Costa bloqueia tanques

Ao contrário do que foi dito por João Cravinho e Helena Carreiras, Portugal não vai mandar tanques Leopard 2 para a Ucrânia. A decisão é de António Costa e os motivos não são explicados. Trata-se de veículos de elevada complexidade tecnológica, de manutenção muito difícil, e cujas munições custam uma fortuna e escasseiam no mercado.

O chefe do Governo recusou o envio para a Ucrânia de carros de combate Leopard 2, do Exército português, mostrando-se apenas disponível para Portugal dar formação a ucranianos nesse domínio – soube o Nascer do Sol de fonte militar.

António Costa contraria, assim, as primeiras declarações de João Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, que disse que Portugal iria fornecer os Leopard à Ucrânia. Seria também esta a intenção da ministra da Defesa, Helena Carreiras, que no entanto, perante a negativa do primeiro-ministro, acabou por anunciar que a decisão seria tomada mais tarde.

As Forças Armadas desconhecem os motivos do bloqueio de António Costa, especulando-se em meios castrenses que podem ir desde a vontade de não hostilizar mais Moscovo até razões de ordem meramente orçamental, dados os custos envolvidos na operação.

Refira-se que a maioria dos 37 veículos existentes em Portugal – estacionados no campo militar de Santa Margarida – não estão operacionais por falta de peças sobressalentes. É que, apesar de terem sido adquiridos em segunda mão aos Países Baixos, pertencem à gama mais avançada de Leopard 2 (o modelo A6), sendo tecnologicamente muito complexos. Além disso, o Exército não tem nem nunca teve uma única munição real para os blindados dispararem, mas apenas munições de treino.

              

As dificuldades da manutenção

O envio de tanques Leopard 2 para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão russa foi decidido na semana passada numa reunião do chamado grupo de Ramstein – um conjunto de meia centena de países aliados de Kiev (do qual Portugal também faz parte), que têm estado a articular formas de apoiar militarmente os ucranianos.

A deliberação foi tomada depois de Berlim, sob pressão dos aliados, ter abandonado as suas reticências ao envio dos Leopard 2, uma vez que os outros países com o mesmo tipo de blindados  careciam, contratualmente, da luz verde da Alemanha, como fabricante e proprietária da patente, para poderem reencaminhar os tanques para um país terceiro.

O Leopard 2 é considerado o carro de combate que melhor se adequa às necessidades do exército ucraniano, num momento em que se anuncia uma nova ofensiva russa em larga escala, e daí a pressão exercida por Volodymir Zelensky sobre o Ocidente para aprovar e apressar o envio.

O modelo A6, em particular, com a sua alta tecnologia, é considerado o melhor carro de combate do mundo, nomeadamente em termos de capacidade e precisão de tiro (mantém a torre de artilharia estável, mesmo com os balanços da viatura em movimento).

Mas – dizem os militares portugueses que já experimentaram o veículo – a elevada sensibilidade dos seus sistemas (que não podem estar parados, sob risco de degradação e necessidade de recarregamento energético, como acontece com os carros que estão em Santa Margarida), implica uma assistência permanente, pelo que o Leopard 2 só tem sucesso assegurado quando acompanhado de um complexo aparelho de manutenção.

 

Os motivos da resistência alemã

Terá sido essa a razão da relutância germânica em fornecer o equipamento, segundo a mesma fonte militar. «Devido às exigências que têm os Leopard 2, e ao facto de não haver em stock peças sobressalentes para a sua manutenção, estes carros de combate podem começar a parar na frente de combate ucraniana, o que irá deixar mal a Alemanha, e daí talvez a explição para a resistência alemã ao seu fornecimento» – disse a nossa fonte, e acrescentou: «Não é só Portugal. Todos os países que têm os Leopard 2 estão com o mesmo problema, até a própria Alemanha. Não há um sistema de alimentação contínua de componentes, por serem demasiado caras, e a fábrica [a alemã Krauss-Maffei Wegmann – KMW] não consegue manter-se em produção permanente, uma vez que os países com blindados Leopard [um grupo designado LEOBEN, com 18 membros, quase todos europeus] não fazem requisição regular de peças. Por vezes, a fábrica pára, e é quando o grupo LEOBEN se reúne para discutir a falta de peças que a produção é retomada, desde que as encomendas sejam em quantidade significativa».

