. E num dos textos que encerram agora este seu volume de ensaios de crítica, faz questão de vincar esta ideia: “Nunca notei que ter falado sobre poesia me afastasse da minha poesia; com o maior dos cuidados, sempre vi ambas as tarefas como continuações de quase o mesmo ímpeto dentro de mim.” E, logo no arranque da introdução aos dois volumes da sua antologia “Poesia Espanhola de Agora”, esclarecia que, “em grande parte, resolvi fazer esta antologia para fugir a escrever eu próprio poesia durante um relativamente longo período de tempo”. Acrescentando, de seguida, que esta era uma forma de não abdicar dos caminhos para o deslumbramento, não deixando de lidar com outra poesia, “pela qual sentia uma sedução desorganizada e que gostaria de organizar para mim mesmo”. Assim, JMM sempre assumiu que, de algum modo, andando por aí, perdidos, os poetas “ajudam outros a habitar o mau mundo comum”. Isto nos leva a considerar como esta é uma crítica cuja profunda inquietação interpretativa se reconduz a um desejo de “saber enfrentar com dignidade e inteireza a derrota anunciada”, procedendo ao esconjuro da morte e da passagem do tempo, conseguindo dar forma a algum casulo verbal onde não deixem de renascer uma e outra vez esses momentos em que o sonho e a recordação constroem um cenário perfeito. Esta seria, no fim, “a única imagem memorável que um ser humano pode deixar atrás”.
Por outro lado, e também em defesa deste sentido da poesia como uma demanda entre esses caminhos sem escola de forma a revigorar uma interioridade irredutível, JMM esteve sempre consciente do perigo de se encerrar nessas “definições absolutizadoras, “que sempre agradam ao jornalismo primário ou esquematismo dos fazedores de manuais”. Mas se o fez foi não tanto por não ter forçado essas definições, mas mais por nunca se mostrar inteiramente satisfeito com nenhuma delas. Às tantas parece mesmo dizer que se escreveu tanto isso foi sinal dessa insatisfação enorme: “Por mim, se ando à procura de me cortar palavras, isso é apenas sinal de que não gosto do que publiquei e de que vejo a poesia como um modo de andar perdido.”
Seja como for, isto nunca o impediu de assumir um tom judicativo e bastante categórico, o qual talvez o levasse a mostrar uma exigência cada vez maior consigo mesmo, a esforçar-se por se entender e, igualmente, por fazer entender melhor, o que antes quisera dizer. Isto levou-o a repetir-se tantas vezes, afinando até uma precisão insana o mecanismo de um relógio de bolso como se assim pudesse trazer uma ductilidade maior ao próprio tempo. O curioso é o quanto esse exercício não nos cansa. Não deverá haver outro autor que pudesse, com o mesmo proveito, reunir quase tudo o que escreveu nos jornais, sem que isso fosse lido décadas depois como prosa de circunstância, quase sempre datada, e, nos momentos mais exaltados, necessariamente patética. A verdade é que esta é a obra decisiva da nossa crítica literária no que respeita à atenção dada aos poetas contemporâneos, e não é que os juízos do autor sejam incontestáveis, mas talvez isso se prenda sobretudo à cumplicidade que se estabelece entre a poesia que é lida e os comentários que são feitos nestes ensaios. E estes surgem num contraste quase chocante face àquilo que ainda vai aparecendo à laia de crítica literária nos chamados jornais de referência. Deparamos quase só com escrita de péssima qualidade, ou mais levezinha e muito chã, incapaz de pesar ou dirimir aspectos menos óbvios, ou abstrusa e ridiculamente pretensiosa, o que tem levado a que, hoje, os leitores de jornais, no fundo se estejam a deseducar, a viciar-se nos piores facilitismos, e já se encham de arrepios diante de um parágrafo mais façanhudo. “Eu sei que existe uma preguiça tremenda no ler, habituados como estamos à unidimensionalidade das escritas mercadejáveis”, anota JMM a certa altura. Damos aqui com longos parágrafos de uma soberba desenvoltura e intensidade expressiva, com uma relação vocabular que oxigena e leva um fluxo sanguíneo radiante a partes aparentemente necrosadas do idioma, aliando fulgor a um registo inquiridor extraordinários, numa expansão das possibilidades do ensaio enquanto exercício linguístico capaz de propor uma trama de imprevistos nexos, criando um espaço de contemplação que multiplica as possibilidades e que já não se encontra, hoje, em nenhum dos autores que parecem ainda bater-se para que não se suprima esse lado exploratório em que a escrita é ainda o elemento crucial para abrir novos caminhos na reflexão, sendo este esforço já combatido e denunciado como se impusesse uma barreira à comunicação e ao entendimento de leitores que preferem ver-se encerrados em composições rudimentares, circulares e frívolas, que se limitam a ecoar os preconceitos entre os quais se esgrime a vulgar retórica deste quotidiano asfixiado.
