Novos detidos no caso do cofundador da Altice suspeito de desvio de 250 milhões (atualizada)

Além do cofundador da Altice, também foram detidos Melissa Antunes, antiga jogadora do Sporting de Braga e filha de Hernâni Antunes, e Abel Barbosa, contabilista do empresário bracarense. Os três deverão ser presentes a juiz amanhã. Armando Pereira é suspeito de ter feito um desvio milionário da multinacional francesa que é hoje dona da antiga PT…

O milionário minhoto Armando Pereira, antigo dono de 30% da Altice – a maior operadora francesa de telecomunicações, presente em Portugal depois de há oito anos ter comprado a Portugal Telecom (PT) – e seu diretor executivo, foi ontem constituído arguido e detido no âmbito da Operação um processo aberto pelo Ministério Público (MP), por suspeita de ter desviado do grupo 250 milhões de euros, apurou o Nascer do SOL.

 Os investigadores calculam que essa verba corresponde apenas a ilegalidades praticadas em Portugal, que terão sido cometidas em conluio com o empresário bracarense Hernâni Vaz Antunes, amigo do homem da Altice e que fugiu do país. Ambos são suspeitos de crimes de corrupção particular, burla, fraude fiscal agravada e infidelidade, tendo sido efetuadas ontem buscas às suas residências, à Altice Portugal e a sociedades de Hernâni Antunes. No terreno, estiveram o procurador da República Rosário Teixeira, o inspetor tributário de Braga Paulo Silva e o juiz Carlos Alexandre (a equipa responsável pela Operação Marquês, que levou à detenção e incriminação do ex-primeiro-ministro José Sócrates), tendo sido coadjuvados por mais de 100 elementos da PSP. As buscas ainda continuam.

Uma dessas residências é a que o antigo acionista da Altice possui em Vieira do Minho, na freguesia de Guilhofrei, de onde é natural, e que, com cerca de 15 hectares, é considerada a maior mansão do norte do país, com pavilhão gimnodesportivo, piscina, court de ténis, minigolfe e heliporto.

Ambos são emigrantes (Armando Pereira em França e o amigo no Canadá) que conseguiram dobrar o destino de pobres herdado à nascença, terão acabado por criar, para alegadamente se esquivarem a possíveis investigações judiciais e cumprirem os seus objetivos económicos, um sistema opaco de sociedades que se movimentam em três eixos: Portugal, Zona Franca da Madeira (ZFM) e Dubai (Emirados Árabes Unidos) – um circuito financeiro que se manteria noutros negócios obscuros.

 

Os dois esquemas do desvio

O MP suspeita que terão delineado um plano com duas vertentes: a primeira, configurando um crime de burla ao próprio grupo, centrar-se-ia na compra, muito abaixo do valor de mercado, de sete imóveis da antiga Portugal Telecom (PT) em zonas privilegiadas de Lisboa que acabaram por revender com lucros extraordinários; e a segunda, sob a forma de crime de corrupção privada, referir-se-ia a uma espécie de chantagem a antigos fornecedores da PT, que teriam de entregar contrapartidas indevidas aos executores do esquema, pois, caso contrário, saltariam fora dos negócios.

Para a venda dos imóveis, considerada uma autêntica delapidação do património da Altice, os dois cúmplices terão utilizado os préstimos do próprio CEO do grupo em Portugal, Alexandre Fonseca, que estava no lugar certo para dar o OK à operação. Sociedades criadas em Braga por homens de confiança de Hernâni Antunes – como o seu próprio contabilista, Abel Barbosa, também constituído arguido ontem – surgiram interessadas na aquisição dos prédios, situados em zona nobre da capital, por valores abaixo do mercado, e Alexandre Fonseca, segundo a investigação, apenas terá tido de tratar dos contratos de venda com os ilustres desconhecidos. O M acredita que, como contrapartida, terá recebido uma moradia na linha de Cascais no valor de um milhão de euros e outro tanto depositado nas suas contas. Tempos depois, as sociedades bracarenses revenderiam os imóveis por valores muito superiores aos da aquisição.

