Costa… o poucochinho

Em vez da comédia dos cartazes, o ‘spin’ do Governo deve orientar-se para o robustecimento e valorização das políticas públicas no respeito e ao encontro das necessidades dos portugueses.

Por Manuel dos Santos

O atual Governo, com geometrias e apoios parlamentares variados, exerce o poder há quase oito anos o que, no ritmo de mudanças a que o mundo está sujeito, acaba por ser uma eternidade.

Em 2015, quando Costa perdeu as eleições, mas conseguiu fazer a sua primeira reversão, transformando essa derrota em vitória, sem violar a Constituição mas violando a confiança do eleitorado, o país estava a sair de uma profunda crise financeira que obrigou a uma intervenção externa muito dolorosa.

Com o fim da intervenção da troika, antecipada num ano, com a concordância expressa dos credores (condição sine qua non para ser possível) criaram-se condições financeiras e estruturais que permitiam elaborar um modelo de desenvolvimento adequado ao perfil produtivo e social do país e que fosse uma garantia contra a ocorrência de novas situações de crise.

Bastava ter calma e aproveitar as sinergias criadas pela chamada ‘saída limpa’ e antecipada, reconhecida, aliás, pelas Instituições europeias, para lançar as reformas estruturais adequadas em setores como a justiça, a segurança social, a educação, a fiscalidade e, em especial, a saúde (SNS).

Mas o caminho foi outro. Construiu-se a narrativa das reversões (o dossier TAP, a semana das 35 horas e a eliminação da maioria das parcerias público-privadas na saúde são alguns exemplos) e assumiu-se, administrativamente, que a austeridade tinha acabado.

Oito anos depois, percebe-se que a maioria das reversões falhou ou se traduziu em custos acrescidos e benefícios diminuídos para os cidadãos e o fim da austeridade raramente passou de um slogan propagandístico, como o comprova a crescente pauperização de uma parte significativa da população portuguesa incluindo boa parte da classe média.

A esta visão, comprovada com a leitura fria da maioria dos números e com a apreciação lúcida do ‘estado da nação’ que as últimas sondagens tem revelado, tem contraposto a propaganda governamental, a evolução nos dois últimos trimestres de alguns índices da análise macroeconómica.

Esta propaganda é relativizada pela maioria dos analistas porque ignora uma grande maioria de dados menos favoráveis e, sobretudo, como o tem referido o Prof. Marcelo de Sousa, porque nenhum resultado concreto chegou aonde devia, ou seja à maioria dos cidadãos desfavorecidos.

Começa a ficar claro que às rosas do Governo se opõem os espinhos da realidade.

Segundo a Comissão Europeia e a OCDE: Portugal terá (em 2023 e 2024) a segunda maior travagem económica da UE; a retoma vai continuar mas a economia vai ajustar-se em baixa até 2024; os salários reais per capita estão a caminho da estagnação; os portugueses só recuperam rendimentos, perdidos com a inflação, em 2025; a nossa economia é a mais vulnerável à subida de juros do Banco Central Europeu; etc., etc..

Recorrendo ao INE, a situação não é mais otimista: a economia portuguesa apresenta o 5.° maior défice comercial da UE em 2022; em abril deste ano verificou-se uma quebra (homóloga) de 4 e 6 pp das exportações e importações; os licenciados ganhavam em 2020, em termos reais, menos do que em 2006 (este ano será seguramente pior); a emissão de CO2 recua na UE mas apresenta o segundo maior aumento em Portugal; a despesa com o combate à covid foi a 3.ª mais baixa da UE, mas os subsídios à TAP e à CP já atingiram 3,2 e 3,6 mil milhões de euros respetivamente; etc., etc..

Mas tudo é ainda pior quando se compara com a evolução previsível dos países que concorrem diretamente com o nosso país e, ano após ano, nos vão ultrapassando.

Apesar das astronómicas ajudas da UE (mais de 100 mil milhões de euros nos primeiros 36 anos de adesão) e dos elevados apoios (donativos e empréstimos) previstos para os próximos anos (PRR e Portugal 2030) ou seja 20 (com possibilidade de aumenta) e 23 mil milhões de euros, o país mantém-se estagnado, após 2011.

O balanço da governação gerigôncica e da sua sucedânea em 2022/2023 é francamente desolador e deprimente. Utilizando uma expressão muito cara a António Costa foi muito ‘poucochinho’ o que se progrediu, perante tanto o que se recebeu.

Claro que há razões e explicações e as mais importantes são seguramente a ausência de um verdadeiro projeto nacional para a economia, assente num pensamento estruturado sobre o futuro, na valorização das políticas públicas que diretamente tem impacto sobre os cidadãos, na distribuição da riqueza de uma forma justa e amiga de um crescimento sustentado, na valorização e fortalecimento das instituições, enfim, na aposta numa classe classe média forte e dinâmica que seja, também, um fator de fortalecimento de uma democracia liberal.

Infelizmente com a crise moral que, desde 2015, vem crescendo na sociedade portuguesa, não é fácil inverter esta tendência sem que ocorram dolorosas ruturas.

Se, como parece, os portugueses não se entusiasmam com novas eleições, mesmo quando chumbam em sondagem recente, de forma clara e integral, o desempenho do atual Governo, e havendo uma maioria absoluta, a solução só pode ser a demissão do primeiro ministro mesmo que, de seguida, faça um NOVO executivo que fique liberto dos ramos apodrecidos que o estão a definhar.

Em vez da comédia dos cartazes, o spin do Governo deve, finalmente, orientar-se para o robustecimento e valorização das políticas públicas no respeito e ao encontro das necessidades da generalidade dos portugueses.