Destas páginas retira-se um inescapável exame post-mortem ao regime concertado que nos atém a produções culturais que apenas fazem desfilar velhos espectros e novidades descabeladas, não nos conseguindo livrar de um cadáver em eterna e asquerosa decomposição no centro de todas as manifestações. E talvez nunca como aqui uma intervenção crítica, acompanhada de um dominado fulgor testemunhal, que não renega sequer a emoção, tenha conseguido demonstrar uma tão exemplar capacidade de forçar o leitor a rejeitar o engodo que lhe servem os actuais agentes de divulgação sempre tão comprometidos com esse plano de sujeição ao já existente. De resto, alguns dos momentos mais exaltantes nestes ensaios são precisamente os tantos cabeçalhos ou derivas em que o autor se atira a essa via rápida em contramão e numa vertigem estrondosa para provocar o despiste de quantos reforçam o trânsito no “contágio promocional de que vivem os colaboradores de hebdomadários onde se trava a luta pelas primazias, as precárias e queirosianas primazias, do nosso sombrio mundo cultural”.
Joaquim Manuel Magalhães assistiu à transformação do espaço mediático e do próprio sector editorial e livreiro e empenhou-se como mais ninguém num incessante e denunciador exame da “desvergonha com que sobrevivem as torpezas publicitárias de incertos semanários e das várias editoras que se servem de maquinações afins, apoiadas em nomes ensaísticos de vendilhões que passam por universitários e de universitários que mais não desejam que ser vendilhões, e que, como hoje se tornou ostensivamente claro, ao impingir os seus frutos artificiais de criação, impôs o gosto de um público que não apenas confunde a publicidade com a literatura como tem sabido salvar-se de apuros soterrando quaisquer avanços imprevisíveis no âmbito literário”. Assim, JMM foi quem, depois de Luiz Pacheco (nome junto do qual detestaria ver-se elencado, fosse em que lista fosse), mais longe foi nessa tarefa de expor ao ridículo e zurzir vigorosamente todas as manobras e os surtos de “aldrabice cultural” que são, no fundo, a verdadeira moeda corrente num ambiente intelectual bastante amorfo, que se caracteriza por uma combinação de pedanteria e ignorância, empenhado sempre em ignorar as mais audaciosas propostas até estar em condições de as neutralizar por uma série de efeitos que conduzem da zona do desprezo a uma zelosa e inútil vigilância admirativa.
“Tal como quase todas as actividades nacionais, assiste-se no sector literário a uma profunda ruína de comportamentos e a uma preocupante acumulação de falsidade encomendada. O comércio mais descarado da figura própria, o oportunismo que tira a mão da caneta e a leva a passear-se matreiramente no lombo de um grupinho, os requebros gulosos diante dos tradutores medíocres que nos visitam atraídos por algumas bolsas, a programação dos elogios reacendidas nas alturas em que se tem um livro para sair, tudo se conjuga para confirmar uma selva de promoções falsas ao dispor dos jogos partidários e do meandro das influências, da intriga, do arrivismo mais rapidamente matreiro. A atracção pelos prémios literários, pela fotografia nos jornais, pela facilidade dos epigonismos com vista ao best-seller de tiragem saloia campeiam como sintoma de uma degenerescência ética alarmante. E, ao contrário do vale-tudo agora defensivamente assumido por quase toda a gente, eu acho que os comportamentos dos poetas devem configurar, em integralidade, uma ética radical, longe da impostura, da venda inventariada palmo a palmo, de quaisquer hábitos de delação inquisitorial permanecidos como fundo de maldade socialmente congénito.”
