A CAP acabou por assinar o pacto com o Governo para reduzir e estabilizar os preços alimentares. Como é que isso foi possível?
Vamos começar por interpretar a questão da forma como isto decorreu. As negociações foram todas feitas em exclusivo com António Mendonça Mendes, agora secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, que demonstrou bom senso e vontade de querer fazer o acordo. Penso que se não tivesse sido com ele, nada disto tinha sido possível. Porque é que estou a dizer isto? Primeiro, porque o tempo foi muito curto. Segundo, pelas circunstâncias em que isto se deu, em que estávamos numa manifestação na sexta-feira e as negociações passaram-se entre sexta e segunda.
Em tempo recorde…
Veja a pressão que tem em cima. Tínhamos estado numa manifestação, que estava programada para contestar a ação da ministra e sua incompetência. E o que é que aconteceu? Surgiu toda uma polémica à volta da alta dos preços. Também o INE revelou que que o setor agrícola registou uma quebra de rendimento face ao ano anterior de 12%. E a CAP andava há mais de um ano a dizer que as ajudas não existiam, quando os espanhóis fizeram isto, no ano passado. Os franceses também fizeram isso, como toda a Europa fez quando os preços subiram. Mais uma vez, fruto da incompetência. Aliás, já nem é incompetência a palavra, porque a ministra da Agricultura não tinha peso político para fazer isto. Em três dias António Mendonça Mendes fez aquilo que a ministra não foi capaz de fazer num ano e meio.
E esteve afastada das reuniões…
Nunca falei com a ministra, em nenhum ponto desta negociação.
Acha que isso revela falta de peso político?
Daí ter dito que o peso político de Mendonça Mendes permitiu que, em três dias, fizesse aquilo que ela não foi capaz de fazer num ano e meio. Mas vamos enquadrar esta situação, que começa no verão quando a CAP contestou a falta de medidas relativamente à brutal seca que estávamos a viver. E, nessa altura, dá uma resposta aos jornalistas a dizer ‘Vão perguntar à CAP’ quando nunca explicou essa questão. Uma coisa gravíssima, em termos democráticos. Depois há o acordo de concertação e, mais uma vez, a ministra não aparece. A negociação foi feita com a Ministra do Trabalho e com António Mendonça Mendes, enquanto secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e com o gabinete do primeiro-ministro. A ministra não apareceu. E agora fazemos este pacto. Mas como é que apareceu? Contactaram-nos na quinta-feira à noite, depois de Pedro Soares dos Santos e de Paula Azevedo terem dito: ‘Atenção, sem apoiar a produção, os preços não baixam e não conseguimos fazer milagres’. E este tipo de apoios aconteceu em toda a Europa, não foi uma coisa portuguesa. E isso foi mais um facto a juntar às críticas e às manifestações que vínhamos a fazer. Foi tudo junto e foi um motivo para sermos chamados. Mas só sexta-feira depois da manifestação é que começámos a negociar.
Nessa sexta-feira estavam numa manifestação em Évora…
Exato. Mas quando fomos chamados à negociação e porque já tínhamos tido a experiência do acordo de concertação, em que a ministra quis passar a imagem de que estava ao lado da CAP e que tinha ajudado o setor quando não fez nada, tivemos a necessidade de salvaguarda que isso não se iria repetir. Porquê? Porque estávamos numa manifestação na sexta-feira a contestar e, como tal, não era possível ao presidente da CAP aparecer na segunda-feira ao lado, de braço dado com a ministra. Esta foi uma das situações que se colocou e a sua presença para nós era impeditiva.
Mas foi uma exigência que mostraram desde o início? Isto é, que não negociavam com a ministra da Agricultura?
Acho que isso foi intrínseco, nunca se falou. Mas a ministra também não tinha essa capacidade para negociar. E o acordo só foi fechado porque meteu o ministro das Finanças e o primeiro-ministro, caso contrário não tinha ido a lado nenhum. Nem ia para a frente nem para trás e acredito que o Governo partiu desse princípio. No entanto, havia um problema para resolver que não era fácil, mas acho que se conseguiu resolver. Não fazemos as manifestações por acaso, fizemo-las porque temos razões para isso. Continuamos com o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) em não execução de 1.300 milhões de euros, agora serão 1.200 e o PEPAC tem um conjunto de decisões nacionais que lesam os agricultores em centenas de milhões de euros.
Metade do que gastámos na TAP…
Cerca de metade. Se juntarmos as outras coisas até 2027, já é capaz de chegar perto. Mas isso revela que é dinheiro que falta entregar ao setor agrícola e continuamos com o mesmo problema no PDR e com o PEPAC e, no acordo, consta que reconhecem o ponto de execução do PDR e que vão fazer esforços para a sua execução plena, enquanto o PEPAC vai ser corrigido em setembro. Isto não diz nada objetivo, mas diz muito em termos políticos.
É um compromisso?
