O tiro de partida em relação às medidas aprovadas pelo Governo em matéria de habitação vai ser dado esta sexta-feira. As novas regras vão ser discutidas na Assembleia da República, mas os responsáveis do setor ouvidos pelo Nascer do SOL não se mostram otimistas, mais não seja por o PSter maioria absoluta. Ainda assim dão cartão vermelho às ‘ameaças’ que têm sido alvo as autarquias por não quererem avançar com os arrendamentos coercivos, uma das medidas previstas no pacote do Governo. Estas críticas ainda vão ser sentidas pela manifestação a que a Associação do Alojamento Local (ALEP) deu apoio e que vem na sequência de uma petição que conta com milhares de subscritores que tem como objetivo chamar a atenção para «o impacto que as medidas terão nas vidas destes trabalhadores, na economia e no turismo do país».
Ao nosso jornal, o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) admite que as «expectativas são nulas». O Governo, assume, não lhe merece a confiança. «Está há sete anos a governar e não resolveu o problema da habitação. E para resolver o problema da habitação é preciso fazer casas, não é preciso fazer leis estapafúrdias e estar a tirar às pessoas aquilo que é deles», afirma António Frias Marques.
As acusações vão mais longe: «Enquanto Portugal for um país sem fronteiras e quando entrarem todos os dias no nosso país milhares de pessoas à procura do El Dorado, o chamado problema da habitação jamais será resolvido».
A expectativa em relação ao facto de ver cumpridas as pretensões da ANF são fracas, uma vez que, entende que este ‘problema’ deixou de ser social para passar a ser político. «A nossa associação não se mete em política. Não somos um partido político e se esta hipotética legislação for aprovada, o que podemos fazer é estudar a legislação para ver até que ponto podemos minimizar os prejuízos dos nossos associados».
Já em relação à possibilidade de as câmaras, nomeadamente Lisboa e Porto, avançarem para o arrendamento coercivo, António Frias Marques admite que os autarcas não terão uma vida fácil. «O Governo disse logo que, se isso acontecesse, as câmaras também não poderiam aplicar o agravamento do IMI. Este é um problema muito grave, principalmente em Lisboa, já que há milhares e milhares de proprietários que estão a pagar o IMI com o agravamento de 500%, porque a casa é considerada devoluta, uma vez que está em ruínas».
Milhares de emprego em risco
Ao Nascer do SOL, o presidente da ALEP pede que «não haja um abuso por parte da maioria absoluta no Parlamento», apelando aos deputados que tenham em conta a maioria dos empresários que investiu neste setor para que «haja disponibilidade para alterar, já que esta é desastrosa».
Eduardo Miranda afirma ainda que «tendo em conta o historial de todo este processo não tem havido grande margem de abertura», considerando mesmo que tem havido «uma certa teimosia, insistência ou, até mesmo bocadinho intransigência». Ainda assim, reconhece que se trata de «uma questão ideológica e de uma bandeira política».
Já quando questionado se poderão existir deputados socialistas a votar contra a medida que prevê acabar com o alojamento local diz apenas: «Na fase anterior estávamos apenas a falar diretamente com o Governo e por ter sido ele a lançar o pacote levava tudo muito a título pessoal e, por isso, tivemos menos margem para negociar. Agora no Parlamento vamos ver como vai correr. Já houve muitas vozes dentro do Partido Socialista, alguns mais independentes, que se manifestaram contra, outros que não se manifestaram publicamente, mas sabemos que estão contra esta medida, agora vamos ver como é se conjuga estas forças todas».
Ainda sem avançarem, Eduardo Miranda já faz contas às perdas. «Há projetos de qualidade que exigiam um investimento inovador e esse investimento foi suspenso. Ninguém vai fazer investimentos, até aquisições ou compra de materiais, com este grau de indecisão». Ao mesmo tempo, refere que assistimos a uma situação contraditória: aqueles que já tinham imóveis, especialmente nas praias, que pensaram em apostar no alojamento local «fizeram uma antecipação de registos, seguindo o exemplo do que se verificava em Lisboa e no Porto sempre que eram anunciados travões nas licenças».
As perdas somam-se com os operadores que já têm as suas casas no mercado, pondo para segundo plano o investimento nas instalações, em termos de sustentabilidade, eficiência energética, contratação e fixação de pessoal. «Com tanta indefinição e não sabendo se amanhã, de repente, tem de encerrar a atividade, isso prejudica fortemente a confiança e se estas medidas avançarem ainda vai ser ainda pior. Ninguém vai poder atrair e reter funcionários se amanhã um condomínio acabar com a sua atividade».
E o presidente da ALEP faz as contas: «O alojamento local pesa 40% das dormidas e já se sabe que o turista gasta três vezes mais na economia local do que gasta no alojamento local. Estamos a falar de 60 mil empregos e podemos contabilizar mais de 100 a 150 mil empresas». E conclui: «Perante estes números vamos esperar que haja bom senso».
O que está em cima da mesa
Entre as medidas que vão esta sexta-feira a debate no plenário da Assembleia da República está o prazo de 36 meses para reinvestimento da venda da casa numa nova habitação própria e permanente que vai ser suspenso por dois anos e vai abranger situações que se encontrassem a decorrer entre janeiro de 2020 e o mesmo mês de 2022. Em causa está a disposição que vai excluir de tributação os ganhos obtidos pela venda de um imóvel que seja usado como habitação própria e permanente desde que sejam efetuados «nos 36 meses posteriores contados da data da realização». O objetivo desta medida é ajudar com as dificuldades que foram sentidas pelos portugueses no período da pandemia em comprar uma nova casa ou fazer obras.
As propostas do Governo no que diz respeito a esta crise da habitação passam também por incentivos ao arrendamento, o que significa limitar o alojamento local. Segundo os prazos anunciados, as novas licenças de alojamento local vão ser suspensas até ao 31 de dezembro de 2030 em todo o território, à exceção de zonas do interior que estejam identificadas pelo Programa Nacional para a Coesão Territorial. Ainda assim, é preciso ter em conta que destas zonas fazem parte mais de 200 concelhos.
Segundo a proposta a ser debatida, os registos emitidos à data da entrada em vigor das novas regras, caducam a 31 de dezembro de 2030 e são depois renováveis por cinco anos. Exceção para alojamentos locais cujos empréstimos ainda não tenham sido integralmente liquidados a 31 de dezembro do ano anterior, 2029.
Junta-se ainda o arrendamento das casas devolutas que será aplicada a frações autónomas e partes de prédios urbanos que estejam em condição devoluta há mais de dois anos. Segundo a proposta, o Estado passa a poder, por motivos de interesse público, arrendar casas devolutas, pagando para tal uma renda ao proprietário.