Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Espanha já deu o tiro de partida no anúncio de medidas para enfrentar a seca que costumam ser aplicadas nos meses de verão face às elevadas temperaturas que começaram mais cedo. Muitos governos regionais, especialmente, nas regiões da Andaluzia, Estremadura e Múrcia, já começaram a avisar os idosos e os doentes com doenças respiratórias para não saírem de casa durante as horas do almoço, a menos que seja necessário. Em Madrid foi anunciado que as piscinas públicas, que normalmente entram em funcionamento no início de junho, abrirão ao público a partir de 13 de maio e a praia fluvial será aberta ao público esta semana, por outro lado, as equipas de proteção civil vão distribuir água nas ruas, especialmente aos idosos. E, ao mesmo tempo, foi mencionado que, em algumas administrações autónomas, como a Catalunha e Valência, foram antecipadas as medidas para proteger a população idosa nos meses de verão.
E já esta semana revelou que vai injetar mais de 784 milhões de euros no setor primário. Trata-se de um pacote de dez medidas e inclui ajudas diretas do Estado aos setores agrícola e pecuário, no valor de mais de 636 milhões de euros, e o subsídio de 70% dos seguros de seca dos cultivos mais afetados pela falta de chuva. A par das ajudas diretas, o Governo aprovou ainda benefícios fiscais para os produtores que tiveram uma redução de 20% nos rendimentos. Este exemplo também já tinha sido seguido por França, em que o uso de água está a ser restringido em 93 regiões. «Nunca vivemos uma seca como esta. E a má notícia é que, tanto quanto podemos ver, não há razão para pensar que vai parar», disse o ministro da Transição Ecológica Christophe Béchu.
Este cenário de seca também já foi reconhecido pelo Governo português, e questionado pelo Nascer do SOL, o Ministério da Agricultura disse que a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento da Seca reunirá durante o mês de maio, para monitorização e avaliação da evolução da situação.
E explica que a declaração de seca permite a aplicação, por exemplo, de um conjunto de medidas nacionais e outras que carecem de aprovação da Comissão Europeia, como o pastoreio em áreas de pousio e a flexibilização da alimentação dos animais em modo de produção biológica, «para as quais já foram solicitadas as devidas autorizações comunitárias».
Já nos casos mais críticos identificados no que respeita aos aproveitamentos hidroagrícolas, estão em curso Planos de Contingência para 2023 e estão a ser realizadas diversas intervenções, as quais constam do Programa Nacional de Regadios e do Plano Regional de Eficiência Hídrica. Ao nosso jornal, o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), estranha os atrasos perante a ameaça de perda que iremos enfrentar.
«O ministro francês prometeu que iriam garantir um caudal mínimo para rega para amortizar as perdas de produção, assinalou a necessidade de garantir a própria sobrevivência da planta e que é uma necessidade absoluta para assegurar a soberania alimentar de França. E avançou que o Governo cobrirá as perdas produzidas pela seca, assim como a criação de uma reforma do seguro de colheita, que entrou em vigor em 1 de janeiro, que cobrirá parcialmente as perdas de cultivo e perdas de meios de produção, incluindo para os agricultores que não têm seguro», alerta Luís Mira.
O responsável admite que «não tem dúvidas que a ministra vá fazer algo», mas reconhece que não sabe é quando. E ironiza: «Nem ela sabe. Mas agora é que acordaram para a seca? A seca já começou em janeiro. Acham que agora é que vai chover?».
Luís Mira diz ainda que, já no ano passado, as medidas chegaram atrasadas e que os agricultores, ao contrário do que acontece com outros países, não receberam nada. «As pessoas têm de perceber que sem água não se produz alimento. É uma opção. Se o país não quer produzir alimentos, quer é ter turistas e indústrias, então está resolvido o problema. Mas se quer produzir alimentos tem de ter água».
O secretário-geral da CAP critica ainda a ideia de que a agricultura gasta água. «Isto não se resolve com comissões que só querem tomar medidas para poupar água. Poupar já as pessoas poupam e podem ainda poupar mais se os perímetros de rega forem eficientes, se a condução da água for feita a céu aberto e se tiver fugas, porque estão velhos, gasta-se mais do que é necessário».
