O que acha das medidas do Governo? Deu 100 dias para os proprietários darem uso às casas para arrendamento…
Na sexta-feira foi apresentada uma proposta de lei que avança com os cem dias de intimidação e também apareceram outras medidas. Por exemplo, os proprietários passam a ter obrigação de reinstalar um arrendatário caso se verifique que a casa é pequena para ele. Isto é, o senhorio tem de criar condições de habitabilidade e as palavras que usam é desadequação da tipologia. Pensam que o senhorio é dono do quarteirão e, como tal, pode arranjar uma casinha mais acima ou mais abaixo porque a família do arrendatário cresceu ou vieram outras pessoas da terra para lhes fazer companhia.
E faz sentido?
Até há pouco tempo quem tinha a obrigação de encontrar uma casa para as suas necessidades eram os inquilinos, mas toda esta legislação que está a ser preparada põe em causa tudo o que vivemos durante milhares de anos. Agora vai ser o senhorio que vai ter de andar com o inquilino ao colo.
E se o senhorio só tiver aquele imóvel?
Aí a lei não responde, como aliás, não responde a 99% dos problemas que são levantados. Isto não é uma lei para resolver problemas, é uma lei para criar mais problemas.
Já falaram com o Governo face às críticas que já fizeram?
Não, não houve abordagem nenhuma. O Governo não liga patavina às questões que colocámos a esta política em relação aos proprietários que está a ser seguida. Ao mesmo tempo, dizem que vai haver subsídios para isto e para aquilo etc. e as casas até vão ser arrendadas mas, ao mesmo tempo, impõe o arrendamento coercivo que é uma coisa que não aceitamos.
Os inquilinos pedem que seja o Estado o primeiro a dar o exemplo, depois as IPSS e fundos de investimento até chegar aos proprietários…
A política não é feita de moralidade, mas toda esta legislação é de uma imoralidade a todos sentidos. É evidente que o pai tem de dar o exemplo ao filho. Caso contrário estamos a falar de uma violência que é exercida sobre uma certa classe, neste caso, é a classe dos proprietários. Isto assenta tudo num equívoco, primeiro custa-me a aceitar que se fale em crise na habitação, porque 80% dos portugueses vivem em casa própria, ou seja, estamos a falar em oito milhões. Depois temos 1,5 milhões que são os tais 900 e tal mil contratos que vivem em casa arrendada. Logo já temos 9,5 milhões e sabemos que 500 mil vivem em casas da câmara. Agora há um bandeira política que se criou da direita à esquerda porque está na moda falar na crise na habitação e que representa uma manobra de diversão. Mas antes de fazer isto tudo é preciso saber do que estamos a tratar, porque ninguém o sabe e todos berram: ‘Ui a crise na habitação’. Se me disserem que há uma crise nas urgências pediátricas acredito porque a partir das 21h o médico fecha a porta e não atende mais ninguém. Se me disserem que há uma crise na educação também acredito porque os meus netos não têm escola há dois meses. Agora dizerem que há crise na habitação não acredito. É natural que haja um grupo que se estima que sejam 100 mil pessoas que realmente querem uma casa e não conseguem, mas numa população de cerca 10 milhões de habitantes se há 100 mil que andam à procura de casa isso representa uma gota de água. E quando falam em casas devolutas temos de perceber onde é que andam essas casas devolutas, porque falam em 700 mil mas depois diz-se que metade está na mão de intermediários para serem comercializadas e por isso não contam. Ficam apenas 300 e tal mil, mas quantas dessas estão na primeira linha? Estão na linha de Cascais ou estão nos arredores do Porto ou estão no interior? Ninguém sabe e quando se pergunta à ministra da Habitação diz que ainda estão à espera de uma análise mais fina dos elementos. No entanto, estas leis quando são pensadas e são divulgadas, o Governo devia ter na sua posse todos os elementos. Mas não, é uma pobreza franciscana, porque qualquer questão que se aprofunde um pouco não sabe onde estão as casas e quem anda à procura de casa. Se dizemos que há uma crise e que há pessoas à procura de casa então que divulguem esses dados e caracterizem as pessoas que andam à procura de casa. Vamos supor que são 100 mil e têm um emprego? Têm um recibo de ordenado? Entregam o IRS? É preciso ter acesso a essas informações, porque uma pessoa que não trabalha, que não tem um recibo de ordenado, não entrega o IRS e não tem rendimentos próprios não pode arrendar a privados, tem de ser o Estado a tomar conta delas.
Nessas situações, a solução passa pelo Estado…
Estamos todos lembrados que, em setembro, a ministra ainda como secretária de Estado disse que a habitação social ia passar dos tais célebres 2% que existem para 5%, mas agora já ninguém fala nisso, porque o Governo olhou à volta e pensou que não tem capacidade para construir a primeira habitação então o que vamos fazer? Vamos deitar mão àquelas que já estão construídas que não são nossas, mas é como se fossem. Não podemos aceitar isso.
