A normalização do insulto

Tal como no futebol, a política também possui um árbitro, responsável por zelar pela harmonia institucional, assim como pelo cumprimento cabal das regras aplicáveis

Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

No futebol e na política, assim como na vida em geral, quem aspira a algo possui uma motivação acrescida, contrastando ao desgaste dos que se vêm obrigados a disputar um indesejado confronto. Este fenómeno é bem visível nos diversos play-offs de acesso a subidas de divisão ou nas eleições subitamente antecipadas em relação aos seus calendários normais. Nessas circunstâncias, um ‘underdog’ transforma-se pela inesperada possibilidade de vencer, levado pela oportunidade e pela força extra de um momento surgido por acaso, ao passo que o favorito no poder se obriga a encontrar estímulos perante a fadiga e a exaustão de se manter à tona.

Quem se apresenta subestimado no início e se encontra num surpreendente crescendo, beneficia da simpatia dos indecisos, ou dos alienados de um fervor clubístico próprio, auxiliado nas suas pretensões de uma brusca vitória ‘upset’, por aparentarem uma sensação de sucesso face ao desfasamento de um duelo onde o mais fraco enfrenta um poderoso. Mas não podem ser mal-educados, porque essa visão romântica e entusiasmante dos âmagos sentimentos humanos carece de uma séria obediência aos mais fiéis fundamentos do jogo da nossa existência.

 

Tal como no futebol, a política também possui um árbitro, responsável por zelar pela harmonia institucional, assim como pelo cumprimento cabal das regras aplicáveis. Exige-se a qualquer árbitro uma capacidade exemplar de isenção, de imparcialidade e da habilidade de não se imiscuir no resultado, nunca podendo demonstrar uma tendência que incline o campo para uma das equipas. Não deve influenciar e é imprescindível que se abstenha de proferir comentários capazes de pressionar a opinião pública num determinado sentido. Não pode ameaçar com futuras reuniões de conselhos, procurando condicionar e assustar uma sociedade, e deve salvaguardar o respeito institucional de não proferir discursos em momentos solenes com recados diretos supostamente encapotados em metáforas.

 

Sobretudo para quem defende a democracia, existem princípios inquebráveis. Por esse motivo, foram inaceitáveis, infelizes e despropositados, os episódios ocorridos nas comemorações do Dia de Portugal, no Peso da Régua, onde a ocasião mais grave se traduziu na inaceitável provocação racista a um primeiro-ministro. A liberdade de manifestação cessa quando ofende a liberdade individual, agravada pelas circunstâncias de se tratar de professores perante um Chefe de Governo, desencadeada impunemente por quem promove a educação das novas gerações, assemelhando-se a forças políticas extremistas cujo único objetivo assenta no descrédito do regime.

Numa altura tão sensível como a que enfrentamos, não vale tudo nem se pode normalizar o insulto, sob pena de se prejudicar a argumentação num protesto ou o debate de ideias. No descontrole desta exacerbada motivação e perante o estranho silêncio do árbitro, António Costa pode ter alcançado o seu episódio político da Marinha Grande, sobressaindo com a legitimidade de quem foi ofendido à margem das leis.