O cerco em torno dos opositores de Rui Rocha continua a apertar. Depois da saída de Vicente Ferreira da Silva, tal como o Nascer do SOL avançou na semana passada, agora foi a vez de José Maria Barcia, responsável pela campanha de Carla Castro e atual assessor do grupo liberal na Assembleia Municipal de Lisboa (AML). O argumento usado para o seu afastamento foi que não correspondia às necessidades do gabinete, mas o nosso jornal sabe que a decisão está relacionada com o facto de ter apoiado a candidata derrotada.
Contactado pelo nosso jornal, o partido remeteu uma explicação para o grupo municipal da IL na AML, que disse apenas que «não tem comentários a fazer sobre a sua saída». No entanto, os rumores nos corredores sobre saneamento vão subindo de tom, já que são duas ‘baixas de peso’ quase seguidas e que surgem logo a seguir às eleições internas que deu vitória a Rui Rocha com 51,7% dos votos. E tudo indica que não ficará por aqui, já que Ricardo Valente, vereador liberal da Câmara Municipal do Porto com pelouros das Finanças e da Economia e apoiante de Carla Castro está também na mira.
O Nascer do SOL sabe que muitos membros do partido estão em sobressalto por ter a sensação de que se forem contra as ideias da atual Comissão Executiva poderão ser «rapidamente um alvo a abater».
Esta saída de Barcia ao que o nosso jornal apurou terá sido impulsionada por Angélique da Teresa – deputada da AML, vice-presidente do Rui Rocha, membro do grupo de coordenação local de Lisboa e também próxima de Rodrigo Saraiva – que contou com o apoio de outro deputado da AML, Rodrigo Mello Gonçalves e com o voto contra de Miguel Ferreira da Silva – primeiro presidente do partido e o rosto da lista T para o conselho nacional do partido. «Claramente trata-se de uma represália», admitem várias fontes ouvidas pelo nosso jornal.
Em relação ao trabalho desenvolvido por José Maria Barcia a opinião é unânime junto de vários membros do partido que trabalharam com ele e apontam o dedo ao timing desta saída. Ao Nascer do SOL, Carla Castro diz que faz um balanço muito positivo enquanto responsável pela comunicação da sua campanha. «Participou na minha campanha de forma voluntária e fez um trabalho excelente, tanto que gostaria de contar com ele em futuras situações», lembrando que o conheceu em situações partidárias, nomeadamente na campanha de Tiago Mayan, «no qual já fez um trabalho de reconhecido mérito, em que foi uma peça fundamental. Conheci-o nesse contexto, mas na minha campanha foi muitíssimo bom».
Já em relação ao timing da decisão, a deputada diz apenas: «Quero acreditar que uma coisa não está relacionada com a outra, mal estaríamos se num partido liberal se isso acontecesse».
Também Tiago Mayan reconhece-lhe mérito, lembrando que foi uma das peças fundamentais da sua equipa na campanha para as presidenciais. «Só tenho a dizer bem do seu trabalho, em termos de dedicação, disponibilidade, dinamismo, criativo e desempenho profissional. O seu contributo foi essencial para o sucesso daquela campanha». E apesar de admitir que não está a par dessa decisão em relação ao seu afastamento reconhece que a altura «é estranha». E não hesita: «Aparentemente terá servido até agora e só depois de umas eleições internas é que aparentemente já não serve, mas do meu ponto de vista na área da comunicação e media é um dos grandes ativos do partido», refere ao nosso jornal.
Primeira baixa
Os primeiros alarmes soaram com a saída de Vicente Ferreira da Silva que garante que foi «objeto de um afastamento deliberado e intencional. Da mesma forma que se viram livres das vozes mais críticas dentro da Comissão Executiva, fizeram o mesmo no Parlamento». Ainda assim, admite que não ficou surpreendido com o seu afastamento. «Até já o esperava, tendo, antes das eleições, comunicado a alguns membros da CE eleita que tal aconteceria. Penso que as críticas que fui fazendo ao longos dos últimos anos, nomeadamente quanto à gestão e liderança do partido, pesaram na decisão».
A comunicação da sua saída foi feita através de Rodrigo Saraiva, líder parlamentar, que deu como justificação a redistribuição das comissões parlamentares e que tinha sido decidido por unanimidade que deixava de ser assessor parlamentar. «Tendo o Rodrigo assumido a Comissão da Defesa, da qual eu era o único assessor, penso que se trata apenas de uma mise-en-scène para mitigar as razões para a decisão do meu afastamento, razões essas que considero mais de ordem pessoal do que qualquer outra coisa. É perfeitamente compreensível que nenhum dos outros deputados quisesse ficar comigo. Que utilidade teria alguém ligado à defesa na comissão de agricultura? Ou na de Orçamento e Finanças? Ou, já agora, em qualquer outra?», questiona.
No entanto, defende que teria sido mais honesto afirmarem que não tinham confiança política no seu trabalho. «É natural que o Rodrigo Saraiva pense assim e que queira trabalhar com quem confia. Mas creio que isso não aconteceu por duas razões. Primeiro, por preocupações com as leituras que seriam feitas sobre a minha saída; segundo, porque o Rodrigo não é pessoa de assumir diretamente».
E chama a atenção para o facto de já não ter sido necessário qualquer unanimidade para que José Maria Barcia deixasse de ser assessor na Assembleia Municipal de Lisboa, considerando que a permanência do João Cascão como assessor na AML é «uma mera tentativa de disfarce», acrescentado que «na aparência, nem todos os apoiantes da Carla Castro estão a ser afastados. Mas a substância revela outra realidade».
Daí defender que não acredita que «a atual CE esteja interessada em criar pontes para unificar o partido. Ou, pelo menos, essas pontes não serão criadas com todos», acenando com os elogios que foram feitos por Carla Castro no Facebook, enquanto foi assessor na Comissão da Educação, uma solução temporária encontrada pela direção do partido e do Parlamento para substituir uma assessora que estava de baixa. «Foi competente, diligente e humilde; tinha temas com especial interesse e conhecimento, não só pela experiência profissional como pelo programa da IL (no caso do ensino superior) como também em temas de descentralização, tema que lhe está no coração», esclareceu.
Vicente Ferreira da Silva vai mais longe. «Acredito que é no interior dos órgãos partidários que se devem expressar as opiniões, independentemente de serem contrárias ou não ao que o líder do partido defende e defendo que a lealdade é um conceito que implica reciprocidade. Não pode ser de outra maneira. A lealdade tem de estar fundamentada em confiança mútua. Logo, não é possível pedir apenas lealdade. É imperativo retribuí-la. Caso contrário, passamos a falar de obediência. Lamento que para alguns ‘só’ tenha sido leal quando concordava com as decisões tomadas. Obediência? Comigo não. Sou um livre-pensador e aceito as consequências dessa escolha. A minha lealdade será sempre em primeiro lugar para com as ideias, os valores e os princípios do meu partido», referiu.
E conclui. «Quanto a mim, continuarei a pedir mais transparência e mais descentralização. Tal como sempre fiz. Tenho dificuldades em perceber como é que pedir mais transparência e descentralização é destruir o partido, ainda por cima um partido liberal».
A somar a isso há que contar ainda com o controlo que está a ser feito internamente nos grupos de conversação de WhatsApp dos vários núcleos territoriais – que contam com membros e simpatizantes – para haver um controlo da informação que está a ser transmitida, com o objetivo de afastar os críticos da atual Comissão Executiva.