Para diminuir a carga fiscal das operações, entrou no jogo uma retaguarda de seis empresas sediadas na ZFM, que emitiram faturação fictícia às sociedades de Braga por forma a estas diminuírem os lucros na revenda dos prédios, deslocando o lucro final deste esquema para aquela ilha. O nome de âni Antunes nunca aparece ligado a estas empresas, que apresentam todas como sócios alegados testas de ferro, sobretudo o seu contabilista, que é gerente da maior parte dessas sociedades.

Entre esses testas de ferro, figura também a filha do empresário bracarense, Melissa Antunes, antiga jogadora de futebol do Sporting de Braga e igualmente constituída arguida e detida ontem, que é sócia maioritária de uma das empresas sediadas na ZFM – a Smartdev, especializada em informática, telecomunicações e imobiliário. Foi precisamente esta sociedade que entrou na compra do conhecido Edifício Sapo, a antiga sede da PT, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. O imóvel, com uma cobertura de quase 400 metros quadrados, comprado 10 anos antes ainda pela histórica operadora portuguesa, fora adquirido por €5.829.887 e chegou à sociedade na ZFM por apenas mais um milhão de euros do que esse valor.

A Smartdev tem ainda como sócios igualitários Abel Barbosa e o economista Álvaro Gil, este com morada em Braga e também ligado à Vaguinfos, detida em 90% pela Gold International Commercial Broker, sociedade offshore sediada no Dubai, que acabaria por receber os lucros gerados com a venda do Edifício Sapo.

Sublinhe-se que quer a filha de Hernâni Antunes, Melissa, quer o contabilista do empresário bracarense, foram detidos por suspeitas de participação no circuito empresarial e financeiro para colocar os lucros obtidos com os negócios que lesaram a Altice. 

Armando Pereira e estes dois detidos deverão ser presente a juiz, no âmbito de primeiro interrogatório judicial, este sábado, quando ficarão também a conhecer as medidas de coação que lhe serão aplicadas.

Com efeito, para tornar ainda mais opaco este circuito financeiro e escaparem a possíveis avanços das autoridades, o dinheiro giraria para o Dubai, onde o aguardaria uma terceira fileira de sociedades fictícias, por sua vez sócias das da ZFM.

Ao revisor oficial de contas (ROC) da Altice Portugal, estes negócios cheiraram a esturro: o património da multinacional estava a ser vendido sem intermediários e a empresas desconhecidas, pelo que alertou a administração para as eventuais irregularidades. Normalmente, tais transações devem ser concretizadas através de uma consulta ao mercado, para que os imóveis sejam vendidos pelo seu justo valor. O ROC denunciou o facto à administração da Altice, mas, na leitura do MP, sendo Alexandre Fonseca o seu CEO estaria supostamente a bater à porta do próprio infrator.

Este gestor, que abandonara o lugar de presidente executivo da operadora Oni Telecom para ir para a PT depois de esta ter sido adquirida pela Altice, firmou em dois tempos amizade com Armando Pereira e cedo chegou a idêntico cargo na filial portuguesa do grupo. Em março passado, Alexandre Fonseca passou a chairman da filial do grupo nos EUA, um dos mercados fortes em que a Altice está instalada (assim como a Alemanha).

Quanto à segunda vertente dos alegados crimes, a espécie de assalto mafioso aos antigos fornecedores da PT visou toda uma panóplia de bens e serviços a que uma operadora de telecomunicações tem de recorrer, como os que são prestados por fabricantes de telemóveis, centrais telefónicas, antenas ou cabos de fibra. O esquema passava por abordagem a cada fornecedor com oferta de contrapartidas para ficar com uma percentagem dos seus lucros (o que configura um crime de corrupção privada), mas, correndo mal o contacto, ficava-se com o próprio negócio.

Estando Armando Pereira à frente das compras do grupo, poderia desviar o negócio de determinados fornecedores para empresas-veículo que Hernâni Antunes ia criando em catadupa, terminando o circuito financeiro do capital assim obtido no Dubai, onde era dividido entre ambos em partes iguais, passando para contas offshore.