Mas há sempre a hipótese dos senhorios recusarem….
Os senhorios podem recusar tudo. Não estamos na República das Bananas, imagine que tenho uma casa vaga porque estou à espera que a minha filha se case, o que é que acontece? Ai de quem se queira meter nessa casa, porque vou exercer o direito de resistência. O artigo 21.º da Constituição diz que todos temos o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os meus direitos, liberdades e garantias. E entra pela força? Leva uma cachaporra na cabeça. Chegámos a um ponto em que estão a usar uma extrema violência contra quem tem alguma coisa de seu e conheço tantos que para terem uma alguma coisinha deles trabalhou no duro e estão com as mãos bem calejadas.
Como já disse, muitos proprietários nem vão
de férias…
Obviamente se fizermos a tal análise fina que o Ministério não fez, mas que nós já fizemos, verificamos que Portugal infelizmente é um país de senhorios pobres e com muitos inquilinos ricos. É só pegar nas análises estatísticas, do total dos 900 mil contratos, cerca de 85 mil têm rendas inferiores a 50 euros. E 65 mil são rendas entre 50 e 100 euros. Então um senhorio que tem um inquilino desses é podre de rico? Isso não tem pés nem cabeça e ainda vêm dizer que as rendas estão muito elevadas, quando a renda mais vulgar em Portugal – e são números do INE – situa-se entre 200 e 400 euros e consideramos que é aceitável para um casal que tem um ordenado e que não precisa de ser muito elevado. Agora se aparecem pessoas que quando são abanadas e não deitam uma moeda de um cêntimo tem de ser o Estado a tomar conta deles.
Mas a classe média diz também que não consegue arrendar uma casa agora….
Temos aqui dois grandes grupos. Temos o grupo dos inquilinos que estão instalados e que pagam rendas cacaracá e apenas 2% têm uma renda superior a mil euros, mas também conheço essas rendas. É o caso, por exemplo, de uma renda de uma moradia no Bairro da Encarnação, em Lisboa. Há casas, casinhas e casonas. E além do grupo das pessoas instaladas, as pessoas que gritam e que falam são das pessoas que se querem instalar. E aí o caso já muda de figura e esses já vão pagar uma renda de mercado, mas também há muita especulação informativa acerca disso, porque temos exemplos de várias pessoas que põem casas no mercado, que estão construídas no casco antigo da cidade, mas não casas pequenas, quando há pessoas que querem apenas a sua independência e uma casa pequena. Isso mostra que as casas que existem não se adaptam a isto, porque antigamente as pessoas viviam com outro tipo de largueza, em que as famílias tinham quatro, cinco e seis pessoas e muitos até tinham criada. O que é que acontece? Uma casa com cem metros quadrados não pode custar menos de 500 euros em Lisboa, quando um quarto custa 400 euros. Nesse sentido, uma renda de 500 ou 600 euros não é de outro mundo e, por outro lado, há um aspeto que as pessoas se esquecem. A casa tem um valor, tem um custo de manutenção, de conservação, por isso, é que o Governo desistiu da ideia de fazer casas. Chegou à conclusão que as casas, por mais pequenas que fossem, cada uma ficava entre 100 mil e 150 mil euros.
Quando é dito que os proprietários de casas sobrelotadas são obrigados a realojar inquilinos é para evitar situações semelhantes ao que aconteceu na Mouraria?
É o que se passa na Mouraria e pelo país todo, onde houver asiáticos. Nessa legislação toda que anunciaram com trombetas também disseram que iriam facilitar a passagem de locais com licença comercial ou de serviços para poderem ser habitacionais. O que é que isso significa? Até agora um proprietário que tivesse uma loja ou outra fração qualquer no prédio que tivesse uma licença de utilização para comércio ou serviços era quase impossível conseguir reconverter para habitação, porque implicava fazer estudos, uma memória descritiva e era uma confusão total. Conhecemos várias pessoas que tentaram e que desistiram porque as câmaras exigiam regras como se fosse um prédio novo. O que aconteceu? Houve várias situações nas principais cidades com espaços licenciados para não habitacional e que adaptaram para habitacional. Esta ideia de facilitar e de não exigir a entrega de todo o processo para passar de uma loja para as pessoas dormirem originou o que aconteceu na Mouraria e deu origem a outras situações que Lisboa está cheia. Alojam 20 ou 30 pessoas asiáticas nessas unidades que era muito difícil alojar num andar de um prédio. Porquê? Somos um país que não somos racistas, mas imagine um prédio com cinco ou seis andares, em que as pessoas começavam a ver 20 ou 30 pessoas a subir e a descer as escadas e, ainda por cima, com um aspeto diferente do nosso. Se alojarem as pessoas num espaço com acesso direto para a rua já não incomoda. Por exemplo, na Mouraria parece que pagavam 500 euros, mas depois há um espertalhão que paga os tais 500 euros e arrenda cada cama a 100 euros e mete lá 20. É o o negócio da China. E quem ficou com as culpas todas foi a senhoria, mas ninguém se lembra que há um intermediário que não paga impostos e que provavelmente até é asiático.
