Por Raquel Abecasis
No mesmo dia em que na Assembleia da República mais dois ministros têm de responder aos deputados por mais um caso de alegada corrupção no Governo, em Belém reúnem-se os conselheiros de Estado, para analisar a situação económica, social e política.
Marcelo agendou este Conselho de Estado em plena crise institucional entre Presidente e Primeiro-ministro, com a recusa em demitir João Galamba em pano de fundo e já com a promessa de duplicar a fiscalização ao Governo em cima da mesa. Os trabalhos da polémica Comissão de Inquérito à TAP não deverão ficar de fora da análise dos conselheiros, ainda para mais depois de os socialistas terem aprovado sozinhos um relatório em que ninguém, da esquerda à direita se reviu.
Apesar de ao longo da semana, nas audiências com os partidos, com que antecipou o debate do Estado da Nação, o Presidente tenha deixado claro que não tem no horizonte um cenário de crise política, a verdade é que Marcelo tem dado sucessivos sinais de desacordo e preocupação com os factos que abanaram o Governo nos últimos meses. Na sua tarefa de fiscalizador da ação governativa têm, também, sido visíveis os sinais de desacordo. Ainda esta semana o Presidente promulgou mais um diploma, desta vez sobre alterações no setor da educação que preveem o fim dos exames de matemática no 12.º ano para os alunos que não pretendem ingressar na Universidade, manifestando-se contra uma decisão que considera um retrocesso nas políticas de educação e que coloca Portugal numa posição mais frágil nas avaliações internacionais. Este não é um reparo isolado. A verdade é que têm sido inúmeros os diplomas que, depois do aviso de maior fiscalização, o Presidente tem promulgado com críticas. É mais uma originalidade no exercício de funções do mais alto magistrado da nação, que tem sido criticado por muitas vozes, que não entendem como é possível a promulgação de uma lei ao mesmo tempo que se fazem críticas. As críticas não foram suficientes para por que Marcelo alterasse o procedimento.
Maioria dos conselheiros não está contente com o país
No conjunto dos conselheiros de Estado que hoje se reúnem em Belém, Marcelo não é o único insatisfeito e preocupado com a atual situação política. São várias as vozes deste órgão de aconselhamento presidencial que se têm feito ouvir nos mais diversos fóruns. Talvez a mais significativa, seja a do seu antecessor. Cavaco Silva ressurgiu nos últimos meses com várias declarações muito críticas do Governo e que fizeram abanar a classe política. Amais violenta está ainda fresca na memória e ocorreu a 20 de maio, no discurso de encerramento do 3.º Encontro Nacional dos Autarcas Social-Democratas. «Nunca pensei que seria possível alguma vez um Governo descer tão baixo em matéria de ética política e de desprezo pelos interesses nacionais», afirmou então Cavaco Silva. De então para cá o antigo Presidente não terá mudado de opinião, pelo que se espera que um dos momentos mais tensos da reunião desta tarde seja o momento em que Cavaco fará o seu diagnóstico. Até porque à sua frente e a ouvir de viva voz as críticas, estará o próprio primeiro-ministro que também tem lugar no Conselho de Estado.
Mas não deverá ser só a opinião de Cavaco Silva a incomodar António Costa. É que dos dezoito conselheiros sentados à volta da mesa, a maioria é crítica ou muito crítica destes primeiros meses de ação governativa. Muitos têm-no sublinhado semana após semana, nos seus comentários televisivos, como é o caso de Luís Marques Mendes e António Lobo Xavier. Outros fizeram-no pontualmente quando para isso foram solicitados pela comunicação social, ou em intervenções públicas, como é o caso de Francisco Pinto Balsemão, Miguel Albuquerque, ou José Manuel Bolieiro. Mas o mais significativo, é que mesmo os conselheiros do Partido socialista, têm dado nota pública da necessidade de mudanças, particularmente na estrutura do Governo, como é o caso de Carlos César ou Manuel Alegre.
É certo que o Conselho de Estado é apenas um órgão de aconselhamento ao Presidente da República, que não tem qualquer poder de decisão. Mas o facto de ser convocado para fazer um balanço político de um ano como este, dá-lhe um particular peso. Ainda por cima porque se realiza no mesmo dia em que, no Parlamento, a ministra da Defesa e o ministro dos Negócios Estrangeiros (duas áreas de soberania), respondem aos deputados sobre a sua responsabilidade na escolha de um Secretário de Estado, arguido num processo de corrupção. Não é o melhor cenário para uma análise que já se prevê muito crítica. Acresce que em toda a história que envolve Mário Capitão Ferreira, há muitas dúvidas sobre o papel de João Gomes Cravinho, o ministro que desde o início Marcelo queria fora do Governo. A juntar ao que muitos consideram um ministro morto, João Galamba, os novos factos vêm colocar de novo Gomes Cravinho na mira presidencial.
Os tais ‘casos e casinhos’ prometem continuar a atormentar António Costa depois de férias, e por mais que o primeiro-ministro acene aos conselheiros de Estado com os bons resultados económicos, isso não deverá ser suficiente para abrandar as críticas.
Execução do PRR não fica fora da análise
Na sala do Conselho de Estado, há quem tenha a lição bem estudada em matéria de execução dos fundos do PRR e os dados são, no mínimo , muito críticos. Este é o tema que Marcelo não deixará de querer debater. Desde o discurso da tomada de posse do Governo que o Presidente colocou a execução dos fundos como o tema mais importante desta legislatura. «Não podemos correr o risco de não aproveitar estas verbas», tem dito e repetido. Para a memória política deste ano fica também o raspanete em direto dado pelo Presidente à ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, «super infeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo». A taxa de execução é agora de 12%, muito aquém do que o Presidente espera que deve ser. Só que a ameaça que então deu a Ana Abrunhosa, dirige-se agora com muito mais intensidade, ao primeiro-ministro e à ministra Mariana Vieira da Silva, responsável pela gestão dos fundos.