 

Armando, o ‘cost killer’

Tal atividade lesaria economicamente tanto a Altice e os fornecedores como os seus trabalhadores, espalhados por todo o mundo, cujos salários poderiam no futuro ficar comprometidos. Armando Pereira, curiosamente, tem fama de cost killer, pelo facto de cortar a direito em custos e salários em todas as empresas por onde tem passado, sem que a Altice Portugal fuja à regra. Com efeito, na PT, assim que foi adquirida, impôs-se uma redução unilateral de cerca de 30% nos contratos com os fornecedores e à maioria dos trabalhadores foram retirados os extras no vencimento, o que levou a que ficassem apenas com o salário-base.

O perigo abrangeria também os bancos financiadores do grupo. A Altice é conhecida pelas grandes aquisições que efetua, todas elas feitas a crédito e financiadas pela banca ou pelos mercados financeiros. Só em França, o grupo tem uma dívida de 31 mil milhões de euros. Qualquer melindre ao nível financeiro e a empresa pode entrar em forte turbulência.

O primeiro negócio deu-se precisamente com a criação em Braga, por Hernâni Antunes, de uma empresa de mobiliário para a remodelação das lojas da MEO. O equipamento mobiliário, desde o balcão às cadeiras, é vendido ao grupo essencialmente em Portugal, mas também em França, mantendo o empresário bracarense uma anormal margem de lucro de 100%. O dinheiro segue o circuito financeiro do costume, sendo canalizado para a ZFM, cujo estatuto é assim utilizado de forma abusiva.

Ter-se-á instituído com os fornecedores a prática de lhes extrair parte significativa dos enormes lucros da sua atividade com a Altice, que são desviados para as sociedades criadas por Hernâni Antunes na Madeira. Essas sociedades fictícias, que possuem escritório na ZFM sem nada mais, emitem faturas aos fornecedores do grupo, fazendo transitar assim pela ilha as suas percentagens. Os termos da imposição consistem em dizer aos fornecedores que ou pagam essas percentagens ou deixam de vender à Altice. Para não perder o negócio, grande parte dos fornecedores acabaria por ceder.

 O mesmo já não se passa com as multinacionais com quem usam a técnica inversa. Como exemplo, um representante (estrangeiro) de um dos grandes fornecedores da Altice a nível mundial foi abordado no sentido de aumentar ainda mais as suas vendas ao grupo com outro tipo de produtos, e como contrapartida foi-lhe oferecido um apartamento T6 em Leça da Palmeira.

 Nos EUA, que em termos de distribuição de fibra ótica estará em fase quase primitiva, foi uma empresa de Hernâni Antunes a ganhar um contrato para levar fibra ótica a 500 mil casas, enquanto na Alemanha a situação é idêntica (com a aquisição de 100 camiões). O normal seria a Altice estabelecer uma parceria com empresas daqueles países, mas Armando Pereira terá desviado esses negócios para a área do amigo bracarense.

 

Faturar com CR7

O par não terá perdido uma oportunidade: Cristiano Ronaldo entrou nas campanhas publicitárias da MEO e em cada uma foi retirada uma comissão para a Altice, que seria repartida pelos dois empresários. Assim terá acontecido em 2017, com uma campanha para promover a oferta de banda larga da Altice, que incluiu um filme de um minuto com o jogador em roupa íntima num quarto de hotel, a ir buscar ao corredor um tabuleiro com comida.

A admiração pelo craque levou Armando Pereira a deslocar-se de Genebra para os EUA no seu jato privado para assistir à performance de Ronaldo. A criatividade destas campanhas é da Partners, que em Portugal assegura a publicidade do MEO e da PT Empresas e que trabalhou com o departamento criativo interno da Altice USA.

 A "Operação Picoas".que explodiu esta quinta-feira surge na sequência de um longo processo de investigação com origem na Operação Monte Branco, que em 2011 desmantelou uma rede dedicada à prática de alegados crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais (incidindo sobre movimentos financeiros ilícitos ocorridos desde 2006, no
valor de diversas dezenas de milhões de euros), que operava a partir da Suíça, permitindo a centenas de empresários portugueses fugir aos impostos e apagar o rasto das suas fortunas.

