Igreja afasta padres suspeitos de abusos

Para acabar com as dúvidas, a Igreja quer ir ao encontro das reclamações dos católicos e vai afastar temporariamente todos os padres suspeitos. Mas não será tarefa fácil, devido ao ‘imbróglio’ das listas, com padres que já morreram e outros que não se sabe quem são.

Igreja afasta padres suspeitos de abusos

por Vítor Rainho e Felícia Cabrita

Já não restam dúvidas: todos os bispos das 21 dioceses irão afastar provisoriamente os padres que constam da lista entregue pela  Comissão Independente para o estudo de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica, mas há um senão: é preciso descobrir quem são, já que nalguns casos está a ser muito difícil fazer corresponder a queixa  ao abusador. Seja padre, catequista ou chefe dos escuteiros. «40% dos nomes que constam da lista dizem respeito a sacerdotes já falecidos. Outros reportam-se a casos já julgados e ainda os que estão a decorrer na Justiça. Sobre os casos recentes, os que já foram identificados, ou que estamos a tentar identificar, serão suspensos provisoriamente enquanto não chegar ao fim a investigação», confessou ao Nascer do SOL um dos bispos de uma das dioceses.
Mas, por absurdo, se algum responsável por uma diocese decidisse em contrário, não teria grandes hipóteses, pois seria chamado ao Vaticano, à semelhança do que aconteceu, em 2018, com os bispos chilenos que tentaram encobrir casos de pedofilia na Igreja do país de Salvador Allende.

A trapalhada da conferência de imprensa e as confusões

No final da semana passada, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deu uma conferência de imprensa, depois de ter estado reunida com a comissão independente, e provocou descontentamento e desânimo em grupos de católicos, e na população em geral, pois não assumiu que iria afastar os padres suspeitos, além de não ter admitido indemnizar as vítimas, apesar de ter garantido que pagaria todas as despesas com psicólogos ou psiquiatras. A confusão aumentou dias depois, quando o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, bem como o bispo de Beja, D. João Marcos, se referiram à impossibilidade de suspender os padres suspeitos de abusos sexuais, e admitir, perdoar aqueles que se tenham arrependido e feito penitência, respetivamente.  

Rapidamente os dois foram ‘desmentidos’ pelos seus pares, nomeadamente pelo arcebispo de Évora e pelo bispo auxiliar de Braga, entre outros. Recorde-se que três padres que constavam da lista já foram afastados, dois dos Açores e um de Évora. 

Entretanto, a arquidiocese de Braga anuncia hoje a suspensão de pelo menos um sacerdote e a proibição de um outro de celebrar missa sequência do relatório liderando pelo comissão liderada por Pedro Strecht. Estes dois casos foram revelados pelo Nascer do SOL em setembro do ano passado e têm na sua origem denúncias feitas por vítimas das dioceses de Guimarães e Famalicão.

No caso de Famalicão, trata-se de Fernando Sousa e Silva, ex-cónego de Joane, que, durante décadas, terá abusado de dezenas de crianças no confessionário. Estes abusos estão a ser denunciados, pelo menos, desde 2003, mas D. Jorge Ortiga, que foi arcebispo de Braga entre 1999 e 2021, ignorou os alertas.

Apenas em 2019, perante uma nova denúncia e tendo já em vigor as novas orientações do Papa Francisco, o caso foi julgado em tribunal eclesiástico e chegou ao Vaticano, tendo o cónego sido proibido de ministrar missa e fazer confissões. Contudo, continuou como padre na diocese de Braga.

O pedido de desculpas chegou recentemente, depois de uma investigação do Nascer do SOL ter sido publicada em setembro do ano passado e o atual arcebispo de Braga – D. José Cordeiro – se ter deslocado à aldeia para pedir perdão às vítimas.

O segundo sacerdote é de Guimarães. Ainda está no ativo. A denúncia foi reportada por Olga (nome fictício), em 2019, à arquidiocese de Braga, reiterando recentemente à Comissão Independente abusos sexuais referentes aos seus filhos menores.

Mas, como já tinha acontecido anteriormente com o cónego Fernando, o arcebispo nada fez. Apenas três anos depois, a dias de ser substituído por D .José Cordeiro, chamou a denunciante para lhe fazer um pedido: caso fosse questionada que dissesse que este sempre a tinha apoiado.

