O ‘crime’ desportivo compensa em Portugal

O treinador do Liverpool, Jürgen Klopp, foi multado em 86 mil euros e suspenso por dois jogos por criticar um árbitro na Premier League. Em Portugal, a legislação é branda e o Conselho de Disciplina é cego, surdo e mudo sobre o que se passa no banco de suplentes. Cada um tem o futebol que…

A Inglaterra é a pátria do futebol e um exemplo no que se refere ao fairplay e à disciplina nos relvados. A Football Association (FA) multou o técnico do Liverpool, Jürgen Klopp, em 75 mil libras (86 mil euros) e castigou-o com dois jogos de suspensão – um deles com pena suspensa – por criticar a arbitragem no final do jogo com o Tottenham, a 30 de abril, com declarações que foram consideradas «altamente impróprias e simplesmente irresponsáveis, e um exemplo sério de má conduta».   

Klopp está há sete anos nos reds, onde colecionou importantes títulos na Premier League, Liga dos Campeões e Mundial de Clubes. Além da reconhecida competência, é também um técnico carismático e apaixonado por aquilo que faz, só que desta vez perdeu as estribeiras e questionou a integridade do árbitro Paul Tierney mesmo depois da sua equipa ter ganho o jogo. Nos festejos do golo de Diogo Jota que garantiu a vitória (4-3), Klopp correu pela linha lateral e festejou na cara do quarto árbitro John Brooks; quando regressou ao seu lugar, viu o viu cartão amarelo e, no final da partida, não poupou o árbitro. «Temos a nossa história com Tierney, não sei o que ele tem contra nós, ele disse que não havia problema, mas isso não pode ser verdade. Não percebo como é que ele olha para mim. A minha comemoração foi desnecessária, mas o que ele me disse quando me deu o cartão amarelo não está certo», afirmou à Sky Sports. Mas a história não acaba aqui.   

O técnico dos reds foi ouvido pela FA e admitiu que os comentários no pós-jogo «constituem conduta imprópria por questionarem a integridade do árbitro e trazem descrédito ao jogo». Mais tarde, o técnico alemão voltaria ao assunto. reconhecendo: «Lamento a minha reação naquele momento imediato em que corri para o quarto árbitro e aceitei que a advertência era justificada. Sinto muito pelo tom e pelo conteúdo da minha entrevista depois do jogo. Embora não fosse minha intenção, aceito agora que parece que estava a questionar a integridade de Mr. Tierney. Para ser absolutamente claro, sei que ele e outros árbitros fazem seu trabalho sem serem tendenciosos ou com intenções pré-concebidas».  

Mesmo depois de ter reconhecido que se excedeu, Klopp foi multado em 76 mil euros, o que motivou o seguinte comentário: «Gostaria de saber para onde vai o dinheiro, porque, se for por uma boa causa, ficarei feliz em pagá-lo, mas se a federação ficar com ele, teremos que conversar novamente». Está no seu pleno direito.   

A disciplina é levada a sério no futebol inglês e o valor da multa é 50% superior ao aplicado a Ivan Toney, punido em 57 mil euros e suspenso durante oito meses por ter cometido 232 crimes de viciação de apostas desportivas em Inglaterra.  

A Premier League não é uma competição imaculada, mas os comportamentos incorretos são julgados em tempo útil – a época termina este fim de semana – e severamente castigados, coisa que não acontece noutros países, como Portugal.  

  

Mau exemplo português  

Alguns treinadores têm atitudes pouco dignificantes e o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol aplica sanções e multas, no mínimo, ridículas. A lei é branda e quem decide, decide quase sempre por defeito. Basta ver o exemplo inglês para se perceber que o futebol cá do burgo não se dá ao respeito. O regulamento disciplinar é claro no artigo Artigo 140.º com a epígrafe ‘Protestos contra a equipa de arbitragem’:  «1 – Os treinadores e auxiliares técnicos que, por ocasião dos jogos oficiais, protestarem ou adotarem atitude incorreta para com os elementos da equipa de arbitragem são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de oito dias e o máximo de três meses e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC; 2 – Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da sanção acessória de multa são elevados para o dobro».   

Uma vez que as sanções e as multas são quase sempre a brincar, os treinadores têm via aberta para dizer e fazer o que lhes passa pela cabeça durante o jogo e no pós-jogo e têm comportamentos e uma linguagem ofensiva que envergonham qualquer pessoa. Além dos títulos que conquistou no FC Porto, Sérgio Conceição merece também a medalha de mau comportamento. Quando disse que «está habituado ao lixo do futebol português», só pode estar a pensar nas suas repetidas atitudes para com árbitros e colegas de profissão, no que é acompanhado pelo administrador da SAD Luís Gonçalves. Se há alguém que não tem moral para falar assim é Sérgio Conceição. Nos dez anos que leva como treinador principal foi expulso 23 vezes e como técnico do FC Porto foi expulso 13 vezes – só esta temporada foram quatro expulsões. Será que está convicto de que é o dono da razão e que o mundo está inteirinho contra ele?   

Nas últimas semanas, o discurso endureceu e sucederam-se episódios vergonhosos para justificar alguns falhanços desportivos. Desde gestos para outros treinadores que dão origem a várias leituras, até acesas discussões com árbitros durante e no final dos jogos, com muito vernáculo e ofensas à mistura, tem valido tudo. E nem um pedido de desculpa. Em Espanha, também há casos menos recomendáveis, mas com outro desfecho. Recentemente, Fernando Torres (Atlético de Madrid) e Arbeloa (Real Madrid) trocaram insultos num jogo de juvenis. No final, Fernando Torres disse que ficou envergonhado e que não se revê naquele comportamento. Os protagonistas portugueses não têm vergonha de nada e muito menos estão dispostos a mudar de atitude porque o ‘crime’ compensa.   

As tristes figuras protagonizadas por Sérgio Conceição e pelo adjunto do Casa Pia, Vasco Matos, no Estádio do Dragão, são o exemplo mais recente do ambiente que se vive no escalão principal. O Conselho de Disciplina instaurou um processo disciplinar aos dois treinadores, mas, se continuar a considerar que são tudo bons rapazes, então, o futebol português não sai do mesmo lamaçal. Da última vez que viu o cartão vermelho num jogo da primeira liga por dito ao árbitro Fábio Veríssimo «És fraco», Sérgio Conceição apanhou um jogo de suspensão e foi multado em 4.080 euros. Que pensará Jürgen Klopp disto tudo?