por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Dois dos maiores escritórios de advogados do país estão postos em xeque depois de ter sido revelado que o relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) considerou ‘nulo’ o acordo celebrado para a saída de Alexandra Reis da TAP, e, consequentemente, o Governo ter anunciado a demissão por justa causa da CEO e do chairman da companhia de aviação. «A avaliação da Inspeção-geral das Finanças [IGF] concluiu pela nulidade do acordo celebrado em fevereiro de 2022 […]. Recorre a necessidade de repor a legalidade do procedimento de cessação de funções e torna elegível a devolução das verbas», disse, esta semana, o ministro das Finanças.
O valor pago aos dois escritórios de advogados – a SRS Legal, de Pedro Rebelo de Sousa (irmão do Presidente da República) e a Morais Leitão, de Nuno Galvão Teles – continua no segredo dos deuses.
Ambas as sociedades de advogados acabaram por ser pagas – neste proceso – pela TAP (segundo uma das cláusulas do acordo agora declarado nulo pela IGF, a assessoria jurídica de Alexandra Reis seria paga pela companhia).
Nenhum dos escritórios quis adiantar mais esclarecimentos ao Nascer do SOL, mas a SRS_Legal fez questão de reiterar que «mantém-se convicta de ter aconselhado o seu cliente [a TAP] nos termos estritos da lei».
Ao que o Nascer do SOL apurou, a SRS Legal contava com dois advogados a tempo inteiro na TAP, desde outubro de 2020, e foi chamada a assessorar a saída da ex-administradora, por alegada incompatibilidade entre Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener. Um desfecho que teve de ser acelerado, porque o processo estava a decorrer na véspera de eleições legislativas. O verniz entre as duas estalou em janeiro deste ano, com a CEO a ameaçar que bateria com a porta, tendo o seu pedido sido aceite pelo Governo. O Nascer do SOL apurou que havia receio de que Pedro Nuno Santos não continuar à frente deste Ministério após as eleições e daí as duas partes terem chegado a acordo em menos de 48 horas, isto é, em tempo recorde e durante um fim de semana, envolvendo quatro partes: SRS por parte da TAP, Morais Leitão do lado de Alexandra Reis e os gabinetes jurídicos da companhia aérea e do Ministério das Infraestruturas.
Curiosamente, todo este processo desenrolou-se numa altura em que a diretora jurídica da TAP – Stephanie Sá da Silva, mulher de Fernando Medina – estava de licença de maternidade. Também Fernando Medina ainda não estava no Governo e, por isso, à época não tinha qualquer responsabilidade. O certo é que foi Fernando Medina quem acabou por ir buscar Alexandra Reis para o seu Ministério, como secretária de Estado do Tesouro.
Stephanie Sá da Silva deixou o cargo, alegando eventual conflito de interesses.
Parecer sem carácter vinculativo
O parecer divulgado pela IGF tem apenas caráter consultivo, ou seja, não é vinculativo, o que significa que, se o processo acabar em tribunal, o Estado pode ficar em situação de desvantagem.
A bola está agora do lado de Christine Ourmières-Widener, que já ameaçou retirar «consequências legais» e contratou Inês Arruda, sócia da Vasconcelos, Arruda & Associados.
Fernando Medina deixou claro que os dois gestores não terão direito a qualquer indemnização pela cessação do mandato, uma vez que, no seu entender, existe justa causa, admitindo apenas o pagamento de eventuais bónus relativos aos resultados alcançados.
O ministro das Infraestruturas já veio afirmar , entretanto, que a ideia do Governo é que a ainda CEO saia da TAP o «mais rápido possível».
Para já, tanto o presidente do conselho de administração como a presidente executiva continuam em funções. «Apesar da aludida intenção do acionista da TAP, o PCA [presidente do Conselho de Administração, ‘chairman’] e a PCE [presidente da Comissão Executiva], na medida em que, tanto quanto a TAP tem conhecimento, não foi ainda adotada qualquer deliberação pelo acionista, continuam em funções, nos termos da lei, cumprindo as responsabilidades inerentes aos respetivos cargos», lê-se num esclarecimento enviado, esta quinta-feira, pela TAP à CMVM.
De facto, não tendo ainda havido assembleia-geral destitutiva, nenhum dos dois pode ter sido notificado da destituição e, por isso, continuam em funções.
Recorde-se que o anterior CEO da TAP, Antonoaldo Neves, também permaneceu no cargo cerca de dois meses depois de o então ministro Pedro Nuno Santos ter anunciado publicamente a sua demissão.
O Nascer do SOL confirmou, entretanto, que Manuel Beja, o ainda chairman da companhia de aviação, não vai contestar a sua saída. Aliás, foi com base nas mesmas fontes, que o Nascer do SOL_revelou na semana passada que Manuel Beja tinha os dias contados na TAP.
E Alexandra Reis?
Apesar da gestora não concordar com o parecer da Inspeção-Geral das Finanças, já veio afirmar que devolverá a verba considerada indevida – de cerca de 450 mil euros. «Embora discorde do parecer da IGF e nada me obrigue a isso, reafirmo o que sempre disse que faria: por minha vontade própria devolverei o que indica a IGF, lamentando os ataques de caráter de que fui alvo nos últimos meses e com os olhos postos no futuro», disse em comunicado divulgado horas depois da conferência de imprensa ministerial. Ainda assim, deixou um recado: «Se o acordo é inválido, temos, então, uma demissão por mera conveniência – uma vez que a decisão unilateral para a minha saída da empresa foi da CEO –, o que me confere, legalmente, direito a uma indemnização».
Fontes ouvidas pelo Nascer do SOL admitiram que, se Alexandra Reis entender levar o caso à barra do tribunal, em função do próprio relatório da IGF, poderá vir a reclamar o total de remunerações que deixou de receber com todo este caso e que ronda 1,5 milhões de euros. «Se o processo fosse para tribunal e se confirmasse em tribunal o que diz a IGF, o mais certo é que venceria», antecipa uma das fontes.
Outro dado curioso diz respeito ao facto de a Morais Leitão estar atualmente a prestar serviços à TAP, tendo deixado de assessorar Alexandra Reis alegando conflito de interesses.
Já a SRS Legal e a TAP chegaram a entendimento de rescisão do contrato de assessoria jurídica a partir de maio próximo. E até 31 de maio também a SRS Legal continua em funções, mas o nosso jornal sabe que a companhia aérea foi pressionada a acabar com a prestação de serviços depois desta polémica.