Por Teresa Nogueira Pinto
Vou começar por perguntar-lhe sobre o seu percurso político. Estreia-se com o movimento cívico ‘Somos todos Lisboa’, passa pelo Aliança e agora funda a Nova Direita…
Foram dois anos, mas parece uma eternidade (risos). Aconteceu muita coisa. O objetivo daquela candidatura autárquica a Lisboa foi perceber se as nossas ideias e a nossa forma de fazer política tinham abertura junto dos portugueses. E se a minha pessoa, enquanto líder desse projeto, agradava, se dizia alguma coisa. Foi uma espécie de teste.
E resultou?
Sim, foi muito além da nossa expetativa. Houve várias coisas a partir desse momento que nos fizeram perceber que há muita coisa que se pode fazer melhor. Desde logo o grau de desorganização dos processos entregues ao Tribunal Constitucional por partidos que estão na política há 50 anos. É demonstrativo da enorme falta de rigor que se vê na política. O que transmito, o que exijo à minha equipa, a forma como vejo a política é com rigor e, sobretudo, muita dedicação. Acredito que, se os outros partidos tivessem essa dedicação e sentido de responsabilidade, esse respeito pela política, pela mensagem que transmitem e pelo impacto que isso tem na vida das pessoas, não estaríamos no estado em que estamos. Isto foi uma primeira conclusão. Depois, os resultados o que disseram foi: continuem, melhorem, aprofundem, vão à luta, e provavelmente vão encontrar o vosso lugar. Estávamos a refletir sobre o que é que podíamos fazer com aquilo, porque é possível candidatarmo-nos às autárquicas enquanto independentes, mas a outras eleições não.
E foi aí que surgiram convites?
Sim. Muitos convites à direita, e não só… Mas essencialmente à direita. Mas naquela altura os partidos à direita estavam todos a passar por crises de liderança, com muitos problemas internos. Achei que integrar partidos naquele estado não iria dar visibilidade às nossas ideias. É então que surge o convite do Aliança, que me propôs a vice-presidência. Isso na altura deu-me alguma segurança de que não só seria parte do partido, mas também teria voz em relação ao rumo a dar ao partido.
O que é que correu mal?
Isso não aconteceu e foi uma desilusão para mim. O que me foi prometido em termos de método de trabalho não aconteceu. Entrámos logo para as eleições legislativas, era preciso fazer uma campanha. Eu, apesar de desiludida, não quis largar o partido numa fase tão importante. Por isso, propus ir fazer a campanha lá fora. Estávamos naquela fase da Ómicron, e não me deixavam viajar. A zona de conforto para mim, naturalmente, era fora da Europa. Era aí que eu tinha mais possibilidade de ter visibilidade, mas não me podia deslocar a muitos países e decidimos que me candidataria pelo círculo da Europa.
Como foi essa experiência?
Na altura já sabia que não iria continuar no partido, mas fiz aquela campanha com muito gosto. Foi uma campanha absolutamente incrível e vital para a forma como nós a seguir viemos a abordar a política. Estive três dias em três países: fui a Paris, ao Luxemburgo e a Londres. É um terreno hostil, porque a emigração vota menos, quem vota está muito habituado aos partidos da sua marca e, dizia-se, são eleitores menos recetivos a novas propostas. Mas fui na mesma, e fui muito bem recebida pelas nossas comunidades. Tive quase 400 votos, um resultado inferior ao que tive nas autárquicas. Mas ,se considerarmos que ninguém conhecia o Aliança, que foi uma campanha muito curta e o facto de o próprio Pedro Santana Lopes ter-se candidatado e ter tido 500 votos, tendo já sido primeiro-ministro, considerei um resultado fantástico (risos). Não é aquilo que se procurava, mas em três dias de campanha não há milagres.
E depois disso?
Depois disso pensei que não iria perder tempo com o Aliança. Conversámos muito, tentei que fossem mais proativos, mas isso não aconteceu. Nós, no movimento, pensámos que não havia entusiasmo na política, não havia um partido que pudesse ser uma plataforma para transmitir esta energia e estas ideias novas ao país. Percebemos que íamos ter de criar um partido novo.
