Preços: Governo diz acompanhar evolução

O Observatório dos Preços é já uma realidade e, ao Nascer do SOL, o Ministério da Agricultura garante acompanhar a situação e explica como se vai processar a medida. Preços continuam a subir. Deco e analista explicam.

Preços. O que diz a oposição

A inflação vai dando sinais de alívio mas nem por isso os preços nas prateleiras seguem essa tendência. A discussão tem subido de tom com críticas da oposição e dos portugueses e o Governo teve que meter mãos à obra e anunciar a entrada em peso do Observatório dos Preços, que tem como objetivo garantir que o consumidor paga um preço justo pelos bens alimentares.

Ao Nascer do SOL, o Ministério da Agricultura explica como vai funcionar este mecanismo e quais as fases pelas quais vai passar. «O Governo acompanha com toda a atenção a evolução dos mercados, estando disponível, como é público, para a todo o momento avaliar e decidir em função da realidade concreta e de acordo com os instrumentos de política publica disponíveis, de forma a garantir os direitos dos consumidores, bem como dos produtores, distribuição, retalho e comercialização», avança, acrescentando que não vai deixar de procurar «em cooperação com todos os agentes da cadeia agroalimentar soluções que mitiguem os efeitos do conjunto de crises que sucessivamente temos, enquanto comunidade, enfrentado».

O ministério liderado por Maria do Céu Antunes lembra que este mecanismo «está em funcionamento desde outubro de 2022», trabalhando, além do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA), com dados da Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA), do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Eurostat e da DOCAPESCA. E avança que está «neste momento em fase de finalização o concurso internacional para aquisição de informação sobre preços no consumidor, dos últimos três anos», lembrando que o objetivo «de monitorizar a transmissão dos preços ao longo da cadeia, através do alargamento do âmbito da recolha e divulgação dos dados, deverá proporcionar aos intervenientes no mercado uma melhor compreensão do funcionamento da cadeia de abastecimento, melhorando assim o seu desempenho global».

Revela ainda que durante o período em que o mecanismo esteve em funcionamento foi «possível analisar a tendência de evolução dos preços praticados na produção, informação que também serviu de suporte à decisão política de orientar cerca de 80 milhões€ de apoios em medidas excecionais, para mitigar os efeitos das sucessivas crises que a agricultura nacional e os agricultores tem enfrentado, nomeadamente dos efeitos da guerra na Ucrânia».

Concluída que está a primeira fase da criação do OP, «previsivelmente a segunda (aquisição de informação de preços no consumidor ao longo dos últimos 3 anos) e a terceira fase (análise da cadeia de valor nas fileiras) estarão concluídas em abril, a segunda fase, e em junho (no limite de todos os prazos) a terceira fase», acrescenta, lembrando que com base na informação produzida e publicada pelo OP será definido, até ao final do ano, «um conjunto de boas práticas que dará lugar à atribuição de um Selo de Adesão que acompanha a venda do produto ao consumidor final, que garante que ao longo da cadeia ninguém foi prejudicado».

Já Rita Rodrigues, diretora de Comunicação e Relações Institucionais da Deco Proteste, diz ao nosso jornal que o Observatório de Preços «é como o próprio nome indica uma recolha de informação que é importante mas que não traz resultados práticos mediáticos e por isso peca por tardia», acrescentando que as famílias portuguesas «precisam de uma intervenção rápida e não podem esperar pela implementação, recolha e discussão de conclusões enquanto o observatório faz o seu caminho, em paralelo terão de ser implementadas medidas».

Questionada sobre se a culpa da aumento dos preços será do Governo ou dos grandes grupos de distribuição, Rita Rodrigues é perentória: «Não havendo transparência de preços ao longo da cadeia do produtos ao distribuidor, não dispomos de informação que nos permita responder. De uma coisa não temos dúvida: é o consumidor que está a pagar cada vez mais».

Mas as medidas não são consensuais. Ainda esta semana, Cláudia Azevedo, presidente executiva do grupo Sonae, defendeu que «tentar fixar preços dá sempre mau resultado: um produtor português que tem de melhorar os seus fatores de produção não vai querer vender a uma cadeia portuguesa com os preços fixos. Vai vender para fora. Um produtor estrangeiro não vai vender a Portugal com margens tão baixas. O resultado final de uma política dessas é ter as prateleiras vazias. Isso ninguém quer», disse na apresentação de resultados do grupo.

Henrique Tomé, analista da corretora XTB, considera que aplicar medidas para combater as margens dos grandes retalhistas «pode ter um efeito benéfico e prejudicial em simultâneo». E detalha: «Por um lado ajuda os agentes económicos a terem mais poder de compra, mas por outro lado, pode desincentivar os produtores se estes virem as suas margens reduzidas, uma vez que as grandes cadeias de retalho têm um maior poder negocial com os pequenos produtores. Sendo que em casos extremos, este cenário poderia levar a rutura de stocks se os produtores se recusassem a produzir, devido à redução das margens».