 

O pecado de D. Manuel Clemente

Qual foi o pecado de D. Manuel Clemente? Não ter feito a distinção entre suspensão e medidas cautelares. No primeiro caso, só o Vaticano pode decidir suspender sacerdotes, depois de abrir um inquérito, mas os bispos portugueses têm a possibilidade de aplicar medidas cautelares, que passam pelo afastamento provisório de funções dos párocos suspeitos. Cansado e a debater-se com problemas de saúde, D.Manuel Clemente já fez saber aos mais próximos que está com vontade de abdicar, mesmo antes da Jornada Mundial da Juventude. «Está cansado de tanta confusão depois de ter lutado tanto contra os abusos na Igreja», diz ao Nascer do SOL  fonte próxima do cardeal-patriarca.
Já o bispo de Beja, que não há muito tempo sofreu um AVC, segundo fontes eclesiásticas, «sofre de alguns problemas de memória e também está perto da aposentação». 

Quanto às trapalhadas da conferência de imprensa da CEF, muitos atribuem as falhas de D. José Ornelas, à confusão das listas, já que não tiveram tempo para as trabalhar. «Há muitos dados que não são claros. Cada diocese recebeu a sua lista, atendendo à lei da proteção de dados. Depois era preciso relacionar esses nomes com os documentos que cada diocese tem. Só que aqui surge logo um problema: há dioceses que não correspondem aos distritos geográficos do país», explica fonte da CEF.

Já um bispo ouvido pelo Nascer do SOL vai mais longe. «As dioceses pequenas puderam olhar para a lista e fazer rapidamente o seu trabalho, mas o mesmo não se pode aplicar àquelas que têm mais nomes da lista. Teria sido simples dizer que se iam suspender todos os padres da lista, mesmo que não soubessem quem são. E esse foi outro dos erros, pois não se explicou bem a situação».

O bispo em questão dá mais exemplos: «A comissão teve um trabalhão para depurar de todos os depoimentos qualquer elemento de identificação pessoal. Há casos em que dizem o padre que ia à paróquia às vezes (quer dizer que não era pároco mas sacerdotes que lá iam ajudar); ou o chefe dos escuteiros. Por isso é que precisávamos de ir para casa trabalhar para cotejarmos esses nomes com informações que já tínhamos. Que é o que se faz quando uma pessoas não se identifica. Por lei se o denunciante não tem nome não há caso. E o crime muitas vezes não está nada claro. Porque se a pessoas se identifica é fácil ir atrás deles para dar mais detalhes. Porque dizer só que padre se portou mal com os filhos não chega. ‘Sou a mãe deste menino e o padre ou o chefe dos escuteirps portou-se mal. E depois o que se faz quando uma pessoas não se identifica?’ Não é que o depoimento anónimo não seja vádido, a Igreja pode continuar a investigar e perceber se há ou houve outras denúncias em relação àquele padre. Desde que haja razoabilidade pode-se suspender».
E qual vai ser o futuro da Igreja em relação à suspeição de abusos sexuais? «Em relação a todos os casos que surjam no futuro o entendimento é enviar para o Ministério Público, que tem meios para investigar para que não fique qualquer dúvida em relação à Igreja», acrescenta a mesma fonte. 

Entretanto, segundo a Ecclesia, «a comissão de proteção de menores e adultos vulneráveis do Patriarcado de Lisboa e a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) ultimaram um protocolo para a prevenção de casos de abusos sexuais na Igreja. ‘O protocolo tem uma área de atendimento, por parte da APAV, ligada à Grande Lisboa, com postos de apoio em Lisboa, Oeiras, Cascais, Odivelas e Cadaval. Não se limita ao acolhimento, acompanhamento e eventual tratamento para quem precisar, mas estão pensadas sessões de formação para a prevenção’, disse hoje José Souto Moura, membro da comissão do Patriarcado, em declarações à Agência ECCLESIA e Rádio Renascença. Esse trabalho preventivo vai envolver a APAV, as vigararias (conjunto de paróquias) e IPSS do território da equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, presidida por José Souto Moura», e não deverá incluir sacerdotes, para que os ‘queixosos’ se sintam mais à vontade.

 

Padre Albino promete esclarecer ‘invenção’

Confrontado pelo Nascer do SOL com a medida cautelar que lhe foi aplicada em função da lista entregue pela Comissão Independente aos Abusos Sexuais na Igreja Católica, o padre Albino Meireles afirmou: «Trata-se de uma pura invenção que será esclarecida em sede própria».