Correu bem?
Muito bem. Fizemo-lo com toda a transparência. Escolhemos o nome do partido, Nova Direita, para que as pessoas não vão ao engano. Queremos fazer uma política de direita. E era também um teste, uma forma de perceber se as pessoas, bem conversadas, percebiam a pertinência das nossas propostas, independentemente de serem de direita ou de esquerda. E funcionou. Foi muito mais duro do que o movimento das autárquicas, porque estávamos a entrar naquela fase em que começou a haver uma série de escândalos e as pessoas cada vez mais desacreditadas da política. Era difícil ir para a rua pedir assinaturas às pessoas, ainda por cima para um partido que se chama Nova Direita. Foi um grande desafio. Mas eu gosto mesmo é de desafios (risos).
Entregámos as assinaturas há uns meses, havia ali uns problemas – o Tribunal é muito rigoroso, e isso é um bom sinal. Mas espero que em breve tenhamos o partido formalizado.
Durante este interregno, nunca deixaram de trabalhar?
Nunca. Não há tempo a perder. Estamos a preparar o programa, estamos com as pessoas. Temos uma dinâmica de movimento, com gente a bater-nos à porta, com esperança de mudança neste ambiente político tão podre e inerte. E há um calendário eleitoral muito exigente a partir do próximo ano. E também a ameaça, que paira, de umas eventuais legislativas. Para nós, seria uma desilusão não podermos participar.
Em 2021 não se afirmava nem de esquerda nem de direita. Agora propõe um projeto político à direita, sem adversativas. Gesto raro em Portugal. Mas a direita tem muitas moradas. Qual é a da Nova Direita?
Nessa entrevista eu disse que não era nem de esquerda nem de direita, que era do Sporting (risos). Claro que era uma forma de dizer: não me perguntem isso. Não era oportuno quando me estava a candidatar a uma autarquia. Era irrelevante e não queria abrir esse tema. Mas eu sempre soube que era uma mulher de direita. A minha sensibilidade, a forma como vejo o mundo, desde os valores que defendo à forma como imagino a dinâmica económica do país, a sociedade… Hoje estava a ver o que se está a passar em França. E tudo é mau, desde o que aconteceu ao rapaz, ao que está a acontecer agora. Falta a autoridade do Estado. E isto são questões que a direita defende. Não tenho dúvidas sobre de que lado é que estou.
Mas que direita é essa?
Somos uma direita conservadora. Todas estas ‘liberalizações’ que agora se propõem, não acredito que isso dê equilíbrio à sociedade. Mas há outro aspeto importante: somos uma direita social. Portugal já teve isso no passado. E talvez esta seja a nossa marca distintiva. Por que é que a direita não se há de preocupar com o bem-estar das pessoas? Como se sentem na comunidade, o que é que a comunidade lhes dá e o que é que elas lhe dão de volta? Qual é o problema de uma direita social, que defenda as pessoas? O facto de a direita ter abandonado a vertente social pode explicar por que é que está sempre em segundo plano em termos de poder. As pessoas podem até concordar com as propostas (toda agente concorda que num país tem de haver ordem e autoridade, tirando meia dúzia de iludidos), mas acho que também pensam: e os meus direitos, quem os defende? A direita não tem sabido transmitir ao eleitorado essa preocupação. Propomos uma direita conservadora, que tentará sempre travar esta inversão total de valores que nos querem impor. E queremos chegar às pessoas, fazer com que voltem a contar com Estado para as defender. Esta é a nossa direita.
