por Raquel Abecasis
A opinião foi quase unânime depois de ouvidas as inquirições na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP de Eugénia Correia Cabaço, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, e do próprio João Galamba, no dia imediatamente seguinte.
O país ficou a conhecer um personagem que normalmente permanece na sombra, tudo por causa do episódio de suposta violência e roubo no gabinete do ministro das Infraestruturas. Maria Eugénia Correia Cabaço apareceu sozinha e segura perante os deputados da Comissão de Inquérito à TAP, revelando preparação e experiência, tudo ao contrário do ministro a quem responde. De tal forma que foi penoso assistir no dia seguinte às dúvidas, hesitações e contradições de João Galamba, que, quando se sentia mais aflito, remetia para a extraordinária ‘chefe do meu gabinete’.
Eugénia Cabaço acompanha os Governos socialistas há trinta anos. Começou nos gabinetes ministeriais aos 28 anos, ainda no tempo de António Guterres. Dos 28 anos que tinha então aos 56 que tem agora, Eugénia foi ganhando experiência em várias áreas. Começou com o secretário de Estado da Administração Local, em 1995, passou pelo Ministério do Ambiente, pela Presidência do Conselho de Ministros, pelo gabinete do primeiro-ministro, pelo Ministério das Finanças, até chegar a braço direito de João Galamba. Primeiro, como secretário de Estado da Energia e, agora, como ministro das Infraestruturas.
Uma especial relação com o SIRP
A agora famosa chefe de gabinete é formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. «Aquela era uma turma muito específica», conta um professor da FDUL. A turma de Eugénia era vista como uma versão mais atual da famosa turma de Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Braga de Macedo e outros. «Tudo alunos de excelência», confirmam-nos. Eugénia acaba o curso em 1991 e logo nesse ano é convidada para assistente. Dos seus colegas de curso, a maioria integra agora também os gabinetes do Governo socialista.
Ao longo dos anos, Eugénia deixou em todos os que trabalharam com ela a ideia de ser uma mulher tecnicamente preparada e alguém a quem se pode entregar um dossiê. «Sabíamos que quando algum assunto estava nas mãos da Eugénia, não era preciso preocuparmo-nos, estava bem entregue e ia aparecer resolvido», diz-nos um antigo colega que trabalhou com ela na Presidência do Conselho de Ministros. Mas embora não tenha espantado a estes antigos companheiros de trabalho a preparação demonstrada pela chefe de gabinete na Comissão de Inquérito, o mesmo não aconteceu perante a demonstração de uma vertente mais política também revelada na mesma audição. «A Eugénia sempre foi mais uma técnica e jurista nas equipas de Governo por onde passou. Este lado mais político deixou-me verdadeiramente espantado», comenta o seu antigo colega.
Terá sido quando esteve na Presidência do Conselho de Ministros (PCM), a assessorar Pedro Silva Pereira, que fazia então a coordenação política do Governo de José Sócrates, que Eugénia Cabaço criou uma maior aproximação ao Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP). Os serviços funcionam no andar abaixo do gabinete ministerial «e ela tinha bastante contacto com eles», quer por algumas matérias que lhe eram entregues, «quer porque se criou uma relação pessoal no espaço de trabalho», confidencia quem lá esteve.
Nessa altura, ao contrário do que aparentemente se passa agora, diz-nos a mesma fonte, «havia coordenação técnica e política na PCM». Tudo passava por ali e as decisões importantes não escapavam ao crivo de Pedro Silva Pereira. Entre os assessores do então ministro contava-se também a atual ministra Mariana Vieira da Silva. Mas Eugénia Cabaço era já considerada um elemento sénior na equipa e acaba mesmo por ser chamada para o gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates.
De assessora a protetora de Galamba
Se tem ou não cartão de militante do Partido Socialista ninguém consegue esclarecer, mas, militante ou não, é claramente vista por todos como «uma socialista convicta».
Durante os tempos da troika, Eugénia Cabaço regressa ao lugar onde já estivera durante o tempo do Governo de Durão Barroso, a Caixa Geral de Depósitos, onde trabalhou como jurista. Assim que em 2015 o PS voltou a liderar o Executivo, Eugénia Cabaço é uma das primeiras a ser chamada para assessorar um gabinete. E não foi um gabinete qualquer. O todo-poderoso ministro das Finanças, Mário Centeno, terá sido aconselhado a ir buscar Eugénia Cabaço para o acompanhar na tarefa.
É só no fim desta longa sucessão de funções que Eugénia Cabaço chega ao gabinete de João Galamba, então secretário de Estado da Energia. E é aqui que quem se cruzou com ela notou como a chefe de gabinete deste conhecido socrático tinha sobre ele um ascendente determinante. «Protegeu-o sempre muito», dizem-nos. No gabinete sentia-se que a imaturidade do secretário de Estado era compensada pela segurança e experiência de Eugénia. Ao ponto de Galamba não dispensar o seu apoio em nenhum momento. «Viajavam muito. E isso é estranho, porque normalmente os chefes de gabinete devem ficar a assegurar as coisas quando os governantes estão fora».
Quando João Galamba é chamado em janeiro a substituir Pedro Nuno Santos no Ministério das Infraestruturas, Eugénia Cabaço, naturalmente, vai com ele e assume as funções de chefe de gabinete do ministro. Era a sua pessoa de confiança na nova casa, já que grande parte dos colaboradores do ex-ministro, incluindo a sua chefe de gabinete, permanecem na equipa de Galamba. A adaptação do novo ministro não foi fácil, até porque, deste o primeiro momento, a sua nomeação foi muito contestada. Desde logo, pelo Presidente da República, que manifestou as suas dúvidas por uma remodelação feita com a prata da casa.
O escaldante dossiê da TAP não ajudou à adaptação e Eugénia foi um escudo de segurança para João Galamba. Nas Infraestruturas, como acontecia na Secretaria de Estado, Galamba viajava e Eugénia Cabaço acompanhava-o. No próprio dia dos acontecimentos, Eugénia Cabaço veio direta do aeroporto para o gabinete, para tratar de assuntos que só ela podia fazer avançar e que tinham ficado pendentes.
O ascendente e a autoridade com que geriu a crise não espantou. Toda a gente sabia que ela era a autoridade máxima no gabinete. Até para ter contactado o SIRP, com quem tinha boas e antigas relações, sem consultar ou informar o ministro. Diz-nos um antigo colega de Governo de João Galamba que era frequente ouvir da sua boca sobre qualquer questão: «Isso é com a Eugénia». E, de facto, na noite rocambolesca de 26 de abril, foi tudo tratado pela Eugénia. Por isso, nas audições da CPI, os papéis pareceram invertidos. A chefe de gabinete assumiu o papel de ministra e o ministro o papel de membro do seu gabinete.