por Raquel Abecasis
As campaínhas de alarme soaram nos gabinetes ministeriais nos últimos dias. Depois de meses perdidos a tratar das ocorrências no interior do Governo, a aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) sofreu atrasos que alguns consideram poderem ser irremediáveis. Agora, multiplicam-se as reuniões de emergência nos vários Ministérios, conduzidas ao nível de ministros e secretários de Estado. A ordem é para acelerar todos os projetos.
Quem se mantém determinado a cumprir a promessa de «estar muito atento para que não se percam os fundos do PRR» é o Presidente da República. Marcelo acompanha a par e passo a monitorização da aplicação dos fundos e sabe que os últimos meses foram dramáticos, pelo que causaram de atrasos e mesmo suspensão de alguns projetos.
Numa entrevista recente ao Nascer do SOL, Pedro Santana Lopes, presidente da Câmara da Figueira da Foz, referia que os projetos da região centro estavam todos parados há meses por causa das sucessivas crises no interior do Governo e o caso estava a levantar grande preocupação. O mesmo está a passar-se noutras diferentes regiões do país.
Fontes no interior de vários gabinetes do Governo confirmam ao Nascer do SOL que o ambiente é de tensão, porque, diz-se nos corredores, depois da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Presidente vai voltar ao ataque.
Mariana Vieira da Silva, a ministra responsável pela gestão do PRR, deverá estar debaixo do fogo presidencial logo depois da partida do Papa e o Governo teme que no novo clima de tensão entre Belém e São Bento, Marcelo Rebelo de Sousa comece a pedir a cabeça da ministra, mesmo que de forma velada.
Portugal tem a possibilidade de receber quase 30 mil milhões de euros até ao final de 2026, mas, para receber o total dos fundos, precisa de garantir a sua execução, já que as verbas de Bruxelas são libertadas em tranches, mediante o cumprimento dos chamados Marcos e Metas estabelecidos pela União Europeia. E é aqui que reside a preocupação crescente do Presidente: até agora, o país só conseguiu concretizar 12% dos fundos do PRR, uma taxa muito baixa, que faz aumentar os receios de que Portugal acabe mesmo por desperdiçar uma larga fatia deste dinheiro que corresponde ao maior volume de fundos alguma vez entregues a Portugal desde a adesão.
Ainda antes de fechar o dossiê da Comissão de Inquérito à TAP, o Governo está já a preparar-se para a próxima guerra institucional com Belém, só que desta vez sabe que é muito mais difícil descartar-se de responsabilidades pelos atrasos. Os atrasos que se agravaram nos últimos meses devem-se exclusivamente ao facto de o Governo ter estado ocupado a tratar de problemas gerados no seu interior. «Não há como atirar as culpas para a oposição ou para a guerra», diz-nos fonte do Governo.
É para tentar diminuir as críticas que virão de Belém, com o Presidente a encontrar mais uma razão para massacrar o Governo, que as ordens no interior do Executivo são para acelerar o mais possível os processos. Ao mesmo tempo, é preciso reavivar a agenda mediática e lançar obra. É nesse sentido que António Costa vai nesta sexta-feira a Mafra lançar o Museu da Música, um velho projeto do Ministério da Cultura que está à espera desde 2017. Agora, o museu faz parte dos projetos a financiar pelo PRR.
O primeiro-ministro vai hoje, finalmente, lançar o museu da música, mas esta é uma obra que representa apenas uma pequena parcela dos projetos a lançar pelo Ministério da Cultura no âmbito do PRR. Ao que apurámos, este Ministério de Pedro Adão e Silva terá apenas cumprido 6% a 7% do total dos investimentos previstos.
O tema da taxa de execução do PRR deverá já ser abordado no Conselho de Estado previsto para o final deste mês de julho, mas o Governo sabe que será só uma abordagem preliminar. Agora, o momento é de focar as atenções para que tudo corra bem durante a Jornada Mundial da Juventude e depois é ainda preciso fechar o dossiê da Comissão de Inquérito à TAP, que promete ainda dar muito que falar, depois da apresentação de um relatório preliminar criticado por todas as forças políticas (ver artigo na pág 13).