É um reconhecimento do Governo do que está errado e que é preciso corrigir. Não é fácil para uma pessoa que tenha a tutela da pasta ver um acordo assinado pelo primeiro-ministro a dizer isto.
Mostra que está cada vez mais frágil…
Mas há mais. O acordo foi feito com a CAP. Já ouvi a ministra da Agricultura a dizer que o acordo foi feito com a CAP e que representava as outras organizações. Não. Foi outra das condições impostas, que o acordo fosse feito com a CAP e não com outras organizações. Se quisessem fazer acordos com outros, a CAP não estava. É importante perceber que quem negociou e quem fez o acordo foi a CAP. Apesar da ministra, nos últimos dias, ter andado a dar a volta à realidade, a realidade não é essa. O acordo foi feito com a CAP e as condições que se conseguiram foi com a CAP e com o gabinete do primeiro-ministro. Ponto. A CAP representou os agricultores todos de Portugal, mas não representou as outras organizações. Também é preciso dizer que estes apoios foram conseguidos devido ao aumento dos custos de produção e houve a compensação de 10 cêntimos de gasóleo para todo o consumo de 2021 e que se conseguiu o ano passado no acordo que assinámos com o Estado.
Agora os apoios são cerca de 200 milhões…
Não chega bem, depende do consumo de 2022. Mas deve andar entre os 180 e os 190 milhões. Com estes apoios ficámos equiparados aos espanhóis, mas são apoios que vêm atrasados. No entanto, mais vale tarde que nunca. O que é certo é que aquilo que não se fez num ano e meio conseguiu-se em 48 horas com o gabinete do primeiro-ministro. E gostava de destacar outra coisa que é importante para os consumidores perceberem. Quando há um problema com os agricultores – parece que não tem nada a ver com mais ninguém sem ser com os agricultores – isso reflete-se no custo dos alimentos a todos os consumidores, porque as pessoas todos os dias têm de comer. Se a política agrícola comum não é bem aplicada, se não chega a horas ao setor, se ficam por utilizar verbas que já deviam estar executadas – 1.300 milhões é muito dinheiro e continuamos com essa questão por resolver – isso tem repercussão no preço dos alimentos. Por isso é que fazemos parte deste pacto, numa altura, em que há um erro da política agrícola por estar a extinguir as direções regionais e a desmantelá-las para as CCDR. Isso é um erro grave e se o Governo insistir em fazê-lo neste timing não vai conseguir executar os 1.300 milhões.
Isso poderá pôr em causa o acordo agora assinado?
O acordo foi assinado, mas estas coisas não se corrigem de um dia para o outro e só tem algum efeito na produção quando as ajudas forem efetivamente recebidas pelos agricultores. Se isto durar três meses, só daqui a três meses é que terá algum impacto. Se demorar seis meses, neste período o IVA já nem se vai notar.
O pior cenário são os seis meses?
Não sei qual é o pior cenário. Mas é importante referir que é preciso usar estes 1.300 milhões de euros. nem que seja para trocar, por exemplo, os tratores, já que era muito melhor do que dar os 10 cêntimos de gasóleo de compensação, uma vez que, um trator novo gasta menos 30 ou 40% de gasóleo do que um velho. Em alguns casos, até se pode chegar a uma compensação na ordem dos 50%. Além disso, o PEPAC que está no acordo tem como prazo até setembro, é quando têm de ser solicitadas as alterações à Comissão Europeia. Mas temos problemas antes disso. Neste momento, mais de 70% dos agricultores não conseguem fazer a sua candidatura. Essa situação é muito complicado, porque já estamos em abril e as coisas já deviam estar noutra fase. Quando a gestão do setor agrícola em termos políticos está mal acaba por afetar todos os cidadãos.
Mas ao serem chamados para o acordo, o Governo tomou consciência da falta de diálogo?
Quem começou a isolar a CAP foi a ministra, não fomos nós. Toda a arquitetura do PEPAC foi feita, mandámos propostas, mas não discutiram com ninguém. O Governo não tem de fazer, nem tem de tomar as opções que as associações afiliadas da CAP – que são a grande maioria dos agricultores em Portugal – propõem, mas tem de saber responder porque é que tomou aquela opção e não outra. E isso nunca aconteceu. Aplicar uma política agrícola comum sem envolver o setor dá nisto.
A ministra tem vindo a afastar a sua fragilidade política, acha que o Governo poderá aproveitar para remodelar esta pasta?
Isso é uma decisão do primeiro-ministro, mas todos sabemos que o primeiro-ministro não remodela nenhum ministro debaixo de crítica. Aquilo que a CAP diz é que quanto mais tarde o fizer, maior é o prejuízo para o país. Isso é inequívoco e o tempo, infelizmente, irá demonstrar isso. Nunca estivemos na situação de atraso face à execução de um quadro como estamos agora. Se isso não é suficiente para acender todas as luzes vermelhas então não sei o que será suficiente.