Mas ainda que tenha sido quem mais longe foi nesta denúncia, não deixa de ser tão mais revelador o facto de o próprio JMM não poder ele mesmo isentar-se de uma actuação em que não deixou de, contrariando este regime, no tocante à poesia, procurar impor um espírito de grupo dominante, e não se livra disto mesmo que tente baldadamente caricaturar aqueles que também colocam reservas ao seu próprio triunfo enquanto juiz implacável que chama todo o aparelho cultural a julgamento. “O pior é quando, maliciosa e mediocremente, querem dizer um disparate; que o ‘voltar ao real’ é uma táctica para encarreirar rebanhos de poetas. E depois ligam essa frase não a mim ou ao que disse numa crítica a António Osório e mantive num poema, mas antes a um maquiavelismo de guiar poetas nacionais (logo a mim, que odeio discípulos).” Uma afirmação como esta seria comovente se não nos fizesse rir, surgindo já na página 1136, e com tanta maquinação e sectarismo no seu rastro. O facto é que, por mais álibis a que se agarre, seria fácil, ainda que fastidioso, oferecer toda uma lista dos tantos momentos em que JMM entra em clara contradição com aquilo que ele mesmo prescreve, exemplos do seu cabotinismo, do enviesamento e dos malabarismos retóricos a que se entrega, não conseguindo esconder quando os seus juízos decaem num regime meramente cerimonioso, não menos competente e hábil, mas ainda assim revelador de um ânimo de funcionário. Ao longo de uma produção crítica quase sem paralelo nos jornais, foi sempre ele mesmo negociando para si um regime de influência que passava por não ignorar inteiramente alguns dos elementos que iam conseguindo impor-se no campo cultural, e isto ao ponto de se ver obrigado a, já em 2022, numa das raras notas apensas à laia de adenda aos textos publicados, não retirando o que escreveu a propósito de Tolentino Mendonça, se mostrar alheio à meteórica ascensão desta figura hoje inescapável: “Acrescento de 2022: O perniciosamente menos bom é que este autor, que permitia às vezes leituras mais amplas até este livro aqui referido [“Longe Não Sabia”, 1997], se vai tornar um produtor de glosas moles dos lugares comuns do pensamento cristão, que é muito mais forte do que as banalidades melífluas a que dá voz, enquanto medíocre versejador de lugares comuns para sacristias pífias.”
Entre as tantas formas de dissimulação de um esforço crítico que encontrou sempre maneira de coser na bainha um minucioso e insistente programa, e ao mesmo tempo que produzia enlevo, operava um condicionamento dos caminhos de invenção na poesia, e isto por parte de um autor extremamente consciente das suas próprias limitações, e até dominado por uma espécie de ressentimento que o leva a reconhecer que foi forçado a virar as costas e escrever “contra” aqueles autores por quem nutria uma admiração de tal modo forte que ameaçava obliterar a sua capacidade de invenção autónoma. Mas a verdade é que se a crítica de JMM é tão sedutora é precisamente por haver nela uma tão forte componente dramática. Ele é toda uma corte e as suas enfáticas intrigas, que se desenrolam num discurso crítico que, estando minado por peguilhas, é nesses momentos que se torna mais autêntico e directo, deixando claro ao que vem, como se o resto fosse muitas vezes apenas um substracto para se entregar a severos ajustes de contas.
Em JMM convivem como em poucos autores a grandeza e a mesquinhez, os maiores entusiasmos e assombros a par de cálculos, de um tacticismo e de uma estratégia que tinha em vista enfeudar os poetas, sendo notória a forma como tantos, em alguns casos de forma bastante produtiva, acataram as suas prescrições e o receituário que o crítico lhes impôs. Outros foram simplesmente metidos ao bolso. Isto não ocorre simplesmente por se lhe terem vergado, mas era uma função dessa quase involuntária homenagem a um espírito que dava sinais de uma capacidade de ler os movimentos da poesia e colocá-los em perspectiva, isto quando muitos dos que a escrevem o fazem pisando de forma bastante insegura nas areias movediças da tradição. Isto tudo se deu numa época em que já escasseavam os discursos críticos que soubessem fazer mais do que convocar alguma névoa para perder quem neles entrasse, fazendo os possíveis para cumprir com a impostura da