Nas buscas feitas ao então Banco Espírito Santo (cuja resolução, em 2014, deu origem ao Novo Banco), foi descoberta informação que permitiu mais tarde a extração de três certidões judiciais: a primeira deu origem à Operação Cartão Vermelho, que investiga, entre outros factos, a dívida de Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, ao extinto banco, a qual já havia transitado para a instituição que lhe sucedera e que levou à sua detenção temporária; a segunda, denominada Operação Prolongamento, envolveu o presidente do FC Porto, Nuno Pinto da Costa, suspeito de desviar dinheiro do clube do dragão; e a última culminou agora, com as buscas envolvendo Armando Pereira e Hernâni Antunes.

Em comum, os três casos têm o nome do advogado e empresário desportivo bracarense Bruno Macedo, que os investigadores suspeitam ter servido de placa giratória para a distribuição de comissões ilegítimas com ligações tanto a Vieira como a Pinto da Costa. Tudo começou, aliás, com um processo da Inspeção Tributária de Braga relacionado com um pedido de reembolso de uma sociedade de Macedo.

 

Fortuna de 3,2 mil milhões

No caso da Altice, o MP suspeita também que houve comissões relacionadas com a aquisição por parte do grupo dos direitos de transmissão televisiva de jogos de futebol do FCP, que terão lesado o clube em 20 milhões de euros.

Contratos apreendidos durante a investigação revelam que Bruno Macedo, o intermediário deste negócio, terá em 2015 recebido 10 milhões de euros, metade dos quais dividiu em partes iguais por dois homens da confiança de Pinto da Costa e de Hernâni Antunes. Este último teria acordado, aliás, que, mais tarde receberia outra tranche igual, o que totalizaria 20 milhões de euros – a qual, contudo, por levantar suspeitas junto de Patrick Drahi, fundador e presidente do grupo Altice, nunca foi paga.

Armando Pereira, que está apontado pelo jornal Le Parisien como a 19.ª pessoa mais rica de França, será seguramente o maior milionário português, mas colocou grande parte da fortuna numa offshore no Dubai, titulada pelo pai do genro, que também trabalha para o grupo em Nova Iorque, o que torna difícil saber-se ao certo a dimensão da sua riqueza. Calcula-se, porém, que, no mínimo, seja de €3,2 mil milhões, o que lhe permite alimentar a sua paixão por carros de ralis, que conduz regularmente, e aterrar de helicóptero na sua mansão de Vieira do Minho.

O português e Patrick Drahi (que tem nacionalidade israelita, francesa, portuguesa e marroquina) conheceram-se há mais de duas décadas e meia e transformaram-se em fiéis um do outro, embora se admita que não sejam visitas de casa, até porque provêm de diferentes origens e níveis de educação. Dificilmente, porém, ficarão de costas voltadas. Foi pela mão de Armando Pereira que Drahi entrou no mercado português e o líder da Altice, que vem regularmente a Portugal, já o visitou no Minho.

Armando Pereira e Hernâni Antunes assistiram de helicóptero ao Rally Spirit, patrocinado pela Altice, que decorreu no norte do país em 2021. Quando vem a Portugal de férias – como aconteceu esta semana, tendo sido encontrado ontem pelos investigadores na vivenda de Vieira do Minho, situada junto à barragem do Ermal, no Gerês, onde acabara de chegar –, costuma ligar ao chef Rui Paula, dono do restaurante DOP, junto à Ribeira do Porto, ou à Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, para encomendar as refeições. Residindo habitualmente em Genebra, possui outras mansões em Manhattan, Nova Iorque (onde vive o genro), Málaga, Ilhas Virgens e Paris (frente ao rio Sena, estando ocupada por uma amiga). Prefere viajar de avião privado ou de helicóptero. No ano passado, convidou Tony Carreira para cantar em Vieira do Minho nas festas de São Tiago e da Nossa Senhora da Saúde, que decorrem em finais de julho: mandou erguer um palco no largo em frente à mansão, que se encheu de emigrantes como ele para assistirem ao espetáculo.

