O Produto Interno Bruto (PIB) da Ucrânia deverá diminuir em mais de 30% devido ao impacto da invasão russa, com todos os setores gravemente afetados, com especial enfoque na indústria pesada, na energia e no comércio. Esta é uma das conclusões do estudo realizado agora pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e pela Boston Consulting Group (BCG), que estima ainda que o país vai precisar de 820 mil milhões de dólares (quase 778 mil milhões de euros) para a sua reconstrução.
Segundo o mesmo estudo, este investimento está dividido em três fases, sendo que a primeira termina já no final deste ano e prevê a aplicação de 110 mil milhões de dólares (mais de 104 mil milhões de euros) em 30 projetos. A segunda duplica o financiamento, para 210 mil milhões (quase 200 mil milhões de euros), para distribuir por 60 projetos, entre 2024 e 2027. A última fase, de longo prazo, pretende aplicar 500 mil milhões (cerca de 473 mil milhões de euros) em 80 a 90 projetos, até 2032.
O documento chama ainda a atenção para o facto de o ciclo de empréstimos estar estrangulado, com “a dispersão dos procedimentos de compra, a falta de capacidade de absorção e a falta de partilha de riscos”. E que resta a concessão direta de empréstimos “ao beneficiário adequado, ao abrigo de vários esquemas de partilha de riscos, para permitir uma reconstrução eficaz”. Mas os efeitos económicos continuam a ser notórios. Neste último ano, verifica-se ainda um retrocesso de anos no progresso económico na Ucrânia, com a diminuição significativa do valor mensal da exportação de bens no início da guerra (-62%) e no envio de cereais (-83%). Já as receitas das pequenas e médias empresas caíram a pique (79%), a maioria não consegue pagar salários (66%) e algumas foram obrigadas a mudar de local (31%).
Isto, numa altura em que a Europa avançou para o décimo pacote de sanções contra Moscovo, que inclui restrições ao comércio num valor superior a 10 mil milhões de euros. Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros português, este novo pacote “inclui [sanções a] uma centena de novos indivíduos ou entidades e também a proibição de exportações de peças e equipamentos que, indiretamente, contribuem para o esforço militar russo”. Além disso, acrescentou João Gomes Cravinho, serão ainda “sancionadas sete entidades iranianas relacionadas com o fabrico de drones que depois são enviados para a Rússia”.
O novo pacote de sanções aplica ainda “medidas restritivas direcionadas contra pessoas e entidades que apoiem a guerra, difundam propaganda ou entreguem ‘drones’ usados pela Rússia na guerra”, adiantou a presidência sueca da União Europeia.
Economia desacelerou
Depois de fortes ameaças de recessão, a economia foi-se aguentando, apesar de continuar a mostrar alguns sinais abrandamento, o que faz soar alarmes junto dos economistas ouvidos pelo i. Bruxelas, nas últimas previsões, revelou que as economias da União Europeia e da Zona Euro deverão evitar “por pouco” a temida recessão técnica em 2023, com a inflação a diminuir e os preços do gás em queda, abrindo caminho a um desempenho económico melhor do que era esperado. Estas estimativas são mais otimistas face às que foram apresentadas em novembro, em que União Europeia terá uma taxa de crescimento de 0,8% em 2023 – acima dos 0,3% previstos anteriormente, enquanto a Zona Euro deverá crescer 0,9% – acima dos 0,3% estimados nas previsões de outono. Por seu lado, a economia portuguesa deverá crescer 1% este ano, em vez de 0,7%, ainda assim, abaixo da previsão do Governo, que aponta para um aumento de 1,3% para este ano.
Nesta segunda-feira, a Crédito y Caución admitiu que a a guerra está a provocar um impacto económico global significativo. “Embora os dois países representem conjuntamente menos de 2% do PIB mundial são atores chave no bom funcionamento do comércio mundial. O efeito direto mais significativo deriva do papel da Rússia como fornecedor de petróleo e gás, especialmente na Europa. O seu fornecimento caiu cerca de 80% desde o começo da guerra”.