Para o mesmo militar, a opção pela entrega dos Leopard 2 à Ucrânia representa um pesado fardo para a Alemanha, devido à cobertura que Berlim tem de fazer a toda a operação por forma a evitar o seu fracasso: «A tecnologia deste carro de combate torna-o dificilmente sustentável, a não ser em operações em que os alemães estejam diretamente envolvidos, porque levam o sistema de manutenção atrás. É preciso oficinas muito especializadas, e não sei como os alemães vão fazer tanto com as peças sobressalentes como com os equipamentos específicos. Será que os ucranianos têm técnicos capazes de fazer a manutenção (de formação muito mais demorada do que um operador do Leopard 2) ou a Alemanha terá de mandar para lá gente especializada? Ou, ainda, os carros terem de voltar a sair de território ucraniano para serem revistos? É que, se os alemães forem à Ucrânia para garantir a manutenção, isso pode ser interpretado como um novo patamar na guerra. Seja como for, os alemães ainda não sabem quanto é que tudo isto lhes vai custar. Mas só eles podem resolver a questão. Têm a faca e o queijo na mão».

 

Portugal não tem uma única munição

Provavelmente, para alimentar a intervenção dos Leopard 2 na Ucrânia, a KMW terá de reabrir em plena laboração. O mesmo acontecerá para a produção das munições para os carros de combate, que são de fabrico específico. E essa poderá constituir outra das razões para o Governo português não avançar para o fornecimento dos tanques. «Nós até podíamos oferecer quatro ou cinco carros, mas nem temos munições. São caríssimas. As mais baratas custam 10 mil euros cada. Um carro de combate na Ucrânia dispara para aí 60 tiros por dia. Agora, imagine-se 300 carros [o número pedido por Zelensky] a fazerem tiro. Quem é que produz munições? Se os 300 carros dispararem 40 munições por dia, é fazer as contas [120 milhões de euros]. Imagine-se ao ano [quase 44 mil milhões de euros]! Mesmo que sejam 100 Leopard 2, que deve ser o máximo que se vai conseguir, porque os países estão a tentar fugir de uma vergonha. Se um carro pára por avaria e não há peças, fica abandonado. E há o medo de os carros caírem nas mãos dos russos, que descobririam logo os sistemas de alta segurança de que são equipados. Lá se ia o segredo. Basicamente, pode-se dizer que são bons carros para uma parada militar».

 

Espanha manda ‘sucata’

O jornal madrileno El País, citando fontes governamentais não identificadas, diz que a Espanha enviará para a Ucrânia quatro a seis Leopard 2 A4 (de um conjunto de 200, que possui parados há mais de 20 anos). Trata-se de um modelo tecnologicamente inferior ao português (que o país vizinho também possui, mas de que não quer abrir mão), o qual é classificado pela fonte do Exército como «sucata».

Por seu turno, Lisboa mostra-se disponível para enviar mais um lote de 14 carros blindados de lagartas para transporte de tropas M113, de fabrico norte-americano, à semelhança do que já fez com o mesmo tipo de veículos na primavera passada, e que se encontram prontos a seguir viagem. Em Santa Margarida existem cerca de 135 veículos deste tipo, que não têm grandes problemas de manutenção e dispõem de motores com poucas horas de funcionamento. «Levam uma pintura e estão prontos», resume a fonte militar.

Portugal está ainda em vias de oferecer à Ucrânia oito geradores de grande capacidade para produção de energia elétrica, mais um lote de munições de 120 mm e duas toneladas de equipamento médico e sanitário (de que já seguiu parte na terça-feira por via aérea).

Quanto à formação de pessoal ucraniano por técnicos portugueses, para o uso do Leopard 2, ainda está por decidir se terá lugar em Portugal ou na Ucrânia.