 

Preços continuam a subir

Recorde-se que, em causa, está o constante aumento dos preços dos produtos alimentares. Os dados mais recentes da Deco Proteste revelam que, a 15 de março, o cabaz de bens alimentares essenciais passou a custar 234,84 euros, um aumento de 27,89% (mais 51,21 euros) face a 23 de fevereiro de 2022, véspera do início da guerra na Ucrânia, e de 22,58% (mais 43,26 euros) face ao período homólogo (16 de março de 2022). Este valor representa um novo máximo desde que a associação iniciou a monitorização da cesta de 63 produtos alimentares essenciais.

As categorias das frutas e dos legumes e do peixe são as que mais viram o seu preço aumentar (ver gráfico).

Mas, afinal, porquê que os preços não descem se a inflação tem aliviado? «Em períodos de inflação há sempre setores que tendem a aproveitar-se destes momentos para aumentar as suas margens. No caso do retalho, existe de facto aproveitamento no lado dos grandes retalhistas que têm uma maior margem negocial com os produtos e entram conluio», explica ao Nascer do SOL Henrique Tomé.

E a verdade é que os lucros das grandes cadeias de distribuição têm crescido – como é o caso da Sonae, que anunciou esta quinta-feira ter fechado 2022 com lucros líquidos de 342 milhões de euros, um crescimento de 27,7% face a 2021. Henrique Tomé diz que esse crescimento acontece porque esses grupos «têm capacidade de subir o preço mais do que a inflação conseguindo margens ainda maiores».

Já Rita Rodrigues explica que a inflação «consiste numa subida generalizada e sustentada dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias» e que, como a inflação é calculada através da taxa de variação de preços, «se essa taxa for zero, os preços não mudam. O que quer dizer que o impacto não será na descida dos preços mas no não aumento ou aumento menor dos mesmos».

A verdade é que a subida dos preços tem causado muita preocupação nos portugueses e na oposição (ver texto ao lado) mas o ministro das Finanças, Fernando Medina, pôs de parte a eliminação do IVA em determinados produtos, medida que foi adotada em Espanha. «Não resolve o problema dos preços elevados, por exemplo, nos alimentos», disse.

Medina defendeu que contrariar o aumento dos preços só é possível se o Governo «reforçar o rendimento das famílias mais vulneráveis e concentrar aí os esforços», lembrando que propôs o aumento «muito significativo» do salário mínimo este ano bem como a subida das prestações sociais mais baixas.

Ainda assim, Gonçalo Lobo Xavier, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, já tinha dito ao nosso jornal que estava tudo preparado para fazer o esforço de redução do IVA, a qual acabaria necessariamente por se refletir nos preços.

 

ASAE instaura 25 processos-crime

Ainda esta semana, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) realizou uma operação de fiscalização, de norte a sul do país, dirigida a supermercados e hipermercados, com o objetivo de verificar o cumprimento legal da afixação de preços, das vendas com redução de preços e da prática de alegado lucro ilegítimo (especulação), obtido na venda de bens alimentares e não alimentares. Foram fiscalizados 141 operadores económicos, tendo sido instaurados 25 processos-crime pela prática do crime de especulação de preços (delito antieconómico).

A ASAE informou ainda que foram instaurados 17 processos contraordenacionais, «destacando-se como principais infrações o incumprimento das regras relativas a vendas com redução de preço, a prática de ações comerciais enganosas, a falta de afixação de preços, a falta de controlo metrológico em instrumentos de pesagem, o incumprimento na prestação da informação ao consumidor e a falta de informações obrigatórias na rotulagem de produtos alimentares».

Face aos resultados das ações de fiscalização, o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, disse que é preciso «reprimir com rigor práticas comerciais abusivas» no preço dos alimentos.

 

‘Fiscalização de açambarcamentos’

Sobre a inflação e o aumento de preços, Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, diz ao nosso jornal que os bancos centrais das principais economias avançadas «têm estado na linha da frente no combate à inflação mais elevada das últimas décadas» mas alerta que «esta tem sido uma tarefa hercúlea para os bancos centrais, sendo mesmo muito difícil travar a elevada inflação apenas com uma postura monetária energicamente restritiva, refletida na subida significativa das taxas de juro, sem redundar numa recessão económica».

O economista acrescenta que as demais autoridades «deveriam também ter um papel talvez mais ativo no combate à inflação desde a fiscalização de açambarcamentos a possíveis evidências de cartelização» e que «uma política orçamental expansionista focada numa redução dos impostos de alguns produtos importados, sobretudo daqueles que incidem sobre as matérias-primas, nomeadamente combustíveis fósseis, poderia talvez ter mitigado logo no início muitos dos efeitos perniciosos da inflação e mantido as expectativas da inflação mais ancoradas, mais perto dos níveis de estabilidade de preços dos bancos centrais nos 2%».