Nova Iorque, julho 2023
«O Mundo oferece-te conforto. Mas tu não foste feito para conforto. Foste feito para as grandes obras».
Papa Bento XVI
«O direito a morrer, rapidamente se transforma no dever de morrer».
Peter Saunders
«Once we allow doctors to kill patients, we will not be able to limit the killing to those who want to die».
Peter Singer, Filosófo Marxista
Queridas Filhas,
Na mitologia grega da antiguidade contava-se a história do navio de Teseu. Com o uso, peças deste navio foram substituídas. Uma após a outra. Ao fim de anos, nenhuma das peças do navio era original. Nada no navio de Teseu esteve presente quando este foi lançado ao mar pela primeira vez. O navio é o mesmo? Se não, quando foi que o navio deixou de ser o navio de Teseu?
Este paradoxo lógico, tem levado a reflexões importantes ao longo dos séculos. As células do corpo humano são substituídas a todos os 7 a 10 anos em média. Quer isto dizer que ao final de uma década somos outra pessoa? O que define a nossa identidade?
No mundo ocidental a religião e espiritualidade vão perdendo terreno enquanto as pessoas se tornam mais materialistas. Numa recente visita a Portugal, notei melhores carros, novas casas e pessoas muito bem vestidas. Mas também Igrejas mais vazias, poucos projetos comunitários e pouca resposta de instituições a projetos de interesse público (honrosa exceção ao escritório de advogados Telles e à Fundação Cupertino de Miranda que nos apoiaram no projeto de literacia financeira).
Esta tendência pode ser irrelevante ou mesmo positiva para quem acredita numa sociedade secular como marco do progresso. Mas olhemos para as ruas de Paris estes dias, e os frutos do secularismo ficam à vista: materialismo, divisão, racismo e desordem pública.
Um amigo meu tem o Pai com Alzheimer avançado. O cuidado dele requer muita energia e é fruto de dor, despesa e por vezes desespero. A maior parte do seu círculo social, com boas intenções, diz-lhe que o seu Pai não queria viver assim. Que seria melhor para todos se as coisas acabassem mais cedo. O tom é o de uma proposição óbvia que não precisa de ser provada.
Eutanásia nunca passou pela cabeça deste amigo. Concorda que tem tido momentos muito difíceis. Mas lembra que tem crescido interiormente com o sofrimento e tem tido momentos muito especiais com o seu Pai. Como quando, contra a vontade do seu Pai, o levou a um passeio no parque num dia de sol, e a meio da caminhado o Pai lhe disse: «Isto é muito bom! Obrigado».
Os átomos não formam a nossa identidade. As relações, o amor e as memórias são a parte mais importante. Quando perdemos uma relação importante ficamos diferentes para sempre, como quando perdemos um braço ou uma mão. O meu amigo não quer perder a relação que tem com o Pai.
Ou vejamos a história do ‘Team Hoyt’. Quando Rick Hoyt nasceu, o cordão umbilical apertou o seu pescoço e cortou o afluxo de oxigénio ao cérebro. Ficou quadriplégico com paragem cerebral. Os médicos recomendaram internamento numa instituição prevendo uma vida vegetal. Os pais trouxeram-no para casa. Com auxílio de um computador começou a comunicar. O pai levou-o a uma corrida de caridade para crianças deficientes. Quando voltaram a casa, num computador Rick escreveu: Quando estávamos a correr juntos as minhas deficiências desapareceram da minha vida. Desde então competiram juntos nos mais prestigiados triatlos e maratonas: o Pai a empurrar Rick numa cadeira de rodas, a dragar o filho num barco, ou a pedalar numa bicicleta com assento especial para o seu filho. Com este amor e relação o Rick, graduou-se do liceu e da Universidade. Materialmente esta história não faz sentido. A vida do Pai foi ‘perdida’ em serviço do filho. Espiritualmente, é impossível ver o vídeo dos dois a competir e não chorar e sentir inspirado.
O que define a nossa identidade? O discurso que fazemos quando ganhamos um Óscar ou um milhão de seguidores? Como gastamos os nossos milhões em férias, eventos ou iates? A verdadeira natureza humana de cada um revela-se não nos bons momentos, mas em como reagimos a momentos difíceis e tragédias.
Se estamos focados em materialismo e niilismo da filosofia progressista moderna, a eutanásia parece um passo no sentido do progresso. Se nos ligamos uns aos outros espiritualmente, na apreciação da riqueza, multidimensionalidade e diversidade da experiência e vida humana então a eutanásia não faz sentido. Perguntemos ao Rick e Dick Hoyt.