Ordens. Governo recua nos contabilistas

Perda de poderes deixou a Ordem dos Contabilistas Certificados à beira de um ataque de nervos. Governo recuou nas alterações depois de alertas sobre fim da profissão.

A proposta do Governo em relação às Ordens criou um verdadeiro tsunami junto da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) que acusa o Executivo de querer acabar com a sua classe. A bastonária chegou mesmo a acusar o Executivo de querer acabar com a profissão. A resolução inicial previa que qualquer pessoa possa submeter declarações fiscais, deixando de ser necessário a assinatura de um profissional certificado. Uma situação que levou Paula Franco a afirmar que sem contabilistas haveria mais fraude fiscal. «O Governo quer destruir uma profissão que ajudou o país e as empresas a ultrapassar todas as dificuldades e desafios», afirmou, na sexta-feira.

Em causa estava, segundo a OCC, a proposta de alteração do estatuto da profissão, que elimina as suas competências exclusivas. Isto porque as novas regras a serem aprovadas iriam permitir que qualquer pessoa possa submeter as declarações fiscais, deixando de ser necessária a assinatura de um contabilista certificado nas demonstrações financeiras e declarações fiscais «que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada».

Ao Nascer do SOL, a responsável admite que «houve uma tentativa de convergência», comentando o documento que ainda não era público ao fecho da edição. Ainda assim, afirmou que houve «um trabalho conjunto e tudo indica que serão salvaguardadas todas as competências exclusivas dos nosso trabalhadores. Isto é, houve um entendimento no sentido de manter as competências fiscais».

Paula Franco apontou ainda o dedo ao Governo, em relação às alterações inicialmente avançadas, lembrando que a Ordem no processo de revisão do estatuto, discutiu e acordou com a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, que tem a tutela do setor, uma proposta que reforçava o interesse público da profissão e os direitos dos contabilistas certificados. Mas que, mais tarde, foi confrontada com uma proposta do Governo que não refletia a discussão tida com a ordem e que «de forma desleal e desonesta estaria a acabar com as competências exclusivas destes profissionais».

Agora perante o recuou do Governo, Paula Franco Franco diz apenas: «Era a segurança de todos nós que estava em causa. Isto não é uma proteção às profissões é uma questão de proteção ao cidadão. As garantias e a existência de Ordens é para garantir o interesse público», referiu ao nosso jornal.

E em relação à proposta inicial referiu que seria um «erro de estratégia» e questiona: «Imagine o que seria se as propostas sempre avançassem. Claro que muitos gostariam que isso acontecesse, mas estamos a falar de um universo de 68 mil profissionais. E para se ser contabilista certificado e para assinar demonstrações financeiras e obrigações fiscais é obrigatório estar inscrito na Ordem e, ao que tudo indica, irá manter-se».

Recorde-se que o Conselho de Ministros aprovou esta sexta-feira dois projetos de proposta de lei no âmbito da reforma das ordens profissionais. «O propósito é eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência, objetivo que foi iniciado com a alteração ao regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, já este ano, auscultando todas as entidades relevantes para o processo», revelou em comunicado.

Para já, foram apenas adaptados os estatutos de oito ordens profissionais: Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Biólogos, Ordem dos Contabilistas Certificados, Ordem dos Psicólogos Portugueses, Ordem dos Nutricionistas, Ordem dos Despachantes Oficiais, Ordem dos Assistentes Sociais e Ordem dos Fisioterapeutas. O diploma segue agora para a Assembleia da República.

 

‘Grande reforma pode morrer na praia’

Para Vital Moreira, estas alterações «não são tranquilizadoras», depois de o Governo ter recuado em relação aos cortes inicialmente previstos em relação ao atual monopólio profissional dos contabilistas e dos psicólogos. «O Governo aprovou o primeiro pacote de projetos de revisão dos estatutos das muitas ordens profissionais que proliferaram entre nós nas últimas décadas, cujo ponto fulcral é a revisão da esfera de ‘atos próprios’, ou seja, exclusivos, de cada profissão, cuja redução é essencial para levar a bom termo esta grande reforma na prestação de serviços profissionais qualificados, que é essencial nas economias de mercado contemporâneas».