No seu discurso traz para o debate público conceitos que a direita, em Portugal, tinha enterrado: soberania, nação, comunidade, família…
Não se consegue mobilizar uma sociedade para o que quer que seja se ela não tiver um sentido patriótico, sobretudo nos momentos mais difíceis. Nós estamos a viver um momento muito difícil, ultrapassá-lo vai exigir uma mobilização geral e reformas profundas. Isso só é possível se as pessoas sentirem que estão a trabalhar para um bem comum. Mas o bem comum não resulta simplesmente de as pessoas nascerem num determinado país. O que torna o interesse comum é aquele sentimento de que temos um país que é nosso e podemos traçar um caminho e decidir coletivamente onde queremos estar daqui a dez, vinte, cem anos. Como é que isto se faz se tivermos um país que não pode tomar decisões, cuja agenda depende de uma agenda alheia, como acontece hoje em Portugal?
Qual é alternativa?
A nossa visão é muito clara. Portugal deve ter os seus interesses divididos em três eixos: o continental, o regional e o histórico. Onde Portugal sempre cresceu foi além-mar. Essas portas continuam abertas, temos uma relação fantástica com esses países. Mas estamos muito limitados, porque as nossas decisões são tomadas ao nível da Europa. Se quisermos fazer acordos com países de língua portuguesa, vamos ter de pedir autorização. E a Europa, por sua vez, está muitas vezes condicionada por interesses de terceiros, como os Estados Unidos. Claro que ninguém defende deixar a Europa, isso hoje seria totalmente irracional. Mas a Europa, como está, não serve os nossos interesses, não chega para termos um país independente e próspero. E, por outro lado, nós não temos capacidade para decidir o rumo da Europa.
Qual é a solução?
A única forma que temos para resolver isto é recuperar a soberania: nos aspetos que para nós são essenciais, não cedermos nem pedirmos autorização a ninguém. É o que está já a acontecer com outros países. Quando o Presidente Macron foi pedir autorização aos BRICS para participar na cimeira, isso não agradou a Bruxelas. É uma aproximação à Rússia, à China e vai contra o que nos dizem todos os dias. Mas ele, que é um grande europeísta, percebeu que o interesse da França também está ali. Ali estão as matérias-primas, a capacidade de produção, a demografia, as empresas. É ali, naquele mundo.
E Portugal?
Nós temos relações históricas com África, com Ásia, com a América do Sul. O Brasil está nos BRICS, e esse mercado interessa-nos. Até quando vamos ficar de mão estendida para a Europa? A Europa está a abrir-se a mais países, vai gastar muito dinheiro com a defesa, a energia. Já não vai haver tanto dinheiro disponível. Não é por acaso que restaurar a nossa independência é o primeiro objetivo do nosso programa. Sem isto não conseguimos fazer o resto. Temos de ser capazes, como aconteceu no passado, de tomar as nossas decisões, reatar laços com estes países que estão de portas abertas e onde estão muitos cidadãos portugueses. E temos de recuperar a soberania no nosso posicionamento geopolítico, resolver a questão do nosso envolvimento na guerra. Nós sempre fomos um país neutral, porque é que agora estamos envolvidos numa guerra em que não se defendem nem os interesses dos pobres ucranianos, nem tão pouco os interesses da Europa e ainda menos os de Portugal? O mundo está tão interdependente que estes posicionamentos rígidos não trazem vantagem para ninguém.
Se quisermos abrir a porta dos BRICS, precisamos de passar pelo Brasil. Mas ao mesmo tempo estamos a sancionar um líder dos BRICS, que é a Rússia. E a Europa a posicionar-se face à China como se fosse um bicho-papão. Como é que resolvemos isto? Ou ficamos fechados neste mundinho que não nos valoriza tanto assim, porque nós na Europa estamos limitados à condição periférica, ou somos a grandeza que Portugal é: a portugalidade que está espalhada pelo mundo inteiro, com quase 300 milhões de falantes do português. Soberania é isso, é termos a última palavra sobre o que são os interesses do país.
Não acha que essa evocação da portugalidade pode soar a saudosismo imperialista?
Eu tenho uma vantagem. Saudosismo imperialista não me cola à pele. Nasci em Angola dois anos depois da independência e cresci lá. Cresci com a minha família a evocar o passado colonial.
