O Banco Central Europeu (BCE) não pára de subir as taxas de juro – ainda na quinta-feira, voltou a aumentar em 0,5% – mas se esse aumento tem impacto nas prestações a pagar ao banco, penalizando essencialmente quem tem crédito à habitação, o mesmo não se verifica na taxa de remuneração aplicada aos depósitos a prazo, defraudando as expectativas de muitos portugueses.
A explicação é simples: enquanto no crédito à habitação, o contrato prevê que havendo subida das taxas Euribor terá de se refletir na prestação do crédito à habitação, no caso da remuneração dos depósitos a prazo, os valores estão dependentes de uma taxa que é fixada livremente pela banca. E os bancos têm resistido a levar a cabo esses aumentos.
Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco lembra ao i que “como a banca tem vindo a dizer que tem algum excesso de liquidez não precisa de angariar mais depósitos e, como tal, não quer, nem pretende aumentar muito a remuneração dos seus produtos de poupança”.
E não hesita: “Analisando os dados que têm sido divulgados pelo Banco de Portugal e, até mesmo, pelo BCE vemos que Portugal está na cauda relativamente à remuneração dos depósitos. Quanto aos dados de dezembro estamos praticamente no final da tabela com remunerações de 0,35%, enquanto a média da zona euro está no 1,44%”.
Uma situação que leva João César das Neves a afirmar que as fracas remunerações aplicadas pelo sistema financeiro se devem à falta de concorrência e à ausência de alternativas no mercado financeiro português. “A grande maioria dos depositantes portugueses, que aliás suportou anos de taxas miseráveis, não tem grande escolha e mantém os depósitos mesmo mal remunerados”, refere ao i.
Também crítico a esta prática da banca portuguesa está Eugénio Rosa ao considerar que a tendência do sistema financeiro “tem sido a de transferir para os depositantes as consequências da grave crise económica e social que o país enfrenta atualmente e que foi causada, primeiro, pela pandemia e, agora, pela guerra na Ucrânia”.
Já Mário Martins, analista da ActivTrades, defende que as taxas de juros baixas são sempre uma opção da banca, “seja porque prefere outras fontes de angariação de capital mais baratas por querer aumentar as margens de lucro, quer seja por cautela, uma vez que existe a possibilidade de uma recessão e do BCE ter de parar com a subida dos juros ou até mesmo reduzir”.
Mas as justificações não ficam por aqui. O analista da XTB, Vítor Madeira, lembra que Portugal ao ser o país com menor literacia financeira da Europa também leva a ser o país que tem a taxa de remuneração dos depósitos a prazo mais baixa. “O facto dos portugueses preferirem investimentos sem risco tradicionais leva a que o montante total de depósitos bancários em Portugal continue alto, desincentivando os bancos a aumentarem as suas taxas de juro para depósitos”.
E as diferenças não ficam por aqui. O analista lembra que enquanto a taxa de remuneração média no nosso país situa-se nos 0,35%, em França, o primeiro da lista da Zona euro, os valores rondam os 2,29%. “Isto é uma diferença abismal, quando ambos os países têm a mesma moeda. Adicionalmente, os bancos podem usar este mecanismo para gerar mais lucros e para se precaverem de eventuais problemas macroeconómicos que a economia portuguesa pode incorrer”.
Depósitos vs certificados
Enquanto os depósitos a prazo continuam a apostar em taxas em ponto pequeno, os Certificados de Aforro estão a oferecer juros de 3,403% para novas subscrições. Natália Nunes lembra que está previsto no contrato que este produto de poupança esteja indexado ao aumento da taxa Euribor, o que no seu entender, “leva a que seja atualmente mais atrativo”.
Ao ponto de o presidente do BPI, durante a apresentação de resultados na sexta-feira, ter garantido que iria aumentar a remuneração dos depósitos, mas preferiu apontar o dedo aos juros oferecidos pelo Aforro. “Não queremos que os nossos clientes vão para os Certificados de Aforro. Mas não seria necessário o Estado pagar tanto, mas entendo o incentivo para a poupança”, disse Oliveira e Costa.
Uma crítica que vai ao encontro do que já tinha sido dito pelo CEO do Santander Totta. “Olhem para os Certificados de Aforro”, lembrando, no entanto, que “as taxas subiram muito de repente. É perfeitamente normal que comecemos a assistir agora à subida dos juros dos depósitos”.
Esse apelo já tinha sido feito pelo governador do Banco de Portugal que estava à espera de essas subidas a curto prazo. “Devemos esperar a prazo, não muito longo prazo, e já está a acontecer alguma coisa, nas taxas de juro dos depósitos”, garantiu.
Uma situação que leva Natália Nunes a deixar um recado à banca: “Então isso significa que no crédito à habitação estamos a pagar excessivamente. Parece-me que não é uma afirmação muito coerente por parte dos banqueiros face ao que se está a passar e de certa forma é algo preocupante que se diga desta forma em relação ao que se passa em termos de remuneração das aplicações das famílias”.
