A economia portuguesa vai continuar a crescer este ano, mas menos do que o previsto pelo Governo. As contas do Executivo apontam para um crescimento de 1,3%, acima das previsões anunciadas, esta semana, pela Comissão Europeia que preveem um aumento de 1%, mas superior aos 0,7%, anunciados anteriormente. «A economia portuguesa continuou a crescer no último trimestre de 2022, apesar das condições globais desafiantes», revelou nas previsões económicas de inverno.
Em relação à taxa de inflação para este ano, a União Europeia fez uma revisão em baixa para 5,4%, referindo que o pico foi atingido no último trimestre do ano passado, contra a taxa de 4% prevista no Orçamento do Estado para este ano.
Números que levaram o ministro das Finanças a afirmar que está «afastado» um risco de recessão. «As projeções reafirmam um sinal de confiança na evolução económica ao longo do ano de 2023». E não hesita: «Crescimento mais alto e inflação mais baixa, risco de recessão afastado».
Também António Costa mostrou-se confiante e até admite que as previsões poderão ser ultrapassadas. «O histórico de previsões dá-nos confiança de que os resultados serão melhores do que agora previstos (em média nos últimos seis anos subestimou o crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] em 1,1 p.p.)», disse no Twittter.
Estas divergências foram reconhecidas pelo próprio comissário europeu da Economia, mas disse que estão sobretudo relacionadas com os indicadores ponderados. «Temos frequentemente diferenças nas previsões, que se prendem sobretudo com as diferentes datas de fecho dos dados. Por exemplo, se compararem as nossas previsões com as do Banco de Portugal [BdP], constatam um maior otimismo do lado do BdP relativamente ao crescimento para 2023 e menos otimismo da projeção do Banco de Portugal para a inflação. A nossa projeção é mais favorável para a inflação que a do Banco de Portugal e menos favorável em termos de crescimento», disse Paolo Gentiloni.
Apesar deste ‘otimismo’, os economistas contactados pelo Nascer do SOL continuam a admitir um cenário de grande incerteza.
João César das Neves ‘A situação internacional é muito frágil’
«A incerteza é muito grande e a situação internacional é muito frágil», refere João César das Neves, mas diz que «o valor da Europa é mais credível». Quanto às declarações de Fernando Medina em afastar o cenário de recessão diz apenas: «Afastado [esse cenário] é capaz de ser demais, mas essa possibilidade tornou-se menos candente».
O economista lembra ainda que apesar deste crescimento vamos ficar aquém de alguns países de Leste, referindo que «um problema tão longo só pode ser estrutural». E acrescenta: «Penso que a razão principal é que o crescimento e a atividade produtiva deixou de ser prioridade nas elites e nos responsáveis, que passam a vida a falar de outras coisas».
As dores de cabeça, de acordo com o mesmo, poderão estar nas perspetivas em relação à taxa de inflação. «Aí a incerteza ainda é maior que no quadro geral, mas uma linha descendente parece ser mais razoável, embora uma queda para metade, como quer o Governo, seja claramente otimista».
Nuno Teles ‘Economia sobre pressão’
Para Nuno Teles, as diferenças entre as diferentes estimativas de crescimento divergem pouco, reconhecendo que «estão razoavelmente alinhadas» na previsão de um forte abrandamento do crescimento económico em Portugal depois do ano extraordinário de 2022, onde o efeito base da pandemia em 2021 e uma surpreendente recuperação do turismo e construção puxaram o crescimento nacional. No entanto, chama a atenção para o facto de o aumento da taxa de desemprego já sinalizar «este forte abrandamento sobretudo na produção industrial e no consumo privado».
E, segundo o economista, o diagnóstico das debilidades da economia portuguesa já há muito que é conhecido: «Portugal continua com os mesmos problemas estruturais que afligem a sua economia há décadas: falta de competitividade externa, forte endividamento público e privado, enviesamento produtivo para os serviços e construção, onde os níveis de produtividade são baixos e a margem de progressão produtiva pequena», afirmando que os anos de recuperação pós-troika assentaram na recuperação do consumo privado devido ao fim dos cortes no rendimento disponível e à bonança do turismo e taxas de juro baixas praticadas pelo Banco Central Europeu (BCE).
No entanto, garante que este cenário mudou. «O futuro do turismo e da bolha no imobiliário é uma incógnita, a inflação – sem correspondentes aumentos salariais – e as taxas de juro mais altas colocam a economia portuguesa sob pressão. Portugal é um país com famílias muito endividadas, onde os aumentos de taxas de juro são imediatamente refletidos na prestação da casa».