E, se o conflito se prolongar, o mesmo estudo afirma que a economia mundial continuará a ser abalada pelas suas consequências diretas e indiretas, admitindo que a Europa será a mais afetada. “Devido à sua proximidade com a zona de guerra e à sua anterior dependência do gás russo, o impacto na Europa continuará a ser especialmente significativo, mas nenhum país está imune às repercussões económicas do conflito. “A guerra provocou fortes subidas dos preços da energia e dos alimentos, que diminuíram as receitas das famílias, reduziram a procura e aumentaram os custos de produção, tanto nas economias avançadas como nas emergentes”, salienta.
Cenário mudou drasticamente
Ao i, João César das Neves diz que a guerra mudou duas coisas. “Primeiro, o choque nos preços criou uma dificuldade acrescida a um mundo que saía do terrível choque da pandemia. A segunda, muito mais influente, é que a guerra afasta a economia do centro das atenções. É possível que este seja um primeiro passo para um novo período, em que destruir passa a ser mais importante que produzir. Na Rússia e na Ucrânia já o é; não sabemos se vai alastrar”.
Em relação às sanções, o economista afirma que “são inauditas e que abriram novas portas nesse campo”. No entanto, reconhece que “os efeitos não têm sido brilhantes”. Mas deixa um alerta: “O efeito mais duradouro é o efeito no sistema económico internacional. Quando as instituições internacionais são usadas em sanções (sobretudo financeiras, que foram a grande novidade), isso leva à criação de alternativas não ocidentais, reduzindo a globalização e a influência do Ocidente”. Quanto a um possível cenário de recessão, o economista diz que não está afastado, reconhecendo, no entanto, que atualmente se “tornou menos provável do que era há um ano”.
Também Mário Martins, analista da ActivTrades, reconhece que a principal “alteração” foi a continuação das pressões inflacionárias na economia, que forçaram os bancos centrais, nomeadamente a Reserva Federal norte-americana (Fed), a serem muito mais agressivos nas suas políticas monetárias do que estava previsto no início de 2022. Mas admite que foram criadas “novas parcerias entre a Europa e fornecedores de produtos energéticos, o que levou a um agudizar da bipolarização na geopolítica, com consequências ainda por aferir”, nomeadamente nas relações comerciais entre os principais blocos económicos ocidentais e a China. Já em relação ao futuro da economia, defende que o cenário é mais incerto, nomeadamente no que diz respeito aos EUA e à Europa, considerando que a recessão “é uma paragem obrigatória”, embora desconhecendo-se ainda a sua intensidade, uma vez que “o processo de combate à inflação ainda vai no adro e irá certamente condicionar negativamente a atividade económica ao ponto da contração”. “É inverosímil reduzir a inflação no espaço de um ano para valores aceitáveis sem uma redução agressiva do consumo”, refere ao nosso jornal.
Quanto às sanções, o analista afiança que se trata de um impacto político no curto-prazo, devido às reservas financeiras que a Rússia detinha antes do conflito, mas refere que a “médio-longo prazo” é que se irá aferir as consequências. “A procura bem sucedida por parte da UE por ativos energéticos de outras fontes foi o principal evento desde o início do conflito”.
Já Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, lembra que a guerra na Ucrânia acelerou a inflação e tem penalizado as perspetivas para o crescimento económico. E chama a atenção: “Se nos EUA o conflito no leste europeu acelerou a inflação, na Europa a invasão russa da Ucrânia é a principal responsável pela alta dos preços. Se a alta do preço da energia foi um dos principais impulsionadores da inflação, a significativa e rápida subida das taxas de juro pelos bancos centrais, para travarem a inflação mais elevada das últimas décadas, tem diminuído ainda mais o rendimento disponível das famílias e ameaça o crescimento económico, renovando os receios de uma recessão”.