E há casos em que o arrendamento poderá ser feito só por uma pessoa e depois entram 20?
Sim, porque esse arrendatário depois pode encher aquele espaço com beliches. Há muitas situações que até utilizam o sistema da cama quente, em que há um que dorme de dia e outro de noite. E o que é grave é que as lojas não têm cozinha e o que provocou um incêndio foi precisamente o facto de estarem a cozinhar. E depois falam de higiene, mas obviamente a casa de banho de uma mercearia é uma coisa muito sucinta. É evidente que não há banheira, não há duche, não há nada disso. Há uma sanita. Pasmo-me como é que estão a facilitar isto, porque estão a explorar este negócio. Isto foi uma janela de negócio que se abriu.
O Governo não conseguiu atrair os proprietários para o programa das rendas acessíveis. O que falhou?
Os proprietários, de uma maneira geral, a única coisa que querem ser é livres e poderem gerir a sua propriedade de uma forma livre. Este Governo transformou Portugal num país de mão estendida. Nós recusamos isso. Há subsídios para toda a gente. É subsidiodependência. Mas subsídio para quê se a casa é minha? Não posso fazer dela aquilo que quero? Não posso gerir? Por amor de Deus! .
Antes do 25 Abril havia bairros de empresas e de cooperativas. Fazia sentido voltar a apostar nesse género de soluções?
Não gosto de meter a foice em seara alheia. Ultimamente tem-se falado muito em cooperativas mas seria melhor analisarem o que se passou nos últimos 20, 25 anos com as cooperativas em Portugal. Não me quero alongar acerca disso porque parece que estão a descobrir a pólvora e é preciso ver que houve muitos problemas com as cooperativas. O movimento cooperativo é uma coisa muito bonita mas realmente tem dado muito problemas. Para a mentalidade de muitos a ideia de cooperativa é receber.
E o alojamento local continua a ser visto como bode expiatório. Tem associados neste mercado?
O problema do alojamento local também não é da minha seara mas, às vezes, temos vários proprietários que têm as suas casas arrendadas a empresários do alojamento local. Não exploram diretamente, isso é outra confusão que anda aí. Não quer dizer que isso não aconteça. Temos alguns até com problemas no incumprimento do pagamento da renda. Mas isso é outro assunto. Dá a ideia que o empresário do alojamento local é dono do imóvel. Não. Isso pode acontecer uma, duas ou três vezes. Na generalidade dos casos, o dono do imóvel arrendou-o para esse efeito.
Acha que o Governo nos últimos anos não fez nada e agora quer resolver todos os problemas?
Já dissemos várias vezes que as casas fazem-se com cimento, tijolo, vidro, aço, madeiras, todos esses materiais. Não se fazem com a cascata de legislação que tem saído. Uma cascata de legislação é uma coisa impossível e não faz casas. A prova disso é que já desistiram de um momento para o outro de ir dos tais 2% para os 5%. Agora, a vítima é o do costume: o proprietário. Por outro lado, vejo declarações, até da ministra a dizer que vamos fazer na habitação, a mesma coisa que existe com o Serviço Nacional de Saúde e com a escola pública. Trata-se de um erro crasso. Primeiro, se é ao nível da eficiência, estamos conversados. Como sabe, na saúde estamos pessimamente assistidos pelo SNS porque as urgências, quando as pessoas mais precisam não existem, ainda ontem houve uma senhora que teve uma criança à porta porque a maternidade estava fechada. Isto é uma vergonha completa. E quanto à escola pública há dois meses, pelo menos, que não há aulas. Não podemos perder de vista que 98% dos hospitais são públicos e a maioria das escolas são públicas. O Estado está a gerir aquilo que é seu, chamemos-lhe assim. Em relação à propriedade é ao contrário. 98% da propriedade é privada e parece que só 2% é pública. O único processo que encontraram, por vias travessas e com boas palavrinhas, atribuir subsídios aos senhorios, tentaram dourar a pílula e estatizarem a propriedade privada. Evidente que nenhum proprietário pode aceitar isto e sobretudo custa também a compreender como apareceram tantas pessoas agora a quererem mandar na casa dos outros. Isto é ridículo.
Pensa que vai haver bom senso?
Penso que sim. Sobretudo, naquilo que é meu ninguém toca. Isso tenham santa paciência.