Uma coisa é certa: os dados mostram que a aplicação do IVA zero em dezenas de produtos tem feito os preços descer. Ao fim de três meses da aplicação da medida, o preço dos 46 bens alimentares essenciais baixou mais de 10%, de acordo com a monitorização da ASAE. Já os dados da Deco Proteste mostram esse mesmo cabaz custava 127,05 euros, a 12 de julho, menos 71 cêntimos (menos 0,56%) em comparação com a semana anterior. Esta é a quinta descida consecutiva no preço deste cabaz.
Numa espécie de balanço destes três meses de medida IVA Zero, o Nascer do SOL tentou perceber junto da Deco Proteste se a medida tem tido efeito na carteira dos portugueses. Do cabaz com 41 categorias de produtos que integram a lista dos produtos abrangidos pela medida de IVA Zero «podemos afirmar que houve uma redução de preço em 8,45%, 11,72 euros», começa por detalhar Rita Rodrigues, diretora de Comunicação e Relações Institucionais da Deco Proteste. «Importa referir que, pela 5ª semana consecutiva, registamos que o preço do cabaz está a baixar». Mas, acrescenta, «se fizermos a comparação com o início de 2023, este valor de redução apresentava um valor inferior a 4,95%». E defende que «apesar do balanço positivo dos últimos três meses, deve ser realçado que estes resultados são também impactados pela descida do preço base em alguns alimentos».
A medida está prevista vigorar até 31 de outubro, mas tudo leva a crer que irá continuar até ao final do ano. Rita Rodrigues diz saber-se que «os próximos meses vão continuar a ser desafiantes tanto a nível geopolítico, como no próprio setor agrícola», acrescentando que espera «que todos os intervenientes, da cadeia de produção à distribuição, continuem a encetar esforços alinhados para que a tendência da descida dos preços dos produtos alimentares tenha um impacto real na carteira dos consumidores». E atira: «Toda a poupança conseguida é importante, pelo que o prolongamento desta medida por mais tempo, poderá permitir, em primeiro lugar, uma verificação contínua sobre a eficácia da mesma, e por outro, no que respeita aos consumidores, se, efetivamente, lhes continua a trazer alguma poupança».
Questionada sobre se a iniciativa tem mesmo ajudado o bolso dos portugueses, a diretora de Comunicação e Relações Institucionais da Deco Proteste diz que deve ser «valorizada» mas que se deve analisar a sua eficácia. E, para a Deco Proteste, «a resposta é não». E a justificação é simples, segundo Rita Rodrigues. «A medida IVA Zero de forma isolada não tem grande expressão», uma vez que ao analisar o cabaz de forma global, «sabemos que os consumidores não compram ou consomem os 41 produtos todas as semanas e, por isso, o impacto acaba por se diluir».
Ao Nascer do SOL, o economista Eugénio Rosa defende que «o efeito foi muito reduzido, mais propagandístico que real», explicando que isso aconteceu por várias razões. «Em primeiro lugar, porque o número de produtos abrangidos é muito reduzido», defendendo que há muitos produtos importantes que ficaram de fora deste cabaz. Em segundo lugar, «porque as empresas podem continuar a aumentar os preços desses produtos, embora não faturando IVA, com a justificação de que os custos aumentaram (por exemplo, os preços da fruta e do café subiram, segundo o INE)».
O economista diz que IVA zero não significa controlo (fixação) dos preços dos 44 produtos, mas apenas que não incluem IVA. «A própria evolução do índice dos preços dos produtos alimentares não transformados divulgado pelo INE prova que o efeito foi muito reduzido».
E faz as contas. Tendo em conta que a medida entrou em vigor a 18 de abril deste ano, Eugénio Rosa diz que a variação média nos últimos 12 meses dos preços dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (café, chá) no nosso país foi, segundo o INE, a seguinte: março de 2023: +16,83%; abril de 2023: +17,24%; maio de 2023: +16,93%; junho de 23:+16,47%. E conclui: «A diminuição foi praticamente quase nula. É por esta razão que os portugueses dizem que não sentiram os efeitos do IVA nas suas carteiras».
O economista recorda também ao nosso jornal que o IVA, que é um imposto indireto, «é por sua própria natureza um imposto injusto, porque seja pobre ou rico, quando se adquire o mesmo produto paga-se o mesmo valor de imposto, isto é, tenha-se uma remuneração de 17.476 euros como Mário Centeno [governador do Banco de Portugal], ou receba-se uma pensão media de 498 euros como acontece com os pensionistas de velhice». No caso dos produtos alimentares a situação, na prática, já é diferente, defende.