seriedade, mas incapazes de oferecer qualquer eco, de formar algo mais do que esses pedestais demasiado passageiros, oferecendo aos poetas retratos com aquelas grotescas expressões de estátuas, de tal modo que eles mesmos acabavam por ceder à pose e ao bronze, e isto quando cada um balançava entre uma convicção íntima da força inigualável do seu génio para se sentir no momento seguinte só mais outro palafreneiro. Um crítico extraordinário pode sempre ser uma presença muito mais determinante do que alguns bons poetas incapazes de estabelecerem entre si um diálogo que ofereça a uma época algum sentimento mais profundo de si mesma. Joaquim Manuel Magalhães deteve um império da construção desse panorama menos evidente por se furtar àquele tom de feira com que alguns críticos, e, à cabeça de todos eles, Eduardo Prado Coelho – um dos alvos evidentes de tantos dos textos aqui recolhidos –, que não se continham e, a cada semana, declaravam mais um génio incontornável. “Numa entrevista, numa recensão, num outro lugar escuso, lá vem o desbragado superlativo como se de fundamento crítico se tratasse”, nota JMM. E prossegue este diagnóstico, o qual não perdeu o seu vigor, mesmo se hoje os suplementos culturais não passam já de tímidos catálogos para os eternos debutantes. “Talvez seja a tentativa de criar uma linguagem maneirinha com que os jornais de preocupações culturalizantes esperam dos seus colaboradores, (que certas vezes acumulam entre si), um distanciamento do tom de redacção escolar enfadonha que semeia o academismo de sectores mais oficiosos – para já não falar das revistas das universidades portuguesas, uma vez que tais blocos de sabedoria (!) não chegam nunca a quase ninguém, felizmente. Não sei. O que sei é que podiam poupar os poetas a essa humilhação – que nem mesmo o afago do ego impede – de serem hipostasiados de uma forma que só os mais ridículos entre eles não sabem sentir como é ridícula.”
Apesar do tom zombeteiro e cáustico que domina tantas destas páginas, noutras alturas é impossível passar ao lado desses cálculos que explicam porque JMM eleva ou defende poetas menoríssimos e obras que roçam o deplorável, sendo certo que tão depressa como haviam caído nas suas graças também estavam conscientes de que logo seriam excomungados e se veriam do outro lado da sua estima, colhendo o seu absoluto desdém, isto se alguma das suas atitudes lhe causasse agravo. No fundo, sempre foi um juiz que não respeitava nenhuma outra lei senão a do seu capricho, servindo-se do ascendente que tinha sobre tantos poetas mais novos para os colocar de castigo na sua órbita.
De resto, e à distância de uns anos, tornou-se bastante evidente como o grande cisma que a certa altura parecia dominar todos os debates e querelas em torno da poesia das últimas décadas não passou de uma polémica em segunda mão numa encenação um tanto frouxa e para disfarçar antagonismos de natureza puramente pessoal, uma vez que, do ponto de vista estético, uns como outros, chegaram cedo a um mesmo beco sem saída, uma expressão que, tendo embora aqui ou ali tonalidades mais agudas, acabava sempre repetindo-se a si mesma, obrigando os poetas a construírem esses monólogos paralelos à poesia, uma crítica que procurava dramatizar meras diferenças de matiz de modo a justificar a irrelevância dos versos no que toca a criar um novo modo de sentir as coisas. Assim, quase sempre os críticos apareciam como tribunos de si mesmos, e foi já tardiamente que se entregaram a inversões um tanto ou quanto desesperadas, dando-se conta da esterilidade dos seus versos lançados a uma guerra bairrista. Haviam cultivado um estilo tanto mais exíguo e reconhecível quanto menos se mostrava capaz de abalar profundamente o terreno em que se movia. E, sabendo-se criadores menores, relacionavam-se angustiadamente com os ecos de poetas que, alheados desses teatrinhos, extravasavam o regime de menoridade com que se compraziam estes nas suas disputas territoriais. No fundo, vieram depois de poetas como Cesariny e Herberto Helder, ou até António Franco Alexandre e Alberto Pimenta, mas chegam a parecer anteriores, mais comedidos, mais recatados, menos capazes de produzir abalos profundos, e – o pior para um poeta – de algum modo até regressivos ou reaccionários.