E face a este cenário apela a que haja uma modernização. «No âmbito do PRR, Espanha vai utilizar 25 mil milhões de euros na gestão eficiente da água, dos quais cinco mil milhões são só para a agricultura e para o regadio. E nós fazemos a barragem do Pisão que custa 300 milhões de euros. Foi a única coisa que Portugal teve visão. Já é conhecida a falta de peso político da ministra da Agricultura, mas aqui o Governo tomou outras opções e não quis de alguma forma investir na resiliência da água. Esse é que é o problema», revela ao nosso jornal. Mas admite que as medidas que irão ser anunciadas serão semelhantes às avançadas em anos anteriores. «Este ano podia, como França ou Espanha fizeram, pedir também uma reserva agrícola que foi criada a nível europeu para arranjar alguma verba. Mas não tem sido esse o entendimento do Governo português face ao setor agrícola. Isso é que é grave».
Bombeiros preparados
Os bombeiros portugueses dizem estar preparados para a época que aí vem: «Está-se a aproximar uma época de incêndios florestais que todos – ou quase todos – adivinham de difícil combate», disse há uns dias o presidente da Liga dos Bombeiros de Portugal, António Nunes. E acrescentou que «os bombeiros portugueses estarão na primeira linha da frente para desenvolver as suas missões sempre que forem chamados para tal», lembrando que o Comando Nacional Operacional de Bombeiros recentemente criado «pode ser ele também um contributo para a melhoria da organização da resposta», algo que o Governo discorda e se opõe.
Ainda esta quinta-feira o Governo revelou ter aprovado a constituição de um dispositivo excecional de 56 equipas de combate a incêndios, por parte da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil para o período de 11 e 13 de maio. «Estas equipas são provenientes dos Corpos de Bombeiros e totalizam 280 elementos, que estarão em maior prontidão neste período, para reforçar a capacidade de ataque inicial a incêndios rurais», revelou o Ministério da Administração Interna.
O Ministério liderado por José Luís Carneiro, revelou que esta equipas «serão implementadas por ordem do Comando Operacional Nacional de Emergência e Proteção Civil nos Comandos Sub-regionais sujeitos a maior pressão de número de ignições e da evolução do cenário meteorológico».
A decisão tem como base as temperaturas elevadas que se fazem sentir «associadas à situação de seca provocada por valores de precipitação muito abaixo da média».
O Ministério deu ainda números: entre 1 de janeiro e 10 de maio de 2023, um total de 2 646 incêndios rurais resultaram em 7 709 hectares de área ardida, entre povoamentos florestais (2125 ha), matos (5414 ha) e agricultura (170 ha). Além disso, revela que este ano apresenta, até 10 de maio, o 5.º valor mais elevado em número de incêndios e o 5.º valor mais elevado de área ardida, desde 2013.
Ainda esta semana o Tribunal de Contas lançou um relatório onde referia que a luta conta a desertificação e incêndios ainda é um desafio para a Península Ibérica. «Espanha e Portugal são dois dos países com maior incidência de incêndios na União Europeia, tendo sofrido nos últimos anos episódios muito violentos dos chamados incêndios de ‘nova geração’, caracterizados por um comportamento extremo do fogo», refere o relatório.
A nota refere também que os tribunais de Portugal e Espanha «consideram que deve definir-se o modelo de financiamento dos corpos de bombeiros, promover atividades de sensibilização, persuasão e alerta».
Por outro lado, acrescenta, «registam os avanços no planeamento e na capacidade operacional, bem como os progressos na coordenação dos dispositivos de extinção de incêndios, apesar dos desafios dos incêndios de nova geração».
Os dois Tribunais de Contas, de Portugal e Espanha, concordaram ainda «incorporar nos seus programas de fiscalização auditorias sobre as medidas públicas dirigidas à mitigação dos processos de desertificação e à prevenção e extinção de incêndios.
Hospitais com problemas
O verão não será fácil também para os hospitais. É que se até agora há serviços que já vêm dado sinais de rutura, outros lá chegarão, como chegou a admitir ao Nascer do SOL o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes. «Tive uma reunião com o Colégio da Medicina Interna e se já estava alertado para este problema, com essa reunião fiquei ainda mais preocupado, pois temos um conjunto de hospitais que têm cada vez menos internistas e, portanto, com cada vez menos capacidade de dar uma resposta adequada em termos de cuidados de saúde».
«Vamos enfrentar períodos difíceis. Não venha agora a política dizer que desconhecia que vamos ter um verão ou que tivemos um período de inverno onde há maior incidências de infeções respiratórias. O pico do verão é sempre um período difícil para assegurar os serviços», disse.