A sua família viveu a transição para a independência em Angola?
Sim. Por isso é muito difícil atribuírem-me esse saudosismo imperialista. Olha-se para mim e percebe-se que não faria muito sentido. Mas não é só isso. O saudosismo não é uma coisa má. É preciso desconstruir essa ideia de que tudo aquilo que invoca o passado nos tem de fazer sentir mal. Os portugueses, lamento dizer, estavam bem onde estavam. Obviamente, para os países colonizados fazia sentido recuperar a independência. Embora, e isso hoje parece-me ser consensual, o processo tenha sido muito mal dirigido, e não precisava ter sido assim. Se tivesse sido bem feito, ter-se-ia evitado uma rutura, que não beneficiou esses países, nem Portugal, nem tão pouco os portugueses que vieram para cá, onde nunca se sentiram em casa. Visto do lado português, que mal tem sentir saudade de um tempo em que as pessoas foram felizes?
E visto do outro lado?
A África que eu conheço não é rancorosa. As manifestações de rancor e ódio não vêm de África, vêm de pessoas que estão cá. Muitas vezes de pessoas que têm ódio dos países de onde vêm, e têm ódio de Portugal. Isso que dizem aí, que as pessoas guardam rancor, que querem recuperar não sei o quê… esqueça. As pessoas têm mais que fazer. Em África as vidas são demasiado exigentes. Não vejo ninguém em Angola manifestar ódio pelo que aconteceu no passado. O que passou faz parte da História, e a História dos países não é linear. E se durante um tempo houve uma relação assimétrica, os países lutaram pela sua independência e depois começou uma nova fase. Já passaram quase cinquenta anos. Já não é um tema. Aliás, sabe porque é que eu vim para aqui? Eu vivi em Paris, depois fui estudar para Coimbra, e a seguir decidi vir morar para Lisboa. Aqui passava toda a minha família, de alguma maneira. Tinha a sensação de estar em Angola, e isso é demonstrativo do que é a relação entre os dois países. É preciso desconstruir essa ideia de que a relação entre Portugal e as ex-colónias é uma relação de ressentimento. Isso é falso.
O que é que se faz, então, desse passado?
Portugal deixou filhos em África. Eu na minha família tenho muita gente mestiça. E esta mistura ainda hoje continua. Então porque é que vivemos isso como um tabu, em vez de potenciar essa relação? Entre estes países há um carinho e um respeito mútuo. É preciso aproveitar isso, que é uma coisa difícil de encontrar na relação entre outros países europeus e as suas ex-colónias. Portugal está na Europa, com todas as vantagens que isso tem. Mas, por exemplo, Angola tem recursos, pessoas, um mercado com um potencial incrível, falamos a mesma língua, comemos as mesmas coisas. Reforcemos isso, numa relação diferente da que houve no período colonial, numa relação mutuamente vantajosa.
Não acredita na ideia de uma culpa coletiva?
Claro que não. Tem alguma culpa do que os seus antepassados fizeram há cem anos? Portugal já demonstrou ter muito respeito por esses países, e os portugueses individualmente também. Se defino esta ideia de portugalidade como uma causa, é porque acredito nisto, e vivi isto. Quando eu crescia, a loja era do senhor João, a padaria do senhor António, as empresas que reconstruiram Angola eram portuguesas, os supermercados eram portugueses. Hoje são as empresas chinesas, porque Portugal desinteressou-se, abandonou o barco e permitiu que outros países tomassem o seu lugar.
Na prática a ligação existe. Só falta uma política para que todos beneficiem. Numa perspetiva económica, o mercado dos países de língua portuguesa é enorme. Não precisaríamos de mais nada, trabalhando bem esses mercados. Como é que é possível que Portugal se tenha desinteressado de um país como Angola?
Durante a crise financeira, Angola foi uma boia de salvação para muitas empresas portuguesas…
Sim, as empresas foram para lá, investiram e arriscaram. Quando as coisas começaram a ficar complicadas, Portugal devia ter entrado.