Quanto às sanções, lembra que, apesar de penalizaram substancialmente a economia russa, também a europeia não escapa à escassez das matérias-primas russas com a Europa a substituir parte das mercadorias por outras geografias. “Talvez o maior impacto das sanções tenha sido mesmo o rearranjo geográficos das origens e destinos das matérias-primas globais, muitas vezes percorrendo maiores distâncias e encarecendo, deste modo, o seu custo”, refere ao nosso jornal.
Já para Henrique Tomé e Vítor Madeira, analistas da XTB, nos últimos meses o risco de uma recessão na Zona Euro tem vindo a diminuir de forma significativa, principalmente porque a crise energética que se previa na Europa não se concretizou. Mas admitem que não se deve descartar totalmente esses riscos, defendendo que “é necessário estar atento aos desenvolvimentos futuros e avaliar continuamente a situação económica na Europa”.
Energia e gás
Um dos efeitos mais imediatos foi a subida galopante dos preços energéticos, que começam agora a dar sinais de alivio, tal como admite ao i Mário Márins. “Os custos dos produtos energéticos já desceram substancialmente, no petróleo e no gás natural, por exemplo, o preço já caiu para valores pré-guerra, no entanto, ainda não foi refletido no preço de muitos produtos e serviços, o que está a condicionar a economia, através da manutenção da inflação em valores muito elevados”.
Uma opinião partilhada por João César das Neves, para quem, depois do choque inicial, ambos os preços se comportaram muito melhor do que se temia. Mas lembra: “Dado o cenário tão frágil herdado da pandemia, a inflação tomou embalagem e já não voltou ao valor antigo. Dificilmente o fará no futuro próximo”.
Paulo Rosa avança com números: a cotação do gás natural nos EUA já caiu quase 80% desde os máximos em agosto do ano passado, encontrando-se aos níveis de 2020. A cotação do TTF holandês, a principal referência para a Europa, já perdeu 85% desde os máximos em agosto de 2022, estando agora aos níveis de setembro de 2021, antes do início da subida dos preços da eletricidade. A cotação do petróleo também tem aliviado dos máximos, cotando atualmente a preços inferiores e anteriores à invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro do ano passado.
Juros
Mas se os preços da energia têm descido e contribuem cada vez mais para uma queda da inflação, a alta dos preços generalizou-se a toda a economia, propagou-se ao setor dos serviços, ameaçando ser mais persistente do que o anteriormente esperado. Se a inflação total tem abrandado, a inflação subjacente (que exclui alimentação e energia) ainda se mantém resiliente, sobretudo na Alemanha, alcançando os 5,6% em janeiro, o valor mais elevado das últimas décadas. E, face a este cenário, o Banco Central Europeu tem vindo a subir as taxas de juro reunião, após reunião.
“Os bancos centrais mantêm a sua postura restritiva, impulsionando as taxas de juro no intuito de travarem a inflação, deteriorando consequentemente o rendimento disponível, uma ameaça contínua a uma potencial recessão”, revela Paulo Rosa.
Uma opinião partilhada pelos analistas da XTB, que chamam a atenção para os riscos do BCE_manter a sua atual polícia. “É evidente que a instituição está empenhada em manter uma política de aumentos graduais nas taxas de juro, a fim de combater a inflação. Infelizmente, este processo pode prolongar-se por mais tempo do que inicialmente previsto e pode ter consequências negativas para a economia, pois o aumento das taxas pode limitar o crescimento e afetar o poder de compras”.
Cereais
A Ucrânia é há muito considerada um dos maiores produtores de cereais a nível mundial. O início da guerra perturbou o abastecimento mundial: os preços subiram e muitas regiões do mundo ressentiram-se com a falta de cereais. Foi já em pleno verão que as Nações Unidas e a Turquia conseguiram mediar um acordo entre a Rússia e a Ucrânia.