O diretor executivo da Altice conhece bem as entranhas do setor das telecomunicações, tendo sido por aí que se afirmou. A escalada começou aos 30 anos, em 1985, quando criou a Sogetrel, uma empresa de instalações de redes de telecomunicações, que se tornaria fornecedora da France Telecom. Armando Pereira iria tornar-se um homem rico, deixando para trás o adolescente de 14 anos que emigrara com a roupa que trazia no corpo. Casou-se, entretanto, com uma francesa também possuidora de fortuna, de quem teve uma filha. A sorte sorriu-lhe quando se cruzou com Drahi, já dono de uma fortuna de €42,5 milhões, acabando por criar os dois a Altice.

Quanto a Hernâni Antunes, é natural de Pedralva, pequena aldeia dos arredores bracarenses, emigrou antes de completar os 18 anos para fugir à fatalidade do trabalho agrícola na exploração dos pais e ganhar mundo e experiência num ramo de negócio incipiente no seu país, as máquinas de diversão e videojogos. Regressou a Portugal já depois dos 30 anos, para se tornar empresário nessa área, sobretudo pelo lado das máquinas de flippers e afins. Acumulou a comercialização dos equipamentos com a exploração de uma vasta rede que instalou em cafés na zona de Braga.

 

O apreciador de vinhos

Mas foram as suas relações com Armando Pereira que o levaram a outros voos. Mais conhecido como ‘o comissionista’, ou ainda, nos meios financeiros, como ‘o intermediário’ ou o ‘facilitador’, paga tudo com cartões de crédito e, sendo residente no Dubai desde 2012, nada paga ao Fisco. Conheceu Armando Pereira em 2012, quando a Altice, no seu primeiro grande negócio em Portugal, comprou a Cabovisão por 45 milhões de euros. Após a aquisição, foi Hernâni Antunes quem renegociou os contratos da Cabovisão com os fornecedores, aí ganhando os primeiros dois milhões de euros, alterando então a residência de Braga para o emirado árabe e, como exilado fiscal, deixou de apresentar contas ao erário português. Nos últimos dois anos, gastou cerca de 1,5 milhões de euros em vinho, a maioria francês, com garrafas adquiridas, no mínimo, a 10 mil euros cada.

Além da sua condição de emigrantes, tanto Armando Pereira como Hernâni Antunes partilham a febre pelos carros de alta cilindrada. O homem da Altice tem mais de 50 carros, 10 deles (os chamados supercarros) com valor acima de um milhão de euros cada, tendo construído recentemente na quinta de Vieira do Minho uma garagem de 1.000 metros quadrados para acolher a coleção. Ontem, quando foi interpelado no local pelas autoridades, estava a receber um camião de matrícula estrangeira que, segundo a reportagem da TVI-CNN Portugal às portas da mansão, lhe trazia duas das suas mais recentes aquisições: um Lamborghini e um Aston Martin. O milionário bracarense, por seu turno, tem dez supercarros, um dos quais um McLaren Senna, que foi notícia por se ter incendiado em 2020 no centro de Braga.

 

Bugatti à CR7 para cada um

Cada um dos dois possui um Bugatti Centodiec, o modelo mais exclusivo da marca, a qual só produziu uma edição limitada de 10 exemplares, esgotada em pouco tempo, ao preço de oito milhões de euros cada. Em Portugal só há três exemplares, pertencendo o outro a Cristiano Ronaldo. O de Armando Pereira é mais caro, por ter uma pintura especial no valor de 500 mil euros.

Também Patrick Drahi, que nunca escondeu a sua ambição de ser um dos homens mais ricos do mundo, ocupando atualmente o 92.º lugar na tabela da Forbes, tem em comum as origens migrantes, já que aos 15 anos os pais, professores de Matemática, decidiram abandonar o seu país, Marrocos, e instalar-se em Montpellier, no sul de França. Aprendeu a ser discreto, confessando que o «tom de pele bronzeado, associado ao facto ser o melhor aluno da turma», não lhe granjeava grande popularidade entre os colegas, o que o levou a prometer a si mesmo resguardar-se. Não é um homem que goste de dar entrevistas ou expor-se, não por questão de timidez, mas sim de autodefesa. Mesmo assim, não deixa de assumir posições polémicas, como quando afirmou numa conferência de imprensa: «Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder».

