Quando o que parece, é

O Governo refugia-se no sucesso passageiro de algumas variáveis económicas como o crescimento do PIB, a redução da dívida, a diminuição do desemprego (em via de inversão) e a expansão das exportações baseada, ironicamente, na adaptação das empresas ao ajustamento orçamental imposta pela troika.

O acordo do PS com o Partido Comunista e com o BE, para governar Portugal, jamais poderia ter ocorrido.

Mas ocorreu e assim o país está, em termos relativos, mais pobre, menos solidário (o índice de Gini não engana), é abandonado pelos mais jovens e capazes, confronta-se com serviços públicos deficientes e observa o crescente desinteresse dos cidadãos pela política e pelos partidos.

O Governo refugia-se no sucesso passageiro de algumas variáveis económicas como o crescimento do PIB, a redução da dívida, a diminuição do desemprego (em via de inversão) e a expansão das exportações baseada, ironicamente, na adaptação das empresas ao ajustamento orçamental imposta pela troika.

Só que o investimento, (ou seja o futuro) com excepção do financiado pelos recursos cedidos pela União Europeia, tornou-se irrelevante e orientado para o setor público e para a respectiva máquina administrativa, enquanto o aumento dos preços dos bens alimentares castiga os portugueses mais desprotegidos.

A sociedade portuguesa é assim uma sociedade de dependentes, incapaz de definir uma estratégia sustentável.

 

Mas, António Costa é finalmente, como tanto porfiou, o senhor dominante da política portuguesa e com esse estatuto tem eliminado ou enfraquecido progressivamente os ‘cheks and balances’ de uma democracia liberal, Este é o verdadeiro resultado da solução ‘geringôncica’ que imaginou, concebeu e executou.

Tudo o resto é pura propaganda que mais cedo ou mais tarde será percebida mas, como diz o povo, ‘quem cá ficar que feche a porta’.

Os últimos episódios a que o primeiro-ministro (PM) continua a chamar «casos e casinhos» são um excelente exemplo desse poder pessoal.

Tivemos primeiro o episódio dos cartazes que o PM se apressou a qualificar como testemunhos de uma política racista. Perante a insensatez da afirmação (talvez Freud pudesse explicar) muitos justificaram o truque com a peregrina ideia de que era produzida por alguém que se sente racializado (!?!)

Curiosamente não ocorreu aos especialistas pensar em quantas vezes o truque da acusação do racismo (não, não foi só com Assunção Cristas!) já foi usado para eliminar, ou tentar eliminar, adversários externos ou internos.

 

Também não se lembraram dos ataques de caráter mais graves (sob a forma figurativa ou não) contra outros políticos no passado. É suficiente pensar em Mário Soares.

Só que, por causa deste episódio de pseudo racismo, nada de relevante se discutiu na política portuguesa e até passaram mais ou menos esquecidos o falhanço global da política de habitação, o recuo imoral e ilegal no apoio às rendas e a inqualificável ausência de membros do Governo na abertura do monumento sobre a tragédia de Pedrógão Grande.

Mas o spin governamental não para e ‘rei morto, rei posto’ foi logo recuperado o tema da ida do primeiro-ministro, em 2024, para um alto cargo europeu.

É uma matéria requentada que nasceu em 2019, quando da substituição do então Presidente do Conselho Europeu, o ex-primeiro-ministro polaco Tusk.

Com a prestimosa colaboração dos suspeitos do costume foi lançada a ideia de um convite feito (e recusado) a António Costa para assumir esse lugar. 

Esse convite (as coisas segundo o Tratado de Funcionamento da União Europeia, não se passam assim) nunca foi oficialmente confirmado e, em boa verdade, nunca foi assumido pelo próprio.

Há quem saiba, por conhecimento direto, o que efetivamente se passou (o jornal europeu Político descreveu-o) mas isso é irrelevante para o tema em discussão.

A meio do mandato do atual presidente Michel (2021) voltou-se à mesma falsa narrativa esquecendo que é politicamente improvável, a não ser em circunstâncias excecionais, aceitar que um presidente exerça o cargo por menos de cinco anos.

O preenchimento do lugar do presidente do Conselho, depende exclusivamente dos membros em exercício no próprio órgão, mas não deixará de refletir os resultados das próximas eleições europeias.

 

A eleição faz -se por maioria qualificada (55% dos membros, representando, pelo menos, 65% da população da União Europeia) o que, naturalmente, conduzirá a complexas negociações.

António Costa sabe isso mas só agora declarou (definitivamente?) que não está disponível para abandonar o cargo de primeiro-ministro, apesar da narrativa em contrário ter sido construída pelo próprio.

Com esta nova jogada, o país ficou a discutir a ‘promoção’ do Costa, esquecendo, pelo menos temporariamente, tudo aquilo que pode enfraquecer o Governo.

A inusitada visita ao autocrata Orbán, não foi apenas uma tentativa de conquistar um voto porque as afinidades entre os dois líderes são recorrentes e não é a primeira vez que o PM português sai em defesa do seu homólogo magiar.

Em 2020 e na sequência de uma grave crise com a República húngara, por claro desrespeito dos mais elementares princípios da União Europeia, o primeiro-ministro português declarou: «Não se trata de discutir valores e dinheiro, os valores não se compram».

Dá para perguntar: então se os valores europeus não são respeitados e não se pode usar a arma da pressão financeira, qual é a solução que resta? 

Por esta via, caminhamos, também em Portugal, para uma distopia em que o valor essencial é o controlo total do aparelho de estado, que pode gerar resultados eleitorais imediatos, mas se alimenta numa política de pós verdade (mentiras ou meias verdades) que condicionam o pensamento coletivo.

‘Geringonça’ e orbanismo são, afinal, as duas faces da mesma moeda.