Aqui é a lei de mercado a funcionar: subiu a procura, a oferta caiu e os preços dispararam, o que se refletiu nos mais variados preços dos mais variados produtos – e um dos casos mais emblemáticos é o pão.
Mercados financeiros
Para Paulo Rosa, os mercados acionistas em geral têm recuperado desde outubro do ano passado. Mas, lembra, os índices acionistas mais sensíveis às taxas de juro, tais como os tecnológicos, nomeadamente o Nasdaq, recuperaram mais significativamente desde janeiro deste ano. E lembra que o principal índice acionista francês, o CAC 40, alcançou máximos históricos na semana passada. Mas nem tudo são boas notícias: “As taxas de juro continuam a realizar máximos históricos e ameaçam a recuperação das bolsas”.
Também João César das Neves refere que provavelmente o alívio é prematuro, uma vez que, entende que “a inflação parece bastante mais teimosa do que eles preveem”.
Já os analistas da XTB acreditam que os mercados “já se habituaram à guerra”, como tal, referem que o conflito não tem contribuído para a volatilidade nos mercados, nem acreditam que que possa contribuir, a menos que o conflito volte a escalar.
O que esperar
César das Neves não se quer comprometer com perspetivas, por entender que “o cenário é muito nebuloso”. Mas acredita que “o mais provável é a continuação da trajetória positiva mas fraca e ambígua dos últimos tempos”.
O economista do Banco Carregosa mostra-se otimista e refere que, “apesar de alguma relutância em alta dos números da inflação em janeiro, espera-se que o aumento dos preços no consumidor desacelere significativamente ao longo do ano”, ainda assim, diz que os juros elevados ameaçam o desempenho económico, mantendo vivo um cenário de recessão nos próximos semestres.
Já para Mário Martins aponta para o atual cenário de”muita volatilidade” e diz que caso o mercado laboral comece a ceder “fará precipitar rapidamente o consumo privado para um patamar que empurrará a economia dos EUA e da UE para a recessão”.
“Conseguir travar a inflação sem ferir demasiado a economia” é visto pelos economistas da XTB como um dos principais desafios para os próximos meses. “Os desafios do ano passado deverão manter-se este ano, uma vez que a inflação permanece em níveis elevados. O BCE está empenhado em trazer os níveis de inflação para as metas desejáveis, e apesar de se notar um abrandamento na atividade económica, ainda não é evidente o impacto deste abrandamento na taxa de inflação”, referem ao nosso jornal.
E Portugal?
Portugal como país periférico e estando bem mais afastado do conflito no Leste europeu seria potencialmente dos menos afetados, refere Paulo Rosa, no entanto, “a elevada cotação do petróleo no ano passado e a escassez de cereais, impulsionou os preços destes produtos no cabaz do índice de preços no consumidor português”. Ainda assim, o turismo português, sendo um dos setores mais importantes da economia nacional, “poderá ter sido beneficiado, sendo uma cabal alternativa ao turismo no leste europeu”.
Também o analista da ActivTrades chama a atenção para o facto de o regresso em força do turismo ter servido de almofada para amenizar impactos negativos, mas afirma que “a tempestade está à porta no mercado imobiliário, devido à subida repentina dos juros”, o que, no seu entender, “ irá provocar um rombo significativo na economia nacional”.
Já César das Neves diz que “Portugal não se destacou, nem pela positiva nem pela negativa”, acrescentando que “a única nota a referir foi (mais uma vez) a relativa inépcia dos programas de apoio às populações”.
E, apesar dos analistas da XTB ressalvarem que a exposição portuguesa ao conflito não foi tão grande quando comparada com países como a Alemanha, por exemplo, sempre concluem que “os portugueses acabaram por ser penalizados com a subida dos preços que retirou poder de compra às famílias e também penalizou as empresas, sobretudo as PMEs, que não conseguiram lidar com as variações frequentes dos preços das mercadorias”.