Esta falta de audácia explica porque é hoje muito mais difícil que venha a surgir um poeta maior entre nós. Há medida que a poesia enfraquece, que o todo esmaga a consciência individual e lhe deixa pouca margem para se furtar, derrotando a sua capacidade de diferença, reduzindo a um simples matiz na uniformidade da oferta, haverá cada vez mais agências de informações, de explicações, de palavrórios à volta das coisas que deviam expor-se por si mesmas e não tentar impor-se através destes circuitos de promoção. Se nem todos nasceram para ser profetas, muitos dos que nasceram para ser tosquiados já se animam com as perspectivas de obter algum lucro e até prémios pelo seu algodão. À medida que o espírito adere cada vez mais, como mero ornamento, à subestrutura, da qual diz estar separado, como alertava Adorno, a situação existente impõe-se de forma de tal modo implacável que o espírito não apenas se resigna a ser comercializado, mas vai reproduzindo as categorias predominantes da sociedade, incapaz de se colocar à margem e defender um espaço de diferença, deixando-se diluir nas mesmas estratégias de afirmação no campo social. Por isso, vemos hoje os poetas lançados nessa corrida parola, entrando no regime da competição celerada, achando que um prémio poderá fazer alguma coisa pelas suas obras, acabando por se assemelharem cada vez mais ao já existente.
Há uns versos em que JMM reconhece isto mesmo, num longo ensaio quebrado em versos, com o título “Um Lugar Comum”: “Há movimentos ou indivíduos que empastam/ a novidade nos momentos já finais/ em que conhecer se torna o precipício/ do provincianismo, seguidores epígonos;/ o culto do lá fora quando já não é/ ‘lá fora’ nada do que julgam ser por lá./ Chegam por não terem podido chegar antes/ ou por buscarem cosméticos para as rugas/ do que neles já nasceu para ter idade.”
Contudo, e apesar de toda a sua lucidez analítica, de cada vez que JMM nos vinha dizer que “será difícil deixar de me convencer que o realismo mimético é um dos mais altos conseguimentos em arte, precisamente porque firma em verdadeiro o que é suposto da imaginação”, tornava-se mais difícil não encarar como um programa essa fixação com um conceito tão inabsorvível como o do “real”, seja voltando atrás, indo para à frente, apalpando mais à esquerda ou à direita. Isto para vir depois ele mesmo esclarecer que dali não podia, afinal, retirar-se nada de mais consequente, nem um programa, nem sequer um termómetro para se tirar a temperatura desta ou daquela poética: “Nunca pretendi definir, porém, o que fosse o ‘real’ para a poesia. Ou que o ‘real’ representasse uma dimensão consistente e contínua, como sabe que não qualquer pessoa medianamente informada. Ou sequer que existe um real ali adiante, de que todos se podem servir à sua maneira. Entre as palavras e o existente, a captação é uma hipótese em contínua mutação. Olho à minha volta e sei lá como se institui o real, mesmo de uma forma relativa. Só posso saber que ao mundo multiforme responde a inquietação da minha interioridade. Ainda que goste do conceito empírico de real.”
Numa espécie de balanço final, que não deixa de se vincular a um enfático ressentimento, diz-nos que nunca pretendeu outra coisa senão rir e fazer rir “desta fanfarra que nos cerca”, ao mesmo tempo recordando que estamos somente a despedirmo-nos, “a caminho do que todos sabemos e não vale a pena nomear. Todos muito miudinhos, já ninguém nos vê.” Mas ainda que, no final, tenha tentado furtar-se às polémicas aberrantes que dominaram as discussões sobre a poesia até à primeira década deste século, não há maneira de JMM se esquivar a todos os sinais que fazem dele o mais tenebroso e singular, por vezes também o mais admirável, dos carrascos, um estupendo inquisidor, que soube propor um perturbador e intrigante retrato do nosso meio cultural, dirigindo contra ele mesmo esse fundo de maldade socialmente congénito que se urde nas oposições bastante estéreis de quem se deixa envolver nas suas malhas. E foi tantas vezes jogando na sombra dos textos de crítica a este ou àquele autor ou livro expressamente mencionados que JMM se deu a liberdade de actuar como um mestre bonecreiro, entretecendo implicitamente as suas acusações, eivadas de um nível de acinte insuperável. E isto quase sempre sem nomear os alvos e, por isso, furtando-se muitas vezes a fundamentar os juízos mais severos que nestas páginas se vão destilando como um veneno, limitando-se a um registo de insídia persistente, que não chega a organizar as suas impressões criticamente.