E salienta: «Se este espírito de cedência às corporações se verificar também em relação às profissões mais impactantes, como os advogados e os médicos, então é de recear que se mantenham as principais barreiras à liberdade profissional e à concorrência na prestação de serviços profissionais, por efeito da ‘captura’ do Estado pelas principais corporações profissionais, o que quer dizer que a anunciada grande reforma pode ‘morrer na praia’».

 

CNOP dá cartão vermelho

Também o Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) reunido, esta semana, de emergência, referiu que «sem prejuízo das pronúncias já feitas sobre as duas propostas de Lei e tendo em conta os relatos de audiências» mostrou o «seu desagradado pela ausência de condições, fruto dos apertados prazos impostos, que permitissem habilitar o Governo com pronúncias escoradas numa segura análise dos articulados remetidos e das suas implicações para o exercício e a autorregulação das profissões, numa perspetiva, por todos comungada, de defesa do interesse público».

A tudo isso, ainda se «junta o desconforto por apenas serem conhecidas as propostas de alteração de estatutos de 8 das 20 Ordens existentes, o que impossibilita uma visão comparativa de conjunto, ou, até mesmo, setorial, com a agravante de assim se contribuir para fomentar dúvidas, porventura injustificadas, de poderem vir a ocorrer tratamentos desiguais, não justificados por reconhecidas especificidades desta ou daquela Ordem», revelou num documento a que o Nascer do SOL teve acesso.

Ainda assim, o Conselho Nacional das Ordens Profissionais mostra-se disponível para manter o diálogo com os poderes públicos: Governo e Assembleia da República, «para o encontro das melhores soluções normativas para o funcionamento das Ordens, para a regulação do exercício das profissões por elas representadas e, acima tudo, para salvaguarda do interesse público e da qualidade dos serviços prestados aos utentes».

 

Governo promete novidades para breve

Para já, o Governo referiu que continua a promover uma reforma das Ordens profissionais com o objetivo de eliminar restrições de acesso às profissões e de melhorar as condições de concorrência. «Este objetivo foi iniciado com a aprovação da alteração à Lei-Quadro das Associações Públicas Profissionais, já este ano, auscultando todas as entidades relevantes para o processo».

E referiu também que, desta forma, está a cumprir uma das reformas «com maior relevo no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – a reforma das profissões reguladas – reclamada pela Comissão Europeia e OCDE há vários anos, em linha com a análise da Autoridade da Concorrência», lembrando que convidou um primeiro conjunto de entidades (associações públicas profissionais e outros parceiros, como associações de estudantes e juvenis, e organizações representativas de trabalhadores) a pronunciarem-se sobre o projeto de proposta de lei que altera os estatutos de oito associações públicas profissionais (Ordem dos Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Fisioterapeutas, Nutricionistas, Psicólogos, Médicos Veterinários e Assistentes Sociais).

Ao mesmo tempo, acenou com a promoção da audição de todas as ordens profissionais, bem como o Conselho Nacional das Ordens Profissionais, quanto ao regime jurídico das sociedades multidisciplinares. «Estas audições ocorrem antes da respetiva aprovação em Conselho de Ministros e não prejudicam as audições que possam ter lugar posteriormente no processo legislativo parlamentar na Assembleia da República». Quanto ao futuro, diz apenas que serão apresentadas as propostas relativamente à alteração dos estatutos das demais ordens (Advogados, Notários, Solicitadores e dos Agentes de Execução, Revisores Oficiais de Contas, Enfermeiros, Farmacêuticos, Médicos, Médicos Dentistas, Engenheiros, Engenheiros Técnicos, Arquitetos e Economistas).