E acrescenta: «Se juntarmos a perda abrupta de poder de compra, o cenário no consumo privado e o bem-estar das famílias é bastante duro para 2023. É certo que o outro lado da moeda foi um forte aumento dos lucros das empresas, o que, a par da execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] poderia fazer prever um aumento do investimento. Contudo este também mostra um forte abrandamento desde o final do ano passado. Sem procura interna e externa – a confirmar-se o abrandamento da economia europeia –, as empresas tomarão este bónus de 2022 como algo irrepetível».
Nuno Teles lembra ainda que a recessão é declarada quando se verificam dois trimestres consecutivos de contração do produto e, como tal, acredita que é um cenário que não possa ser afastado. Mas admite que «um crescimento sofrível traduzir-se-á em aumento do desemprego, num contexto de forte perda de compra dos trabalhadores. 2023 não será seguramente fácil para o trabalho», no entanto, com os preços de energia a estabilizar e com o abrandamento da economia revela que é natural que o ritmo da elevação de preços abrande, apesar de «continuamos em 2023 com a perspetiva do Governo para uma redução acrescida do poder de compra dos portugueses».
António Mendonça ‘Há muitos sinais contraditórios’
De acordo com António Mendonça não há margem para dúvidas: «A única certeza que poderemos ter em relação à evolução da economia portuguesa em 2023 é que continua envolta numa grande incerteza», e apesar de se projetar agora um crescimento do PIB de 1%, representa «uma recuperação de três décimas, face à anterior projeção mais negativa de 0,7%, de novembro último. Ainda assim, inferior às projeções do Ministério das Finanças de dezembro que apontavam para 1,3% e do Banco de Portugal, igualmente de dezembro de 2022, um pouco mais otimistas que situavam o crescimento anual em 1,5%».
De acordo com o bastonário da Ordem dos Economistas, ainda não é possível revelar qual vai ser a evolução da guerra e os seus impactos, referindo que «continuam as dúvidas sobre a evolução dos preços da energia e das matérias-primas. Também o comércio internacional sofrerá uma forte desaceleração, faltando saber até onde».
Ainda assim, o economista admite que a economia portuguesa tem uma «razoável» margem de manobra, resultante do crescimento de 2022 e da própria inflação, além de uma gestão orçamental contida. E acredita que os efeitos da aplicação do PRR deverão chegar ao longo do ano. «Há muitos sinais contraditórios e a economia portuguesa é uma pequena economia aberta, com tudo o que isso impõe de vulnerabilidades. E não nos podemos esquecer que o crescimento da Alemanha no quarto trimestre de 2022 face ao anterior foi negativo, com tudo o que isso implica. Penso que é necessário ver o comportamento da economia no primeiro trimestre deste ano, para poder avaliar com um pouco mais de confiança as projeções. É necessário manter a cautela».
No entanto, António Mendonça lembra que, apesar de as projeções apontarem para um crescimento da economia portuguesas para os níveis anteriores ao da pandemia reconhece que «continuamos com um crescimento fraco e a perspetiva de convergência é medíocre». E dá, como exemplo, o crescimento superior da economia portuguesa projetado face à média da zona euro e da União Europeia é de apenas uma décima, no primeiro caso e de duas décimas, no segundo. «O facto de os países de leste crescerem mais, é natural. Partem de níveis mais baixos de desenvolvimento e a dinâmica de convergência revela-se mais. O problema é que o nosso crescimento tem sido e vai manter-se muito fraco, em situação de normalidade».
E, segundo o economista continua a faltar ‘muita coisa’, nomeadamente «investimento público e privado, estratégia, coerência das políticas económicas, desenvolvimento empresarial e ganho de dimensão, uma administração pública de qualidade e mobilizada, capacidade de decisão, atenção aos problemas estruturais, como a habitação, saúde, proteção às famílias e incentivos reais à natalidade», referindo que deve ser dada ‘uma atenção muito especial’ à situação dos jovens altamente qualificados que se estão a transformar numa mercadoria de exportação. «O quadro fiscal deve ser repensado de alto a baixo para ganhar coerência, simplicidade, transparência e eficácia, seja a nível geral, seja a nível empresarial», salientou.
Quanto ao otimismo em relação ao cenário de recessão afastado por Fernando Medina diz: «Apenas posso desejar que o otimismo do ministro das Finanças se confirme».
