JMJ furiosa com o Chega

As denúncias feitas por André Ventura foram classificadas de ‘oportunistas’ pela organização da JMJ, que considera que tudo não passa de aproveitamento político. Os católicos também não gostaram do alarmismo do líder do Chega.

por Raquel Abecasis

O muito que ainda há para fazer não dá margem para perder muito tempo com quem  «se quer aproveitar das Jornadas para tirar todo o tipo de proveitos». O desabafo é comum a muitas pessoas que têm dedicado os últimos meses a trabalhar na organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que se inicia em Lisboa daqui a menos de um mês.

Em todo o caso, várias fontes da organização manifestaram-se atónitas quando ouviram o líder do Chega levantar suspeitas sobre os procedimentos de segurança que acompanham o processo de inscrição de todos os que pretendem participar no evento. «É mais um a querer aproveitar-se da Jornada para retirar ganhos políticos», ouviu esta semana o Nascer do SOL da boca de um dos membros da organização – «É pena, mas nem sequer temos tempo para lhe dar atenção».

André Ventura causou o alarmismo no sábado quando disse que «o partido tem informação, não confirmada, mas de fontes fiáveis e fidedignas, que milhares de pessoas do Médio Oriente, especialmente do Paquistão, estáo inscritas na JMJ». O líder do Chega pediu esclarecimentos sobre estas inscrições, lançando o alarme: «Isto, a ser verdade, significa que estamos perante um risco de segurança muito significativo e, perante a possibilidade ou a tentativa, de estarem a entrar em Portugal, através da Jornada Mundial da Juventude, não só grupos radicalizados como pessoas que podem não ter boas intenções».

Face a estas declarações, o Sistema de Segurança Interna (SSI) emitiu um comunicado esclarecendo que todos os inscritos, antes de receberem o visto de entrada no país, passam por um crivo rigoroso, não podendo ninguém entrar no país sem a atribuição de um visto Shengen. Logo de seguida, a organização da JMJ veio declarar «inteira confiança» no Sistema de Segurança com quem, de resto, estão a trabalhar desde o primeiro instante de forma muito próxima.

Quer a organização das Jornadas, quer os responsáveis do SSI explicaram ao Nascer do SOL que o processo de inscrição na JMJ é suficientemente rigoroso para poder fácilmente detetar qualquer fator de risco. O processo desenvolve-se em quatro fases e só quando está completo, na quarta fase com o visto passado, no caso de cidadãos fora do espaço Shengen, é que a inscrição está concluída. As quatro fases são o que basta para despistar inscrições suspeitas. «De facto, no início do processo de inscrições detetámos um número anormal de inscrições do Paquistão e do Congo», diz-nos um colaborador das Jornadas, que indica que eram vários milhares. O facto foi suficiente para despertar a atenção «já há vários meses» e para fazer soar as campainhas de alarme. A mesma fonte diz-nos que chegaram ao conhecimento da equipa organizadora panfletos que circulavam nos dois países a sugerir a inscrição na JMJ como forma de chegar à Europa. Só que tudo isto se passou na primeira fase, momento em que os inscritos apenas manifestam a intenção de participar no evento. Depois disso há mais três passos em que são exigidos documentos que cerificam e provam a participação, incluindo com referências das respetivas dioceses de origem. No final de todo este processo, os milhares passaram rápidamente a poucas dezenas devidamente documentados e referenciados, garantem-nos.  «As Jornadas Mundiais de Juventude são uma organização já muito testada e por  isso muitas destas situações já ocorreram no passado e foram-nos comunicadas atempadamente», diz-nos fonte do SSI.

Tudo isto prova que as afirmações de Andrè Ventura são erradas e «procuram usar as Jornadas para fazer política, o que lamentamos», dizem as nossas fontes. O momento não é propício para acrescentar problemas, é tempo de trabalhar para que tudo esteja pronto a tempo e horas.

 

Incómodo entre os católicos

O episódio das Jornadas é só mais um a somar a um incómodo crescente que o líder e o próprio partido Chega tem causado entre vários setores católicos.

O mal estar tem a ver com a forma como o partido se louva dos seus pergaminhos de partido defensor da Igreja e depois age de acordo com as suas conveniências políticas, atropelando a Igreja Católica sempre que lhe convém.

O incómodo começou a sentir-se de forma mais acentuada quando André Ventura ignorou os princípios de separação entre a Igreja e o Estado ao convocar o presidente da Conferência Episcopal e o cardeal patriarca a prestarem contas no Parlamento sobre os casos de abusos sexuais na Igreja. «Foi a primeira vez em 50 anos de democracia que os deputados chamaram os bispos para prestar contas na Assembleia da República e logo por exigència de um líder partidário que se diz católico», diz-nos um militante de um movimento católico conservador que classifica de oportunista a forma como o Chega utiliza a Igreja para «conquistar votos quando lhe convém», ao mesmo tempo que ignora o papel da instituição «sempre que isso lhe interessa».

Na mesmo linha, várias vozes dentro da Igreja, até entre os meios mais conservadores, manifestam grande indignação pela forma como André Ventura, sempre que lhe deu jeito, invocou a amizade e direção espiritual com o padre Mário Rui Pedras no dia em que o nome deste sacerdote surgiu entre os suspeitos de abuso sexual – «sabendo que ele estava a ser acusado sem provas minimamente aceitáveis», demarcou-se «vergonhosamente». Agora, diz-nos a mesma fonte, «aparecem vários militantes do Chega a invocar a proximidade com o Padre Mário Rui», já depois de se ter concluído que as suspeitas eram  infundadas.

A forma como vários militantes criticam bispos e mesmo o Papa Francisco nas redes sociais, sem «levar em conta que um católico não crítica nem um bispo, nem muitos menos o Papa em público», é outro fator que tem deixado muitos católicos incomodados com o partido de André Ventura.