A aplicação da eutanásia em Portugal ainda está longe de acontecer. A lei que regula a despenalização da morte medicamente assistida foi esta quinta-feira publicada em Diário da República, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter sido forçado a promulgar o diploma na semana passada após confirmação, por maioria absoluta, dos deputados no Parlamento, na sequência do veto político do Presidente da República. Porém, a lei não entra em vigor de imediato e ainda há algumas e imprescindíveis etapas pela frente.
Na melhor das hipóteses, a morte medicamente assistida poderá começar a ser aplicada no outono, já depois da visita do Papa Francisco – que criticou a aprovação do diploma – a Lisboa, em agosto, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Isto porque o Governo tem 90 dias para regulamentar a lei, sendo que a entrada em vigor só acontece 30 dias após a publicação dessa mesma regulamentação.
Ou seja, caso a regulamentação seja feita no fim do prazo previsto, isso atira a aplicação da lei para o final de setembro ou início de outubro. Contudo, com o verão a aproximar-se e o início da discussão do próximo Orçamento de Estado a entrar no calendário, é provável que os prazos previstos para a regulamentação da lei sejam ultrapassados, até dada a complexidade da matéria em questão.
A regulamentação da lei deverá estabelecer, entre outros pontos, o modelo de registo clínico dos pedidos de morte medicamente assistida e o modelo de relatório médico final.
Apesar de «não poder haver fiscalização preventiva de regulamentos», como explica Paulo Otero ao Nascer do SOL, «se o Governo der essa regulamentação em forma de decreto-lei, o diploma já é passível de ser objeto de fiscalização preventiva», atrasando ainda mais a entrada em vigor da lei.
«A forma prevalece sobre o conteúdo», argumenta o constitucionalista.
Se esse cenário não se confirmar, a lei poderá ainda ser sujeita a fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional (TC), o que não impede a sua entrada em vigor. Esse recuso consiste na verificação da inconstitucionalidade de uma norma depois de promulgada e publicada em Diário da República. E pode ser pedida pelo Presidente da República, pelo presidente da Assembleia da República, pelo primeiro-ministro, pelo provedor da Justiça, pelo procurador-geral da República ou por um décimo dos deputados (23 em 230), bem como outros órgãos do Estado.
No caso de se avançar com esse procedimento, os juízes do Palácio Ratton decidem no sentido da inconstitucionalidade (total ou parcial) ou não inconstitucionalidade da norma submetida a juízo. Se o TC_concluir pela inconstitucionalidade da norma, a mesma é eliminada da ordem jurídica, não podendo mais ser aplicada. E mesmo que a decisão seja de não declaração de inconstitucionalidade, o TC não fica impedido de voltar a apreciar e decidir no sentido da inconstitucionalidade, mesmo que a lei anteriormente não tenha sido declarada inconstitucional.
Para já, o PSD é o único partido, entre aqueles que manifestaram essa vontade, a reunir condições para formular um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei da eutanásia.
A questão foi levantada por Joaquim Miranda Sarmento durante uma reunião da bancada parlamentar social-democrata na véspera de o diploma ser reapreciado pelo Parlamento.
Na altura, o líder parlamentar do PSD desafiou os deputados do partido a avançarem com um pedido de fiscalização sucessiva da lei da morte medicamente assistida, assim que a mesma viesse a ser a promulgada, e manifestou a sua disponibilidade em subscrever um tal pedido.
A iniciativa não deverá partir das direções do partido e da bancada, sendo dada liberdade aos deputados para se expressarem individualmente, e também não deverá permitir que parlamentares de outros partidos se associem ao processo, como já também sinalizou Luís Montenegro. A decisão afeta especialmente as pretensões do Chega que não tem deputados suficientes para fazer sozinho um pedido de fiscalização ao TC.