Uma das raras vezes em que nomeou aquele que foi o principal dos seus ‘adversários’ surge já entre os textos até aqui ainda não publicados em livro, aquele em que se debruça sobre José Miguel Silva, dizendo-nos que “foi o esforço de poetas novos como este que veio forçar – depois de terem ignorado dois ou três avisos textuais anteriores – velhos poetas praticantes e defensores do malabarismo sintáctico e da linguagem desligada da imediata destreza do seu jogo com o real (como acontece, entre outros, com um dos mais burros dos muitos poetas burros que nos enxameiam, Gastão Cruz) a terem de reciclar-se e a passarem – em tardio e epigónico lifting poético – a perceber o valor das breves históricas concretas, o peso do trivial quotidiano (sem qualquer sujeição ao primarismo do desconchavo linguístico beatnik, de que entre nós é exemplo Al Berto) e a incluí-los em mudanças estratégicas dos seus mais recentes discursos poéticos e até críticos”. Como por aqui se vê, o que não falta é uma componente dramática a esta forma de exercer a crítica. No entanto, se este não deixa de ser o registo habitual de JMM, o facto de na maioria das vezes se retrair no momento em que se exigia que fosse até ao fim, parece expor um calcanhar de Aquiles, uma falha séria no compromisso de radicalidade que ele mesmo exige. A sua justificação é esta: “Costumam dizer os seus apaniguados a soldo: diga os nomes. Mas não vale a pena: quem ainda não percebeu fica sempre sem perceber, quem já sabe vê logo do que se trata e os implicados aproveitar-se-ão ainda desse mais que é a inovação, mesmo que negativa.”
Se nada temos a obstar ao exercício de crítica sulforosa a que o autor procede nestas páginas, não é possível deixar de notar que esta postura evasiva é uma evidente concessão e um receio de arcar com o preço que teria a pagar se fosse até ao fim, identificando os implicados, e, naturalmente, comprometendo as suas próprias aspirações enquanto poeta. Incapaz de se conter perante a sua propensão para a calhandrice, não deixa de ser curioso como depois JMM não se cansa de sinalizar de forma mais ou menos subtil o seu desejo de entregar cada um ao seu destino: “há autores como este, que conseguem forçar a criação de um gosto a par de outros gostos, e nisso X [o poeta em questão nem interessa, pois muitas vezes JMM serve-se dos autores meramente como crash test dummies para fazer valer os resultados das suas experiências ou acidentes controlados] tem mostrado sempre que sabe quando a poesia de um poeta não deve existir para impedir a poesia de qualquer outro poeta. Apenas lhe importa a qualidade de que é capaz.”
Seja como for, mesmo os aspectos que apontam para um mau carácter, às vezes fingido e birrento, nem estes devem impedir-nos de admirar um crítico que, sendo de tal modo inteligente, parece incapaz de resistir à atracção da perversidade, de dar largas à sua sofisticação despótica, não fazendo mais do que vingar-se de todas as limitações que a própria época nos impõe, recreando-se e estabelecendo uma larga intriga, de modo a poder testar a sua tremenda força persuasória. Afinal, se alguns gostam de jogar xadrez contra si mesmos, servindo-se da ficção para construírem conflitos que de algum modo espelham as dimensões mais complexas e contraditórias da realidade, outros preferem actuar sobre a própria realidade que podem afectar, agir como diabólicos cortesãos, manobrando aqueles que se lhes oferecem como títeres. E seja como for que se encare o alcance desta monumental obra de crítica agora reunida num só volume, é inegável como mais ninguém entre nós foi tão longe ao tecer em várias camadas uma crónica que, no próprio ardil discursivo, produz uma série de abalos no campo que retrata.
Ao mesmo tempo, se JMM se mostra tão sagaz neste jogo, não podemos deixar de ficar espantados com a argúcia, as atribulações retóricas e a feroz habilidade com que o crítico nele vem consolar o poeta que, apesar de tudo, suspeita que nunca estará entre a primeira linha da tradição que ele como poucos tanto admira e sobre a qual tão comovida e outras vezes tão dilaceradamente se debruça, tornando-se dolorosa a percepção de que nunca quis outra coisa senão ver o seu nome inscrito nela. E se a leitura destas intenções ulteriores é algo que escapará à maioria dos leitores, mesmo assim, e mesmo aqueles pouco interessados nestas leituras psicologizantes, não poderão deixar de sentir o apelo destes textos pela sua capacidade de articular impressões que escapam inteiramente ao registo mais vulgar dos lugares comuns que produz a maioria dos actuais cronistas, com uma informação exposta de forma clara, apoiando-se numa renhida erudição, que permite a JMM fazer da crítica um imenso estômago, em que a digestão acaba por ser favorável não só ao modelo que o autor firma, como organiza à sua volta aqueles com quem mantém afinidades electivas, mas sempre também afectivas. Mesmo que a maioria destes poetas venham a ser quase todos esquecidos, é quase certo que esta obra persistirá devido à sua rara fundura expressiva, à tremenda amplitude vocabular, a um encadeamento que enobrece a reflexão, revigorando o pensamento e a afeição pela nossa própria língua.