Quando se deu a queda do preço do petróleo?
Sim, nessa altura os empresários sentiram a falta de uma política que os protegesse. Diria que 60 por cento das empresas portuguesas, algumas grandes, vieram embora ou faliram. Angola tem uma particularidade. Como existem recursos naturais, a economia nunca vai ao fundo. A coisa pode estar muito mal (por exemplo, neste momento há um problema sério com a desvalorização da moeda), mas há sempre dinheiro na economia e uma forma das empresas se segurarem. Da parte de Portugal, nesse período de 2013, não houve nenhuma iniciativa. A diplomacia francesa, por exemplo, intervém, vai, acompanha, coopera. Aliás, isso viu-se na Rússia. As maiores empresas francesas não saíram da Rússia.
Falemos sobre o programa da Nova Direita, cuja versão completa será apresentada a seguir ao verão. Uma das medidas anunciadas é a aposta no nuclear. Uma medida polémica…
Polémica, sem dúvida. Mas com esta nova reconfiguração geopolítica, só sobreviverão os países que tiverem uma vantagem energética, que se traduza numa vantagem competitiva. Estou muito preocupada com países como a Alemanha, que têm uma indústria de grande qualidade, mas que não têm essa vantagem energética. Portugal pode antecipar-se a esta viragem, temos condições políticas que nos permitem dar esse salto. Condições que muitos países não têm, pelo facto de aí as agendas verdes serem absolutamente poderosas. Nós, apesar de tudo, quando é preciso, somos bastante sensatos.
Temos condições políticas, neste momento?
Não vamos ficar neste limbo para sempre, espero eu (risos). As pessoas dizem que não há alternativa, o Presidente diz que não há alternativa. Nós vamos mostrar que está aqui uma alternativa, só assim é possível implementar o que quer que seja. Acredito que em Portugal as pessoas adeririam a um projeto que garantisse estabilidade. A energia nuclear vai ser o novo petróleo e a independência energética, com uma energia barata e limpa, faz parte do nosso projeto de soberania. A nossa indústria, infelizmente, é quase inexistente. Temos o know how, mas o know how sozinho não gera valor. Para reindustrializar temos de ter uma vantagem competitiva, é preciso garantir acesso a energia barata, num contexto em que não dependemos de terceiros. As energias renováveis são intermitentes, caras e mantêm-nos dependentes. O nuclear é uma fonte de energia estável e praticamente ilimitada. E enquanto no centro da Europa há uma luta entre a agenda climática e as necessidades reais dos países, se nós tivermos aqui um avanço, pode tornar-se um produto de exportação. Poderíamos avançar na reindustrialização, sobretudo nesses setores onde já fomos fortes, e que a Europa tem deixado ou vendido à China por facilitismo. Tudo no nosso programa gira em torno da soberania. E um país que não tem capacidade para fazer face às necessidades vitais dos seus cidadãos não é um país soberano, não é nada.
Outra proposta ambiciosa é a de estender a licença de maternidade até aos 24 meses…
Esta é apenas uma das medidas para combater o declínio demográfico. Não resolve todos os problemas, mas é um sinal. Eu tenho quatro filhos, e o que constato enquanto mãe é que é muito difícil gerir os primeiros anos de vida de uma criança, é um período de instabilidade para as famílias. As pessoas precisam de trabalhar e põem as crianças muito cedo na creche, e começam aí os problemas porque as crianças ficam mais vezes doentes. E isso exige uma resposta do Estado nos serviços pediátricos, nas creches públicas (que na prática, muitas vezes, não são uma opção). E para as mães é importante a possibilidade de, sem terem de renunciar à sua profissão, ficar esses dois anos em casa com os seus filhos. Sabe que, muitas vezes, não é uma questão de dinheiro. Poder acompanhar a criança nesta fase, que é muito importante no estabelecimento de ligações, tem muito valor. Eu tive essa oportunidade com o meu terceiro filho, e posso dizer-lhe que foi maravilhoso. Por outro lado, a media responde a outros problemas. Há listas de espera, e muitas famílias não podem pagar 600 euros para colocar um filho na creche. Isto faz atrasar a maternidade, e depois muitas mulheres chegam à faixa dos 30 já num stress para engravidar, e isso pode afetar a fertilidade…
É um ciclo vicioso…
Totalmente vicioso. É preciso criar condições para as mulheres terem filhos mais cedo. Mas como o dinheiro não dá para tudo, esta medida permite também retirar pressão de outros serviços. É uma medida conservadora, que defende a família como núcleo da sociedade, mas é também uma medida económica. Tem essa transversalidade, e acredito que é possível mobilizar as empresas. E deveria ser tomada já, não há muito tempo a perder.