A ministra já disse que vai contratar empresas para controlar o acompanhamento permanente dos preços…
Ainda não percebi o que era, não nos foi explicado qual era o objetivo dessa contratação. Não me parece que haja nenhum ganho em comparar preços entre 2019, 2020 e 2021. São outras realidades, outros custos, tenho é de perceber se face aos fatores de produção que tenho agora se o preço a que sai da produção e que depois é vendido à indústria ou ao intermediário e que depois chega à venda, à distribuição, é ou não equilibrado e ver as margens com que cada um fica. Não sei se é com esse mecanismo que vamos ver isso. Tenho dúvidas. O Governo também fala na ASAE, mas não tem competência para ver margens de lucro. Isso é uma falsa questão. A história da ASAE ainda é mais profunda. A ASAE nasceu por uma necessidade europeia e vai ao supermercado verificar se a balança está a pesar, se a etiqueta bate com a outra, se os produtos estão a cumprir as regras estipuladas por lei, mas não existe nenhuma lei em Portugal que me limite margens. Aliás, um agricultor pode vender uma garrafa de vinho a um restaurante e este depois pode ter uma margem de 500% e ninguém reclama sobre isso. As margens não estão limitadas. Não vivemos numa economia controlada.
Mas acena-se com o Observatório dos Preços…
Tem de perguntar à ministra. O Observatório foi anunciado em maio do ano passado, foi legislado em outubro e nunca funcionou. Ainda não percebi se o Observatório dos Preços é para os consumidores ou para os agricultores. Estou preocupado é que tudo isto venha resultar num maior esmagamento dos preços à produção. A CAP não permitirá isso, nem este sistema o pode permitir.
E em relação ao lapso de terem ficado excluídos do comité do PEPAC?
Faz parte da postura da ministra em tentar ignorar ou eliminar a CAP.
Em relação ao acordo, as reuniões foram com a APED ou foram isoladas?
Eram reuniões separadas e a maioria delas, exceto uma, foram todas via telefone.
Com este acordo, as manifestações são canceladas?
Não. As manifestações que realizámos eram as que estavam previstas. Vamos continuar com os protestos. Houve um conselho esta semana, onde ficou determinado que a ministra não é convidada para nenhum dos seus eventos. Não é só com manifestações que se protesta.
As paralisações ficam em stand by?
Quando começámos em janeiro só tínhamos previsto estas, não tínhamos previsto mais. Não parámos as manifestações porque fizemos um acordo, eram seis manifestações que estavam previstas, não eram 20.
Mas havia a hipótese de haver uma grande em Lisboa…
E continua a haver. Ainda esta semana estivemos a fazer essa ponderação. Essa manifestação está, como esteve sempre, no horizonte de acontecer. Depende de como as coisas evoluírem.
E acha que para a opinião pública é fácil compreender os protestos quando se ouviu falar que a produção ia receber cerca de 200 milhões?
Essa é uma parte do problema, mas a produção tem mais problemas. Pensar que compram o silêncio dos agricultores com este pacto não é verdade.
Os problemas vão além do preço da produção…
Não está no pacto em nenhuma alínea que não nos podemos manifestar. Tivemos a capacidade de fazer manifestações na sexta-feira e assinar um acordo na segunda, temos capacidade para cumprir o que está no acordo e espero que o Governo faça o mesmo que é cumprir e realizar estes pagamentos rapidamente, como é rever o PEPAC e é tomar decisões que levem à execução plena do PDR. Esse é o nosso objetivo. O nosso objetivo não é fazer manifestações. Só fazemos se for necessário.
Na última entrevista disse que já desde o ministro Jaime Silva que não tinha havido estes protestos…
É preciso vincar bem isto porque as pessoas fazem este raciocínio de ‘fizeram o pacto, param as manifestações’. Não. Só tínhamos previsto seis. Nunca marcámos nem nunca anunciámos a manifestação de Lisboa e para fazermos em Lisboa temos de fazer aquilo que é possível fazer em todas as capitais europeias que é fazer uma marcha de tratores sobre Lisboa. É invadir pacificamente Lisboa com tratores como acontece em Bruxelas, Paris, em todo o lado. Existe em Portugal uma lei com 20 e tal anos que tem de ser interpretada aos tempos de hoje para que se permita democraticamente fazer aquilo que se faz nas outras capitais. Essa situação continua em cima da mesa caso seja necessário.
Até lá esperam pelos prazos dados pelo Governo…
Vamos esperar que o Governo cumpra o pacto que foi assinado pelo primeiro-ministro. Está aqui a questão das CCDR, questões que não estavam no pacto e que são graves.
E que têm de ser resolvidas paralelamente?
Não podemos ir por tudo ou nada. Mas o Governo tomou consciência do problema, está disponível a compensar tal como já tinham feito os espanhóis e outros e não podíamos dizer que era ou tudo ou nada. Não foi isso que fizemos. Quando fazemos reivindicações, quando apontamos questões, não temos nenhum objetivo partidário. Há aqui na condução da política agrícola sempre uma influência partidária que não devia acontecer. Deviam pensar no melhor para o país e não no melhor para o partido, mas é isso que acontece.