«E isto porque a alimentação representa cerca de 40% nos orçamentos mensais das famílias de baixos rendimentos, enquanto nas de altos rendimentos representará apenas 15%». Além disso, continua Eugénio Rosa, «as primeiras constituem a maioria da população, enquanto as segundas (as ricas) são apenas uma minoria. Por todas estas razões, uma baixa nos preços dos produtos alimentares representa um benefício muito grande para as famílias de baixos rendimentos, enquanto para a minoria mais rica o seu efeito é insignificante», atira.
Preços de antes?
O Nascer do SOL tentou ainda perceber se é possível voltar aos preços de antes da guerra – e mesmo de antes da pandemia. Sobre esse assunto, Rita Rodrigues explica que «as sociedades e as economias mudaram pelo que, dificilmente, voltaremos a ter uma realidade idêntica de há 1 ou 3 anos (antes da guerra e pré-pandemia)». Quanto ao facto de a inflação estar a dar sinais de abrandamento, a responsável diz que «não significa que haja uma relação direta na redução dos preços. Pelo contrário, podemos até assistir a alguns aumentos». E acrescenta que, por outro lado, «as notícias que nos chegam acerca do fim do acordo dos cereais, assumido pela Rússia, Ucrânia, Turquia e Nações Unidas, devem ser acompanhas com muita atenção. Queremos acreditar que a tendência de descida dos preços dos alimentos se vai manter e que o impacto na economia nacional seja diminuto».
A Deco Proteste diz ainda que a introdução desta medida «é pertinente, mas não é suficiente». E por isso continua a considerar que «deveria estar inserida num conjunto de medidas mais abrangentes e estruturais, para ajudar os consumidores a fazer face às grandes dificuldades que continuam a sentir, não só com as despesas de alimentação, mas também com o pagamento das suas faturas de eletricidade e com os seus créditos à habitação». E lembra que, além do IVA, as descidas de preço podem estar relacionadas com as verbas que estão a ser libertadas de apoio à produção, «o que pode explicar a redução do preço base de alguns dos produtos».
Rita Rodrigues diz também ser de salientar que se tem verificado descidas no valor das matérias-primas e os preços dos combustíveis têm atingido valores “normais”. «Toda esta conjuntura é, ao momento, menos negativa, e queremos acreditar que todas as entidades privadas e governativas continuem comprometidas no cumprimento das medidas já adotadas, na sua fiscalização, assim como no estudo e análise de outras que possam vir a reforçar a estabilidade económica dos consumidores portugueses que tão ambicionam», finaliza.
Taxa mínima de IVA?
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) já pediu ao Governo a redução do IVA para 6% para todos os alimentos, o que teria um impacto de 110 milhões. Segundo uma avaliação da Nielsen Portugal à receita do IVA entre 2019 e 2022, extrapolada depois pela Deloitte para a totalidade do mercado, os alimentos taxados a 23% rendem, em média, 150 milhões por ano ao Estado. E diz que se a tributação a todos os alimentos diminuir para 6%, como propõe a CIP, a receita arrecada com estes produtos passaria a ser de cerca 40 milhões de euros, «menos 110 milhões por ano em comparação com o regime atual».
Eugénio Rosa é claro: «Pelo peso que os produtos alimentares têm nos orçamentos mensais de despesa das famílias de baixos rendimentos, até se justificaria que neste período de grave económica e social que os portugueses enfrentam, o IVA sobre os produtos alimentares fosse eliminado», destacando que o impacto sobre o Orçamento do Estado «seria muito reduzido, mesmo negligenciável».
O economista diz que para concluir esta tese, basta ter presente dados oficiais. E enumera: Segundo a Direção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças, o Orçamento do Estado para 2023 prevê que receita de IVA arrecadada este ano fosse superior, à de 2022, em 515,6 milhões. «No entanto, até maio de 2023, ou seja, em 5 meses, o Estado, através deste imposto, já cobrou mais 838,5 milhões do que em igual período de 2022». E, por isso, é de prever «que nos 12 meses deste arrecade o triplo do aumento que previa para 2023 (+515,6 milhões)». Eugénio Rosa conclui: «É imoral que o Estado esteja a cobrar IVA a famílias que passam fome ou em grandes dificuldades como são a maioria das famílias portuguesas no momento atual».