A demografia também é um recurso económico?
Claro que sim. Não se consegue fazer nada se não houver pessoas. E a imigração não é solução para tudo. Resolve alguns dos nossos problemas, mas é preciso garantir a renovação das gerações. Agora esta medida sozinha não chega, é preciso fazer muito mais.
Não hesita em desafiar o pensamento hegemónico. Disse, por exemplo, que o wokismo é um veneno. Como é que gere isso?
É uma questão de bom senso, senso comum. Qualquer pessoa que tenha uma vida normal, trabalhe, que é mãe ou pai, percebe que aquilo que nos estão a propor não é bom. Eu cresci, e graças a Deus as minhas filhas mais velhas (os dois mais pequenos ainda vamos ver o que acontece) num ambiente bastante saudável, em que aos pais era dada a possibilidade de educar os seus filhos. Bom, por um lado era dada essa possibilidade, por outro os pais também não renunciavam a esse papel. Mas as coisas transformaram-se muito nos últimos anos. Estamos numa sociedade que põe tudo em causa, indiscriminadamente. Tudo o que nós vivemos até agora, está errado. E põe-nos uns contra os outros, divide-nos entre vítimas e agressores. E onde é que nós vemos os jovens hoje a crescer melhor do que nós crescemos? Eu sou muito feliz pela forma como cresci. Sinto que muito daquilo em que me tornei resultou de ter tido essa estabilidade nos valores que os meus pais defendiam. E porque foram os meus pais, não a escola, que nos educou. Na escola aprendíamos, aprendíamos a ter disciplina e espírito crítico. Mas de repente já não podemos ter espírito crítico, porque se não coincidir com esse pensamento dominante, já está tudo errado. Hoje fazemos um post sobre o que quer que seja e somos logo adjetivados de tudo e mais alguma coisa. Isso não está a levar a sociedade por um bom caminho. Os jovens estão completamente confusos.
Daí propor, como medida, o combate ao wokismo?
O combate ao wokismo pode soar a uma medida vaga e populista, mas não é. É tão nocivo para a nossa sociedade, que merece a nossa atenção. É um problema que se tem de resolver, porque precisamos ter jovens saudáveis, com espírito competitivo, sem complexos. Ensinarem-nos na escola que a nossa História está toda errada porque cometemos alguns erros no passado, e alguns deles foram eventualmente graves, não é bom. Nós temos de dar às crianças os elementos factuais, e a partir daí que desenvolvam um espírito crítico. Suprimir a história dos livros, falar só dos erros, dizer que não houve conquistas. É uma baralhação. A escola tem de voltar a ter o seu papel. Em tempos até fiz um teaser no Twitter a sugerir mudar o nome para ministério da instrução. Educação quem dá são os pais. E se a escola fizer muito bem o papel de instruir, já está a fazer um grande trabalho. Este combate ao wokismo vai albergar uma série de medidas que visam voltar a colocar as coisas no seu lugar. Devolver à família a autoridade sobre as crianças, à escola o ensino. E devolver a autoridade aos professores.