Isto só é possível porque, apesar de todos esses elementos que ajudam a criar um regime de contrariedades e, por isso, a fazer emergir uma trama de enfrentamentos, não faltam por aqui momentos que provam a enorme generosidade do autor no que toca a um esforço sempre tão exigente de compreender, sentir à queima-roupa, definir claramente e valorizar na sua singularidade os autores tratados, incluindo alguns que não beneficiaram de qualquer fortuna crítica, e que arriscam ser ocultados face àqueles que hoje andam sempre na boca de todos. Assim, este livro insurge-se de certo modo, e há nele esse regime excepcional em que alguns, por fim, se vêem retratados com justiça, agraciados por um reflexo de uma inteireza clamorosa. Isto leva-nos a reconhecer como a sensibilidade de JMM funciona como uma História da Literatura que escapa àquele regime dos manuais escolares, porque não se dirige a quem está de castigo e a cumprir com obrigações curriculares, mas serve à instrução e ao resgate da nossa própria humanidade, do sentido do assombro e encanto perante esses momentos de dignidade que redimem o estupor da existência a que nos condenamos. E isto é crucial, pois sobre Portugal poder-se-ia aproveitar aquilo que Gombrowicz disse a propósito de uma outra nação periférica: “de maneira geral, é incrível ver o quanto toda a cultura local advém de um espírito escolar… ao ponto de se ficar com a impressão de que foram as senhoritas professoras que moldaram a nação.”
E é isto, portanto, o que nos permite ler JMM como um dos mais obstinados e apaixonantes autores no que toca a construir uma espécie de grande romance epocal a partir de um cruzamento dos retalhos do nosso lirismo, alargando-os numa série de reflexões de vasto alcance. Afinal, seria um disparate tão grande assim afirmar que ele triunfará como um Balzac que vem dispor dos versos como restos mais cerimoniosos ou fulgurantes para, desses desabafos a que se entregam certos espíritos, proceder a uma irada e até vingativa crónica em torno do disperso génio de uma geração que, se não se salvará produzindo um poeta desses que humilham todos os seus contemporâneos, mesmo assim se vê resgatada, actuando neste registo coral. É também uma vingança do processo crítico sobre outros géneros considerados mais nobres ou criativos, pois é neste abraço enérgico envolvendo um bando de poetas menores, incapazes por si só daquele espantoso desdobramento dos poetas que continham em si multidões, surgir uma colérica biografia colectiva face a um período de inaudita devastação do meio literário e cultural.
Nas épocas mais desarticuladas, e dado a dificuldade de apontar com certeza onde fica o nervo dos homens e, particularmente, daqueles que sentem a necessidade de se afirmar como artistas, de tal modo todos parecem moles e sem osso, JMM mostra-nos que talvez caiba a um crítico estabelecer esse pacto de leitura que permita atravessar a alameda dos desgostos vendo o fôlego de tantos desenhar um rastro nervoso como o de uma cobra. Eis, deste modo, um poeta que se quis compensar do plano mais limitado da experiência individual e da voz desencontrada com os outros e tantas vezes até consigo mesma, impondo aquele intuito da narração fragmentária e descentrada, que não deixa de compor um quadro globalmente muito rico. De resto, o sinal deste desejo de subsunção repete-o algumas vezes o autor, nomeadamente quando defende que “a crítica da poesia só importa por mostrar o próprio terreno da obra de quem a faz, numa geografia de contrastes”. Ou seja, estamos aqui perante uma inversão da poesia que é feita por um e contra todos, com Joaquim Manuel Magalhães a mobilizar estes todos contra um. Ou dois. Contudo, e mesmo se muito pontualmente vai fazendo furos na caixa para a coisa respirar, para melhor nos enredar, assinalando poéticas ou casos desfasados do tal entroncamento mimético do real, e vincando que “as hegemonias de gostos e de grupos literários são inimigas do desenvolvimento equilibrado das épocas poéticas, pelas distorções que provocam e pela impiedade dos juízos que forçam”, e ainda que vá insistindo que a poesia nunca é um sindicato, a verdade é que ele mesmo nunca foi outra coisa senão o mais empenhado líder sindical.