Já em relação à inflação, garante que as projeções acompanham o menor pessimismo em relação ao PIB, todas convergindo para uma redução significativa da dinâmica de aumento dos preços. Mas diz que não convém não esquecer que uma redução da taxa de inflação não significa que os preços baixem, mas que subam menos. «As dinâmicas inflacionárias que estamos a atravessar são diferentes daquelas que se verificaram nas décadas de 70, 80 e 90. Atualmente a inflação é, em primeiro lugar, impulsionada pela recuperação económica que se seguiu à pandemia, pelos comportamentos de cartel a nível internacional, pelos constrangimentos de adaptação da oferta ao rápido crescimento da procura e depois pelos impactos da guerra na Ucrânia, sobretudo nas matérias-primas e produtos energéticos», referindo que «embora se verifiquem tendências para a contenção ou redução da evolução dos preços, as dinâmicas impulsionadoras permanecem latentes e a qualquer momento poderão voltar a manifestar-se violentamente».
E deixa um recado: «Tem de haver um grande bom senso por parte dos bancos centrais em controlarem o apetite pela subida das taxas de juro que estão a aproximar-se de níveis perigosos para a estabilidade geral das economias. A rivalidade entre a zona euro e os Estados Unidos também não é desejável no contexto atual, como tem de haver um grande reforço da cooperação económica institucional, particularmente entre os bancos centrais das principais economias».
Eugénio Rosa ‘‘Este ano será pior para o país’
Para Eugénio Rosa, as previsões da Comissão Europeia são «deprimentes», em termos de crescimento económico e «preocupantes», no que diz respeito à taxa de inflação, «apesar do ar eufórico como foram apresentadas sobre a resiliência da economia europeia – um crescimento anémico de apenas 0,8% em 2023, segundo a própria Comissão Europeia e do contentamento que gerou no Governo português pelo facto do país não entrar em recessão», leva o economista a reconhecer que há o «risco sério de não se concretizarem e de 2023 ser ainda pior para o país e para os portugueses do que o ano de 2022».
E lembra o crescimento económico em Portugal no 3.º e no 4.º trimestre de 2022 que foi apenas de 0,4% e 0,2% em relação ao trimestre anterior, acenando com o facto de a previsão para o primeiro trimestre deste ano, segundo a própria Comissão Europeia, não ser diferente (apenas 0%). E lembra que estes crescimentos só foram possíveis face à procura interna, nomeadamente das famílias devido às poupanças acumuladas durante a pandemia, «mas que agora estão esgotadas».
A somar há que contar ainda, segundo o economista, com um agravamento da situação das famílias determinado pelo aumento do desemprego e pela subida das taxas de juros do crédito à habitação, em que «o aumento da taxa para cerca de 3%, determinou uma subida de encargos que se estima já em 3.000 milhões de euros por ano».
E do lado das empresas, o crédito também se tornou mais caro, uma vez que, estão a ser criados maiores obstáculos ao investimento e, até mesmo, à utilização dos fundos comunitários do PRR e do Portugal 2030. «As empresas para poderem utilizar esses fundos são obrigadas a financiar uma parcela do investimento que tencionam realizar, o que com a subida das taxas de juro, tornou-se mais difícil correndo-se o risco de uma parcela desses fundos nem serem aproveitados».
Eugénio Rosa diz também que a par dos riscos internos há que contar ainda com os externos, tornando «a situação ainda mais complicada, difícil e instável, logo os riscos das previsões ‘otimistas’ da Comissão Europeia não serem cumpridas serão muito mais elevadas». E defende que as consequências face à guerra na Ucrânia «vão continuar a multiplicar-se», acenando com as mais recentes sanções em relação aos produtos derivados do petróleo que entraram em vigor este mês, que irão ter consequências para os consumidores portugueses, já que entende que a capacidade de refinação existente na União Europeia é insuficiente para abastecer o consumo. «Portugal vai ser obrigado a recorrer a outros fornecedores, mas terá de pagar um preço muito mais elevado, como já está a suceder com o gás e petróleo».
O economista diz também que a previsível continuação da guerra na Ucrânia determina riscos elevados para outros mercados, como o dos cereais e fertilizantes, onde a dependência portuguesa é total. E os riscos não ficam por aqui. De acordo com Eugénio Rosa, as previsões ‘otimistas’ da Comissão Europeia também são postas em causa pela fragmentação da globalização e a divisão e a constituição de novos blocos económicos e políticos mundiais, resultantes não só da guerra da Ucrânia, mas também do confronto cada vez maior entre as duas maiores economias mundiais: EUA e China. «O mundo que se está a construir é muito diferente do anterior, a globalização capitalista que permitia aos países desenvolvidos mandar fazer ou adquirir em países de baixos salários e de baixo desenvolvimento bens a preços mais baixos está ser posta em causa. A deslocalização de empresas da União Europeia e dos EUA para a China, Vietname, etc., para se aproveitar dos baixos custos locais, envolverá maiores riscos. O nosso país será obrigado a orientar as importações com custos e preços muitos elevados para países do bloco a que pertence, o que já acontece com o gás, com o petróleo e com os cereais que importamos dos EUA a preços muito mais elevados».