O dossiê da execução do Plano de Recuperação e Resiliência fica guardado para a reentré política. Nessa altura, estaremos muito próximos de atingir a metade do prazo disponível para executar os mais de 30 mil milhões de euros destinados ao nosso país e, a manter-se a situação atual, Portugal vai falhar a meta e perder uma oportunidade única.
2024, o ano de todos os riscos para o Governo
A preocupação com o PRR no interior do Governo tem uma razão de ser: António Costa sabe que a sua relação com Marcelo Rebelo de Sousa está desgastada. O primeiro-ministro, que quer, a todo o custo, evitar uma remodelação nos tempos mais próximos, sabe que o Presidente está, como ele próprio prometeu, «ainda mais vigilante» em relação à ação governativa. 2024 é o ano para o qual o Presidente tem vindo a apontar como o momento certo para fazer uma avaliação da legislatura e a verdade é que a data está a aproximar-se e o Governo ainda não se conseguiu desenvencilhar das várias trapalhadas em que se tem vindo a envolver desde que iniciou funções.
No interior do Executivo são várias as vozes que pedem mudanças, a começar por mexidas no Governo para um apaziguamento nas relações entre Belém e São Bento. E a verdade é que este não acontecerá enquanto Costa mantiver Galamba no Governo. E enquanto as mudanças não chegam, acumulam-se as preocupações: «Os indicadores económicos são bons, mas não sabemos por quanto tempo e as coisas com o PRR não estão a correr bem».
António Costa aposta numa maior distribuição dos bons resultados da economia, com mexidas no IRS e a continuação de alguns apoios para ajudar as famílias a combater a inflação, mas as sondagens continuam a mostrar um enorme desgaste eleitoral do PS e parecem confirmar a recuperação do PSD, embora num ritmo lento. Ainda esta semana, um estudo da Universidade Católica sobre sondagens, com uma amostra de 2000 pessoas, colocava o PSD_três pontos à frente do PS e revelava que 37% dos que nas últimas legislativas votaram PS dizem agora ter mudado o sentido de voto para o PSD. Tudo razões que tornam cada vez mais claro que as eleições europeias podem ditar um virar de página se o Presidente concluir que tem condições para isso.
É neste sentido que o argumento da execução dos fundos do PRR pode ser determinante. O tema não é de fácil resolução, é uma preocupação do Presidente desde o início da legislatura e tem potencial para servir de exemplo máximo da falta de estratégia e capacidade executiva do Governo socialista. Ainda por cima num momento em que o país se prepara para ir a eleições.
António Costa quer manter todos os cenários em aberto e só mexer no Governo em cima do congresso dos socialistas, em março, para ganhar fôlego para as eleições europeias, mas o aguilhão presidencial com o tema PRR em cima da mesa pode vir a estragar-lhe os planos e transformar uma derrota nas europeias no início de uma crise política.
Ao Presidente bastará ter os indicadores certos, ou seja, o Governo sem conseguir ter iniciativa, o PSD a conseguir resultados nas urnas e, cereja em cima do bolo, o PRR em risco cada vez mais certo de não conseguir ser aproveitado. Tudo argumentos mais que justificáveis para que o Presidente use a bomba atómica e dissolva o Parlamento.
O perigo está à espreita e o argumento bem identificado. O Governo sabe que o caminho para recuperar é estreito.
É por isso que António Costa, para evitar o pior cenário, deu ordens claras aos vários ministros para que façam das tripas coração e procurem em poucos meses recuperar o tempo desperdiçado desde o início do ano.
A máquina já começou a movimentar-se, mas é preciso que não haja mais crises para que o esforço valha a pena.
Mesmo assim, os mais céticos admitem que, mesmo que tudo corra bem, será muito difícil recuperar o atraso. 12% de execução é muito pouco e os critérios para a União Europeia libertar as verbas é muito rigoroso e fortemente fiscalizado. Apesar do aligeirar de procedimentos para agilizar os projetos, a tarefa afigura-se hercúlea.