Criámos aversão à ideia de autoridade…
Por isso é que os miúdos chegam aos 13, 14 anos e mandam calar os professores. Isso tem repercussões na família e na sociedade, porque o que não se aprende na escola e em casa depois quem ensina é a rua, muitas vezes da pior forma. É preciso devolver autoridade a cada uma destas instituições, para que cada um faça o seu papel. É preciso devolver as bases à sociedade. A minha experiência o que diz é que quando há autoridade os miúdos sentem-se seguros. As minhas filhas viveram comigo até aos 18 anos, e depois eu disse: ‘agora vão’. E foram (agora moram em Paris), com toda a tranquilidade. Porque eu sabia que estavam preparadas para escolher entre o que é certo e errado, para saber que tinham de acabar os estudos em 3 e 5 anos, e não em 6 ou 7, para não se desviarem do objetivo.
Para o ano temos eleições para o Parlamento Europeu. Em que grupo do Parlamento Europeu se poderia inserir a Nova Direita?
É uma questão que nos colocamos diariamente. Estão a acontecer transformações profundas a nível europeu e há uma viragem à direita. E, à direita, há várias propostas. Temos a Marine Le Pen de um lado, a Giorgia Meloni do outro, o VOX…Estas são as direitas hoje…
São as direitas que crescem…
São a direita tout court. Em França, neste momento, não há mais nenhuma. Os Les Républicains quase desapareceram, o Partido Socialista também se evaporou. A direita, neste momento, é representada pelo Rassemblement National. E, na Europa, as várias direitas ainda não se puseram de acordo. Estamos a observar e, mais lá para o final do ano, vamos tomar uma decisão.
Luta contra o wokismo, soberania, racionalização da imigração…em que é que a Nova Direita se distingue do Chega?
Não vejo aqui nenhuma medida que seja proposta pelo Chega.
Pergunto em termos de posicionamento.
Mas é isso. Não há posicionamento no Chega. Qual é a posição do Chega em relação a estes temas? Com a exceção da imigração, tema sobre o qual se pronunciam todo o santo dia, qual é a posição do Chega sobre estes temas? Existe? É um partido monotemático. Se calhar tem duas medidas, sobre a imigração e a corrupção. E tudo bem, é preciso que alguém fale sobre esses temas abertamente e sem tabus. Se calhar, o Chega escolheu uma forma de fazer política que nos choca, não estávamos habituados a este tipo de linguagem e de abordagem política, mas deixemos falar. Isso gera debate e faz-nos pensar como sociedade. Confrontarmo-nos com a realidade, porque nem tudo o que eles dizem é falso, e é o que nos permite fazer escolhas. Não podemos estar sempre a proteger a sociedade, a falar de fascismo. Nós sabemo-nos defender, perceber se queremos aquilo ou não. Nesse sentido, respeitamos aquele trabalho. Mas não é a nossa forma de fazer política. Achamos que conseguimos fazer melhor, e sobretudo temos ideias e medidas concretas. Medidas para devolver a esperança aos portugueses, traçar um caminho para a prosperidade do país. Há uma racionalidade em tudo o que Nova Direita propõe, não há aqui nada que seja feito porque está na moda.
Antecipando o cenário de eleições legislativas. É possível a direita chegar ao poder?
Claro que sim. Agora, que direita é essa? É a Nova Direita.
Porquê?
Os portugueses são exigentes. E isso talvez seja o que me faz sentir tão bem em Portugal, e ter feito deste o meu país. É um povo tranquilo e sereno, mas que sabe tomar as decisões certas no momento certo. Às vezes leva tempo, mas tomam. Vi o que aconteceu em Lisboa e vi chegar a vitória de Carlos Moedas.
Carlos Moedas representa a direita?
Para todos os efeitos, sim. Nós sabemos que há várias figuras do PSD que dizem que não são de direita, mas na cabeça das pessoas o PSD é um partido de direita. Essa vitória, em Lisboa, foi uma vitória de trabalho. Penso que, se todos nós, à direita, pusermos energia, seriedade, sentido de responsabilidade, acredito que será possível.
Acredita numa convergência?
Acredito.