A velocidade a que tem vindo a fazer aquisições para construir o seu império – comprou 20 empresas de telecomunicações e media nos últimos 15 anos, nos dois lados do Atlântico – surpreendeu os seus concorrentes. A Altice tornou-se num gigante e ganhou um ritmo que parece ter sido feito em contraciclo, em época de crise económica e acreditando que o futuro passa pela convergência entre as telecomunicações e os media, cenário de que os operadores históricos europeus se afastaram, após algumas tentativas de convergência malsucedidas. Em Portugal, a própria PT tinha comprado a Lusomundo no início da década de 2000 e retirou-se. Mais tarde, durante os Governos de José Sócrates, a PT tentou comprar a TVI, mas gerou-se a polémica – que, soube-se depois, foi apanhada nas escutas telefónicas do processo Face Oculta – e o negócio (com contornos políticos) acabou por não acontecer.

Curiosamente, seria a Altice, uma década depois, a protagonizar uma tentativa de união da PT e da Media Capital/TVI, por 440, em 2018. Já começara a trilhar esse caminho em França, causando algum espanto. Em janeiro de 2015, avançara para a compra do diário Libération e do grupo L’Express, mas dera o pontapé de saída em Israel com a aquisição do canal de notícias i24. (nos Estados Unidos, posteriormente, a Altice comprou os canais de notícias Newsday e News12).

A TVI seria o primeiro canal de sinal aberto a fazer parte do império Altice, pelo que a sua aquisição ao grupo espanhol Prisa seria um passo importante na consolidação do poder do grupo. Contudo, fazendo jus à sua discrição, Drahi, numa conferência de imprensa sobre a operação, entrou mudo e saiu calado, falando apenas os gestores: Michel Combes, presidente executivo da Altice, Alan Weill, presidente da Altice Media, e Paulo Neves, presidente do conselho de administração da PT (então ainda existente).

Tal como o líder da Altice, também Armando Pereira fugiu às perguntas dos jornalistas, evitando-os. Um silêncio a que não seria alheio também o facto de a operação da Altice em Portugal estar então debaixo de fogo, por causa das medidas draconianas aplicadas aos trabalhadores da PT, com os protestos a subirem de tom nas semanas anteriores, perante o receio de uma onda de despedimentos, e que culminaram numa greve histórica, já que a anterior paralisação ocorrera 11 anos antes. O Bloco de Esquerda classificou a Altice como «fundo abutre» e o PCP falou em «despedimento encapotado» a propósito da transferência de trabalhadores para subsidiárias do grupo.

 A verdade é que a aquisição da Media Capital acabou mesmo por não se concretizar.

A Altice já antes tivera um enorme contratempo do mesmo género nos EUA, ao ser derrotada na tentativa de compra da gigante norte-americana Time-Warner.

Não gostando de pagar salários à grande massa de trabalhadores, Drahi paga principescamente aos seus homens de grande confiança, entre os quais Dexter Goei, ex-quadro da JP Morgan e da Morgan Stanley, hoje administrador financeiro da Altice e um relevante conselheiro do seu presidente, um verdadeiro braço-direito. Outro é Jérémi Bonnin, secretário-geral e peça-chave na internacionalização do grupo, assim como Arthur Dreyfuss, o jovem diretor de comunicação, também um dos homens do leme. No naipe está também Michel Combes, conhecido de Drahi há mais de duas décadas e recrutado a peso de ouro à francesa Alcatel-Lucent, de onde saiu com um prémio milionário depois de despedir milhares de trabalhadores (limpando a empresa para esta ser vendida à Nokia). «O Zeinal Bava [antigo CEO da PT, depois suspeito também na Operação Marquês] e os seus homens de confiança na gestão ganhavam uma sombra do que Drahi paga aos seus homens de topo», diz um antigo quadro da operadora portuguesa. «Ele costuma dizer que quem está ao seu lado, se for confiável, bom e tiver um compromisso longo, tornar-se-á um homem rico».

O facto é que, com a fama de controlar tudo e todos, Drahi não previu ter agora o ladrão dentro de casa. Resta saber como irá ele reagir às notícias desta quinta-feira.

O Nascer do SOL não conseguiu obter reação de nenhum dos visados.