Para César das Neves, esta política para os bancos “é ótima, porque remuneram a uma taxa de juro real negativa, pagando abaixo da inflação”. E acrescenta: “Acho graça que até protestem quando existe alguma concorrência, neste caso do Estado”.
Já para Martins Martins, a “banca pretende justificar a sua motivação para aumentar margens, contudo em termos de mercado livre isso não tem justificação, os juros devem flutuar na mesma medida e rapidez das ações do BCE”.
Fuga das poupanças?
Se o nosso mercado fosse competitivo João César das Neves não duvida que iríamos a assistir à fuga em termos de investimento neste produto de poupança. No entanto, reconhece que a “falta de alternativas rentáveis e seguras leva os aforradores, pelo menos durante algum tempo, a manter os depósitos. Se a inflação alta continuar, certamente veremos reações desse tipo, e então os bancos terão de se mexer”.
Mexidas essas que, segundo Natália Nunes, já se estão a verificar nos bancos mais pequenos que estão a apostar na ofertas de juros mais altos. Ainda assim, a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, admite que face a um cenário em que os portugueses não têm grande margem para poupar é natural que continuem a “privilegiar essencialmente os depósitos. Porque os portugueses ainda são muito tradicionalistas, não gostam de correr grandes riscos e é este o produto em que mais confiam e onde aplicam o seu dinheiro. Mas é claro que, neste momento, também não se sentem incentivados para continuarem a poupar face ao aumento do custo de vida, nomeadamente as famílias de classe média”.
Mais pessimista está Mário Martins ao reconhecer que os portugueses não têm muito por onde fugir, “dada a pouca apetência por outras formas de capitalização, como o mercado acionista”, lembrando que “ainda existe uma maioria de cidadãos que só vê como possibilidade produtos com risco muito reduzido, e consequentemente pouca rentabilidade”.
Opinião contrária tem o analista da XTB ao garantir ao nosso jornal que há cada vez mais investidores a adotarem meios alternativos de poupança, como é o caso de ações, ETFs, fundos de investimento, PPRs, derivados, etc. “A remuneração paga pelos bancos por depósitos a prazo é irrisória e é fácil ter um incentivo em colocar o capital em outros produtos de poupança. Além disso, tem havido imenso trabalho por parte das corretoras para ajudarem os portugueses a aumentar a sua literacia financeira”.
Longe vão os tempos em que existiam os super depósitos, altura em que a banca remunerava os seus produtos na ordem dos 8%, mas mesmo com estes aumentos há quem prefira manter o seu dinheiro numa conta à ordem. “Eram tempos completamente diferentes. Mas agora o que é importante para as famílias é começarem a ver que o seu dinheiro possa ser remunerado, porque muitos continuam a preferir manter o seu dinheiro à ordem e nem sequer pensam em investir num depósito a prazo, uma vez que, a remuneração é quase nula”.
Queda
Eugénio Rosa analisa os relatórios e contas dos principais bancos de 2026 e 2021 e concluiu que os juros pagos aos depositantes, no conjunto dos quatro maiores bancos – BCP, CGD, Santander Totta, e Banco Montepio – diminuíram de 2846 milhões para apenas 917 milhões, ou seja, reduziram-se em 1929 milhões (-68%), apesar dos recursos captados pelos bancos fundamentalmente aos depositantes terem aumentado, no mesmo período, de 162 705 milhões para 202 358 milhões de euros.
“Em Portugal tem-se assistido a uma autêntica espoliação dos depositantes pela banca através não só da não remuneração dos depósitos, mas também por meio da multiplicação de comissões cobradas pela banca que têm ‘comido’ até o capital colocado na banca pelos depositantes, já que os juros pagos não têm sido nem suficientes para compensar as comissões cobradas pelos bancos”, acenando com comissões, nesse mesmo período, num aumento de 1836 milhões para 2238 milhões, ou seja, em 402 milhões, uma subida de 22%.
E, de acordo com o economista, “tudo isto acontece devido à passividade do Banco de Portugal que nada faz para defender os depositantes. Os bancos ainda têm a ousadia de protestarem contra as taxas dos certificados, que são ainda muito inferiores à taxa de aumento dos preços, o que determina que os depósitos em poder de compra valem cada menos (os depositantes perderam 7,8% das poupanças e, em 2023, o Banco de Portugal estima que percam mais 5,8% o que significa uma perda acumulada de 15%, em euros, e tendo como base os depósitos nos quatro bancos referidos representa uma perda, em poder de compra superior a 30 mil milhões de euros”.
Para Eugénio Rosa “é urgente pôr cobro a esta espoliação dos depositantes pela banca em Portugal, impedindo que tenham lucros enormes e inaceitáveis e que paguem juros adequados aos depositantes que mitiguem a perda de poder de compra”. E não hesita: “O Governo devia dar o exemplo com o que se passa nos Certificados de Aforro, mas tem medo dos banqueiros”. Rosa defende ainda que “este pode ser um meio de obrigar a banca a compensar adequadamente os seus depositantes, caso contrário, corre o risco de ficar sem uma grande parte dos seus depósitos, ou seja, o seu financiamento por excelência que atualmente tem um custo praticamente próximo de zero”.
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