Boaventura Sousa Santos. Editora deixa de disponibilizar livro com capítulo sobre assédio sexual e moral

“A circulação do livro é de interesse público e essencial para o processo de fortalecimento do movimento de vítimas das situações ali narradas e de outras vítimas de assédio no contexto acadêmico. Pedimos assim à Routledge que tome as providências necessárias para corrigir a situação e disponibilizar o livro ao público”, pede coletivo de vítimas.

Aproximadamente um mês depois da divulgação da terceira carta aberta, o coletivo de vítimas, que acusa Boaventura Sousa Santos de assédio sexual e moral, difundiu a quarta missiva. Desta vez, destinada à prestigiada editora académica Routledge, através da qual foram publicadas as primeiras denúncias, relativas ao académico, no livro ‘Sexual Misconduct in Academia’ (’Má Conduta Sexual na Academia’, em português), lançado em março, no Reino Unido.​

"Prezados Senhores, Nos dirigimos à vossa editora enquanto coletivo de vítimas de situações de assédio envolvendo Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins no âmbito de equipas de trabalho lideradas por Boaventura de Sousa Santos. Nosso coletivo é formado, atualmente, por sete mulheres, de nacionalidades brasileira, portuguesa, peruana e mexicana. Nossas experiências permitem atestar a veracidade do padrão de comportamentos descrito no capítulo 12 do livro 'Sexual Misconduct in academia: informing an ethics of care in academia'", começam por redigir, acrescentando que "a publicação do livro foi determinante" para que se organizassem "em coletivo e para a decisão" de juntarem "provas testemunhais e documentais que corroboram os diversos tipos de abusos descritos naquele capítulo".

"Nesse sentido, verificamos com muita preocupação a indisponibilidade para venda do livro 'Sexual Misconduct in academia: informing an ethics of care in academia' e a informação de que está em processo de revisão. Apesar das tentativas realizadas para obtermos esclarecimentos com as autoras do capítulo, não conseguimos obter uma resposta", declaram, sendo que, como o Nascer do SOL já havia noticiado, entrou em contacto com Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viaene e Mya Nadya e estas optaram pelo silêncio.

Recorde-se que as investigadoras, duas estrangeiras e uma portuguesa, não mencionam nomes nos seus relatos, mas a identificação parece ser clara e o CES decidiu mesmo abrir um inquérito no contexto da publicação de ‘As paredes falaram quando mais ninguém o fez’ na obra mencionada. Um dos casos diz respeito a uma investigadora brasileira à qual Boaventura Sousa Santos terá tocado no joelho e convidado a "aprofundar a relação", tendo-a colocado de parte quando esta recusou os seus supostos avanços. O professor, em 2014, tinha mais de 70 anos e, a aluna, menos de 30.

"Por isso, decidimos nos dirigir à editora. O capítulo 12 do livro cumpriu um papel essencial na elucidação do padrão de abuso de poder que sofremos e testemunhamos. Partindo do que foi descrito, estamos organizando um Dossiê circunstanciado com um conjunto alargado de provas documentais e testemunhais que comprovam as ações incorretas e o padrão de assédio sexual e moral descrito pelas autoras da publicação", continuam, adicionando que "a razão pela qual tais provas ainda não foram apresentadas é a demora do próprio Centro Estudos Sociais da Universidade de Coimbra em iniciar qualquer processo investigativo sobre as denúncias".

"Estamos aguardando que seja instituída a Comissão Independente do CES, ocasião em que apresentaremos nosso Dossiê, que pretendemos também tornar público. A circulação do livro é de interesse público e essencial para o processo de fortalecimento do movimento de vítimas das situações ali narradas e de outras vítimas de assédio no contexto acadêmico. Pedimos assim à Routledge que tome as providências necessárias para corrigir a situação e disponibilizar o livro ao público. Ficaremos no aguardo do posicionamento da Editora sobre o assunto aqui exposto", finalizam. 

Importa lembrar que "Sem assumir a responsabilidade por atos concretos de abuso cometidos, não há autocrítica" foi o título da terceira carta escrita pelo coletivo de mulheres "que sofreu diferentes tipos de violência, resultante do padrão de abuso de poder naturalizado nas equipas de trabalho lideradas por Boaventura de Sousa Santos e percebido como inevitável pelas pessoas que ocuparam lugares de autoridade no CES [Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra] durante muitos anos", sendo que o mesmo é representado pela advogada Daniela Félix.